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O sofrimento dos outros

Autora: Maria de Lurdes Duarte

O sofrimento dos outros não é o meu. Isso é evidente. Ninguém consegue sentir o que o outro sente. Não estamos dentro dele, não habitamos o seu corpo, fisicamente é-nos impossível sentir as dores que não sejam as nossas. Isso faz da dor e do sofrimento, de certo modo, algo do foro íntimo, inteiramente pessoal e intransmissível. Mas não tem de ser um ato solitário.

Quando uma mãe ou um pai vê o seu filho sofrer, indubitavelmente sofre com ele. Quando amamos alguém que sofre, sentimos a sua dor como nossa. Se isso não nos é possível do ponto de vista físico, o é do ponto de vista psicológico e espiritual. Não sentimos a dor carnal, mas sofremos a dor de ver quem amamos imerso em algo que o incomoda e tudo fazemos para minorar a sua dor. Se não conseguimos, a nossa dor acentua-se ainda mais, pela incapacidade de valer ao outro naquilo que o apoquenta. Chama-se a isso empatia.

Jesus, nosso Maior Modelo, chamou-nos a atenção para a necessidade de nos colocarmos “na pele” do outro. Fê-lo por diversas vezes e em diferentes circunstâncias. A Sua intenção foi sempre uma: ensinar-nos o Amor. O Amor é o grande motor da Vida. O Amor é a Lei de Deus em Ação. O Amor é o motivo da Criação. E é também o motivo da nossa existência e das sucessivas reencarnações, de que ainda não conseguimos libertar-nos. Ainda não aprendemos a vivenciá-lo, a gerirmo-nos por ele. É a principal aprendizagem que temos que almejar. Mas ainda estamos muito longe sequer de o entender. Quanto mais de o viver em plenitude.

Entendemos o Amor como algo que desejamos receber. Mas o Amor é doação. É aquilo que conseguimos dar. Se não… não é Amor. Entendemos o Amor como posse. Posse da pessoa que dizemos amar (e que amamos, de alguma forma, à nossa maneira, mas longe de ser a do Amor verdadeiro), seja o companheiro/companheira, os filhos, os amigos… Mas o Amor não é posse. É o desejo da felicidade do outro, e isso só é possível pelo respeito da sua individualidade, dos seus próprios desejos, do caminho que ele próprio tem de percorrer, independentemente de ser o que nós desejaríamos para ele, de estar ou não ao nosso lado, ou até de conseguirmos ou não entender as suas opções. Dizemos que só a felicidade nos traz o amor, fazemos até depender a nossa felicidade da presença do ser amado, esquecendo que o Amor traz-nos felicidade sim, se a felicidade for saber que o outro é feliz, independentemente de os nossos caminhos se cruzarem ou correrem lado a lado.

Não é fácil entender o Amor da forma como Jesus no-lo apresentou. O Amor como Lei geradora de Vida plena, integrada na grande Lei do Pai. Um Amor sublime e sublimado, que se estende não só aos que nos são mais próximos e mais queridos, um Amor para além das paixões humanas, que se transforma de sensação em sentimento puro. Somos ainda muito pouco espiritualizados para perceber o alcance, em todo o seu esplendor, desse manancial de sentimentos de que nos falava o Doce Jesus.

Nos tempos recuados em que o Mestre pisou na Terra, por aqui andávamos ainda como seres muito primitivos, no que respeita aos sentimentos e ao interesse que os outros despertavam na nossa vida egoísta, completamente virada apenas para os nossos interesses materiais e ânsias de poder e bem-estar físico. Concentrávamo-nos exclusivamente em nós e tudo o que saísse desses moldes ultrapassava a nossa capacidade de entendimento e aceitação. Ao ponto de destruirmos tudo e todos os que quisessem alertar-nos para algo maior ou se atrevessem a afrontar os nossos interesses mais mesquinhos. Foi o que fizemos com Jesus, esse Modelo Superior que nos apontava caminhos bem diversos dos que estávamos habituados e queríamos continuar a trilhar.

Foi o que fizemos ao mandá-lo para a cruz. Mas, mesmo aí, na dor suprema da cruz, Ele não se coibiu de nos ensinar. “Perdoa-lhes Pai, eles não sabem o que fazem.” O que fez Jesus, naquele instante? De que modo conseguiu ele perdoar-nos? Ele conhecia-nos profundamente. Sabia da nossa pequenez. Por um ato de puro Amor, colocou-se na nossa pele, colocou-se no lugar desses seres pequenos que o condenavam por ignorância das Leis do Pai, por primitivismo, por teimarem em nada saber das verdades espirituais, por se fazerem cegos e surdos aos ensinamentos que ele amorosamente espalhava. Mas, com o conhecimento profundo que tinha desses seres, nós, sabia que mais cedo ou mais tarde, dando cumprimento à Lei de Evolução, a que não poderíamos fugir, surgiria o dia em que entenderíamos o nosso erro e teríamos de reparar, fosse pelo Amor ou pela Dor. Então, num ato de empatia, não só não nos condenou como pediu ao Pai que nos perdoasse.

Naquele instante de sofrimento, em que o Ser-Jesus, em toda a Sua humanidade, via esvair de si a vida corporal, pela ignorância e maldade daquela humanidade que Ele tanto amava, ao ponto de enfrentar o primitivismo terreno para ensinar caminhos novos de redenção, esse momento de Sublime Perdão mais não foi que o culminar da Sua missão, em que o ensino do Amor sempre foi o fio condutor.

“Amai-vos uns aos outros”, “Amai o vosso próximo como a vós mesmos”, “Perdoai setenta vezes sete vezes”, “Não façais aos outros o que não quereis que vos façam a vós”, “Fazei aos outros o que quereríeis que vos fizessem”… E a culminar: “Amai a Deus acima de todas as coisas” e “Sede perfeitos”. Foram estes os conselhos dados pelo Seu Amor sem limites. Ele sabia que só através desse Amor se cumpriria a nossa destinação como seres criados pelo Amor do Pai. Mas de que modo, nós, seres ainda tão imperfeitos, poderemos cumprir esses conselhos dados pelo Mestre Jesus? Como poderemos atingir esse Amor sem limites? Nós que, passados mais de dois mil anos, pouco evoluímos ainda? Dando pequenos passinhos. Só se sobe uma escada subindo degrau a degrau. Só se palmilham quilômetros, dando um passo atrás do outro. Comecemos por aqueles que estão mais próximos.

Comecemos por aqueles que também nos amam, mas também por aqueles que não nos querem bem, ou até desejam o nosso mal, ou contribuem para o nosso sofrimento. Coloquemo-nos no seu lugar – empatia -, tentemos perceber as suas razões, tentemos perceber o seu estado de atraso ou ignorância, que faz com que optem por atitudes que a nós nos parecem erradas ou inconcebíveis. Tentemos, mesmo, perceber até que ponto não tenhamos contribuído para as suas atitudes e negativismo. Então… atrevamo-nos ao perdão. Sintamos como a capacidade de perdoar, mais ainda do que beneficiar o perdoado, nos beneficia a nós, fazendo-nos sentir bem com nós próprios, aliviando-nos de sentimentos que nos causavam mal-estar, tornando-se entrave à saúde, física, mental e espiritual.

Pensemos nos que, perto ou longe de nós, sofrem. Vivemos, nos tempos atuais, momentos de particular sofrimento pelo mundo, causado pelos mais variados motivos (guerras, doenças, pandemias, discriminações, racismo, escravidão, pobreza, calamidades físicas…). Às vezes nem precisamos de ir muito longe para encontrar a dor humana na sua forma mais atroz. Já para não falarmos nas dores escondidas, à espera que nos demos ao trabalho de as descobrir. Coloquemo-nos na pele dos que sofrem. Poderemos fazer alguma coisa por eles? Haverá formas ao nosso alcance de minorar a dor dos outros? Quase sempre sim. Raramente não podemos fazer nada. Nem que seja através da prece sincera, sentida, colocando ao serviço dos benfeitores espirituais as nossas energias mentais e não só, de modo a que se sirvam delas no socorro aos infelizes. Mas, para além da prece, muitas outras formas temos de auxiliar. Desde que sejamos capazes de nos colocarmos no lugar dos infelizes – empatia.

Se pensarmos bem, o sofrimento dos outros é também o nosso sofrimento. Somos parte de uma humanidade sofredora. Uma humanidade que, descurando as mil e uma oportunidades de crescimento pela prática do Amor, infelizmente tem de ser espicaçada pelo aguilhão da Dor. Uma humanidade que sofre, mas que está a caminho da redenção porque, mais uma vez, tem oportunidade de evoluir e de se encontrar como ser coletivo, em que todos estão num mesmo caminho para aprender o significado do Amor e se decidirem à sua vivência, seguindo os ensinamentos do nosso Mestre Planetário. Para que se cumpra a nossa destinação, é absolutamente necessário que comecemos por ver o sofrimento e a dor dos outros e consigamos senti-los como nossos.

 De uma vez por todas, tentemos seguir o conselho de Jesus: “Fazei aos outros o que desejaríeis que vos fizessem a vós”. Coloquemos o “Amar a Deus sobre todas as coisas” em prática, através da vivência do Amor aos nossos semelhantes.

O sofrimento dos outros é o de nós todos. E podemos sempre fazer alguma coisa.

O consolador – Artigos

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