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O suicídio e o 5º Mandamento

Autor: Rogério Miguez

Oferecido ao conhecimento da Humanidade há mais de três milênios, o conjunto dos Dez Mandamentos permanece como guia para o homem conduzir-se com relativa segurança no âmbito das sociedades de que participa, norteando a sua conduta por excelentes princípios morais e éticos.

Contudo, o alcance destes postulados divinos é limitado; sabemos que há outros, bastando considerar o significado de pecado sugerido pela Doutrina Espírita para dar-se conta desta realidade. Em resumo:

O pecado é qualquer transgressão a qualquer princípio divino, não se limitando apenas aos atos contrários ao ordenamento divino (fazer), mas também incluindo o deixar de fazer, porquanto quem não faz todo o bem possível, comete igualmente um ato mau; e mais: abrange as palavras e pensamentos distanciados do bem.

Depreende-se deste entendimento estarem os Dez Mandamentos contidos nesta proposta espírita, pois ela alcança inúmeras outras situações e condutas. Nada obstante, para aquela época, a abrangência das propostas de Moisés era perfeitamente adequada ao grau de entendimento do povo. Muito ainda havia por ser revelado, no entanto, a verdade deve ser dita ou revelada de acordo com o grau de compreensão do aprendiz, proporcionalmente à capacidade de percepção do educando.

Um destes Mandamentos, em particular o 5º, recebe dos menos atentos, entendimento muito restrito quando consideram a sua literal aplicação, contemplando o “Não matar” apenas o seu semelhante. Interessante observar, porém, que mesmo dentro desta limitada compreensão, muitos já vêm pecando sistematicamente ao aniquilar seus ditos inimigos e desafetos “justificando-se” inclusive por bandeiras religiosas. Um verdadeiro contrassenso.

Entretanto, o “Não matar” elencado nos princípios mosaicos não se aplica apenas ao próximo e aos irracionais, mas também a si próprio, ou seja, abrange igualmente a questão do suicídio, que grassa silenciosamente no seio das comunidades, não escolhendo etnia, cultura, idade, sexo, hora ou local.

E sobre este peculiar momento que atravessa a Terra, Allan Kardec já havia registrado o surgimento da recrudescência do suicídio, isto há mais de século e meio, quando discorreu sobre a Regeneração da Humanidade:

“[…] os suicídios se multiplicarão em proporções inauditas, até entre as crianças […]”.1

De fato, é o que se observa: sociedades fartas de tanta imoralidade, vazias e desprovidas de nobres metas, desnorteadas pela avalanche de condutas reprocháveis, desgostosas pela falta de perspectivas futuras, encharcadas de um materialismo e sensualismo dissolventes, principalmente por não se darem ao trabalho de conhecer uma filosofia que lhes possa dar sentido à vida; desesperadas, desconsideram o 5º postulado de Moisés e subtraem-se da vida antes do tempo esperado, incorrendo em grave pecado contra esta Lei de Deus.

Quem lesse os escritos de Allan Kardec à época em que aquelas profecias foram dadas ao conhecimento humano, com quase toda a certeza se surpreenderia com a citação e dificilmente concordaria com a tese de que os suicídios alcançariam em profusão as crianças e, como sabemos hoje, também a juventude. E o raciocínio seria muito simples para justificar a surpresa e a discordância: crianças e jovens não sofrem as angústias e tensões que, segundo os que assim acreditam, instalar-se-iam apenas em mentes amadurecidas e mais experientes, capazes de perceber situações conflitantes de variada ordem, o que não alcançaria o entendimento infantil e juvenil.

Contudo, o mundo mudou significativamente. É comum na atualidade que os pequenos e aqueles ainda não chegados à idade adulta, a nossa juventude, sofram e se desestabilizem pelas muitas questões sociais e familiares que aparentemente não os alcançavam. Vivendo estas pressões, muitos deles, sem sustentação da família, desprotegidos da educação moral que deveriam ter recebido dos pais, sucumbem diante de cenários e situações desconcertantes que lhes são impostos pelas sociedades modernas, estas, sem exceção, altamente distanciadas dos princípios cristãos.

Tome-se como exemplo o desemprego. Imaginemos as preocupações de um adolescente iniciando sua vida social, estudando com afinco e preparando-se para os desafios futuros, que certamente existirão, convivendo com a nossa realidade, quando milhões de adultos não possuem emprego regular? Quando outras dezenas de milhões trabalham na informalidade? Quando tantas criaturas estão sitiadas na faixa da miséria? Quando o número de boas vagas nas escolas públicas é limitado? Mesmo aqueles que conseguem penetrar no “sistema”, sabem que irão iniciar a respectiva atividade profissional percebendo salários baixíssimos e sem grandes perspectivas de crescimento profissional, em sua grande maioria. Certamente é um cenário aterrorizante. E qual seria a causa principal destas distorções? – O egoísmo.

Para as crianças, os desafios não são menores, pois a concorrência exagerada nas escolas, desde as fases iniciais, nem sempre é salutar para mentes ainda em formação; há o cruel e amedrontador bullying, atingindo-as de forma sistemática dentro do ambiente escolar, nos clubes, mesmo nas ruas; a falta regular de recursos financeiros por parte dos pais é percebida pelos pequenos, embora não muito bem entendida; o ambiente familiar nem sempre é o mais equilibrado, deixando a infância desamparada, entregue à mídia alucinada que, de modo geral, nada mais faz do que atemorizar a todos com seu noticiário apocalíptico; a fuga do contato físico com seus pares, por conta do uso excessivo dos telefones celulares, também contribui fortemente para desajustar a mente infantil.

Tais situações, quando reunidas, algumas mesmo isoladas, assumem força quase incontrolável e são capazes de conduzir, pouco a pouco, tanto os pequenos quanto os mais jovens, a profundos conflitos internos. Quando estas pressões não são apropriadamente cuidadas, seja por profissionais, seja pela família, estará sedimentada a base para um possível suicídio, ocorrência que sempre choca a opinião pública, a qual, no entanto,  alardeará o trágico fato, mas seguirá em frente em sua corrida alucinada rumo ao nada, repetindo antigos padrões de conduta, distanciados dos modelos cristãos.

Após esta breve reflexão sobre os mais novos, voltemos a nossa atenção para os adultos, a passarem por muitas pressões e conflitos, geralmente não percebidos pelas crianças e jovens. Por força destes desajustes o suicídio, no universo adulto, vem aumentando também a passos largos, com consequências penosas para todos os que incorrem nesta prática, bem como para os aturdidos familiares, que permanecem na retaguarda.

Um dos aspectos que têm chamado a atenção é que muitos suicidas são religiosos, crentes nas máximas mosaicas; entretanto, não se atêm ao fato de que, ao abreviarem a existência, estão indo de encontro ao 5º Mandamento da Lei de Deus. Como bem esclarece a Doutrina dos Imortais, os suicidas se defrontarão com situações lamentáveis no Além quase inenarráveis, levando tempo para se recuperarem do mal que a si mesmos se impuseram.

Quando o Espírito interrompe a sua possibilidade de aprendizado, reduzindo o seu tempo de expectativa de vida, previsto antes de seu reingresso na carne, dificulta o andamento de seu processo de evolução; terá, portanto, que recuperar o tempo perdido nas reencarnações futuras, nem sempre nas mesmas condições da vida anterior, atrasando sobremaneira a sua redenção espiritual.

Em reencarnações posteriores o Espírito do suicida tende a repetir a conduta nefasta, caso se defronte novamente com conflitos íntimos que ele julgue insuperáveis. É muito preocupante este ciclo; um dos exemplos marcantes desta sequência de suicídios ocorreu com  a médium fluminense Yvonne do Amaral Pereira.

Quando aqui esteve conosco em sua última reencarnação, psicografou vários livros. Os três primeiros descrevem três existências suas, em que, ao final de todas elas, vencida por si mesma, deserta da vida material antes do tempo, pela porta enganosa do suicídio. Estas três obras, romances de raro valor doutrinário, intitulam-se: Nas Voragens do Pecado, O Cavaleiro de Numiers e O drama da Bretanha. São testemunhos oportunos para dissuadir todos os que cogitam do autocídio como “solução” dos seus problemas.

Fortaleçamo-nos, pois, meus amigos, pelo estudo das Leis Divinas; construamos a fortaleza interior capaz de enfrentar as vicissitudes da vida; edifiquemos a fé verdadeira agindo conforme os princípios de Deus.

Como reflexão, transcrevemos alguns versos da poetisa Francisca Júlia da Silva:

A aflição sem revolta é paz que nos redime.
Não olvideis na cruz redentora e sublime
Que a fuga para a morte é um salto para a treva.2

REFERÊNCIAS:

1 KARDEC, Allan. Obras Póstumas. ed. 22. Rio de Janeiro: FEB, 1987. Regeneração da Humanidade.

2 XAVIER, Francisco C. Vozes do Grande Além. Diversos Espíritos. Org. Arnaldo Rocha. 6. ed. 1. imp. Brasília: FEB, 2013. cap. 18 – Apontamentos de amigo, poesia: Lutai!.

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