Autor: Paulo Oliveira
Numa manhã de sábado de dezembro, num telhado próximo, havia dois pombos que estavam pousados, quietamente, recebendo toda aquela chuva que caía torrencialmente. Levantavam levemente as asas, fato que logo concluí como sendo um movimento de proteção contra o aguaceiro. Porém, percebi que estavam, em verdade, aproveitando a chuva e se refrescando, pois era o primeiro dia de verão e a manhã já ia particularmente quente. A velha condição automatizada de tudo julgar fez-me, num primeiro impulso, na busca de um significado para aquela atitude, atribuir àquela cena o que eu certamente faria, e que de fato não era justo e nem verdadeiro para a realidade daquelas simples aves. Imediatamente recordei-me do “Não julgueis”, ensinamento sublime dado por Jesus, para que sejamos mais comedidos em nossas ideias e comentários sobre quaisquer situações com as quais nos defrontemos em nossas vidas, diariamente, das mais complexas às mais simples.
Ao acompanhar a cena, via-se a atuação de um tipo de inteligência instintiva, ainda rudimentar quando comparada com a inteligência humana, “cujo exercício é mais exclusivamente concentrado sobre os meios de satisfazerem suas necessidades físicas e promoverem à sua conservação”[1]. Mesmo diante dessa constatação, a cena descrita sugeria a reflexão sobre como encarar essa atitude natural dos pombos, utilizando-a como elemento de análise comparativa quanto à compreensão humana sobre a Bondade Divina. Aceitar a chuva e aquietar-se diante daquilo sobre o qual nada podiam fazer aqueles pombos despertou a ideia de que estavam dando o seu exemplo de aceitação e resignação à Vontade Divina.
Jesus, que sempre buscou ensinar de forma simples, com base nas coisas da vida comum, utilizou-se da atitude das aves para enfatizar a necessidade de se ter fé e confiança na Justiça Divina: “Olhai as aves do céu: Não semeiam nem ceifam, nem recolhem nos celeiros e vosso Pai celeste as alimenta. Não valeis muito mais do que elas?” (Mateus, 6:26).
Com esse ensinamento, quis o Mestre salientar a necessidade de desenvolvermos a certeza de que Deus está no comando de tudo e, através de Suas leis naturais, promove o desenvolvimento e o equilíbrio do Universo. Nada escapa à Sua ciência e vontade: “até os cabelos de vossa cabeça estão todos contados” (Mateus, 10:30).
Mas, voltando ao simbolismo utilizado por Jesus, representou Ele na atitude das aves do céu a meta que o ser inteligente deve ter para alcançar a sublimação de si mesmo. A atitude confiante e resignada é um sinal de crescimento espiritual, que transparece no comportamento.
Muita gente, ao ler as palavras do Evangelho, pressupõe humilhação e menosprezo pela condição humana, nas quais, em verdade, existe o estímulo à superação e ao crescimento. Acredita-se submissão e obediência à Vontade Divina tratar-se de um ato de covardia e acomodação.
O Espírito Lázaro afirma que a obediência e a resignação são “duas virtudes companheiras da doçura, muito ativas, se bem que os homens erradamente as confundam com a negação do sentimento e da vontade. A obediência é o consentimento da razão; a resignação é o consentimento do coração, forças ativas ambas, porquanto carregam o fardo das provações que a revolta insensata deixa cair”. [2]
Ficamos aqui imaginando o que diríamos dos nossos amiguinhos pombos, se, ao contrário do observado, estivessem no telhado molhados pela chuva, reclamando, revoltando-se e acusando Deus por tê-los esquecido e abandonado. Não pareceria estranho? Será que poderíamos conceber essa atitude partindo de criaturas doces e singelas da natureza? Parece-nos que a resposta seja óbvia: a maioria de nós estaria atônita ao presenciar tal fato.
E quanto aos seres humanos, a quem Jesus comparou de forma superlativa em relação à vida animal, será aceitável que tenham atitudes de revolta e desespero diante das “chuvas” que invariavelmente cobrem seus corações? Será que temos direitos especiais por sermos filhos de Deus, devendo, portanto, serem todas as nossas vontades e desejos totalmente atendidos?
O que acontece a uma criança que é sempre atendida em seus reclamos e exigências? Torna-se totalmente egoísta, em nada cedendo por imaginar-se no centro das atenções. Deus quer nosso bem e nos dá a oportunidade de crescermos com equilíbrio. Por essa razão, não nos dá tudo o que queremos e, sim, aquilo de que precisamos; assim como dá, também, a todos os seres da criação. Trata-nos com justiça inquestionável, e mesmo diante de situações em que nos falte o sentido para entender o porquê do mal que nos surge à frente, a confiança nessa Bondade e Justiça Divinas deve senhorear nossos passos e reações, para que não venhamos a perder a oportunidade da exemplificação e da reparação devida, pela rebeldia expressa através de lamentações ou injúrias.
A Doutrina dos Espíritos mostra-nos que as nossas aflições têm causas anteriores, de vidas passadas ou desta vida atual, criadas por nossa incúria e irresponsabilidade em relação às leis divinas, gerando nossos débitos que necessitam ser reajustados, através da reencarnação. Dá-nos o Pai Criador a oportunidade de recomeçar a experiência em novo corpo, o que nos permite rever caminhos, aprender e crescer para Ele, que nos espera de braços abertos.
Jesus, o exemplo maior de resignação e submissão à vontade de Deus, está nos amparando com Suas palavras vivas, que pulsam energia nova para nossos Espíritos, e que farão de nós seres mais fortalecidos e confiantes, abrindo-nos o caminho para a redenção. O Seu exemplo ensina-nos que a submissão à vontade do Pai é, no fundo, uma forma de libertação das tendências inferiores que caracterizam o espírito humano. Orgulho, vaidade, egoísmo e tantos outros, somente desaparecerão se o indivíduo começar em si a reforma para o bem, na busca da verdade, mas não aquela verdade sectária e formalista, mas, sim, a verdade que liberta: “Conhecereis a verdade e a verdade vos libertará” (João, 8:32).
Emmanuel, estimado benfeitor espiritual, de forma clara e precisa, fornece os comentários que nos orientam para essa verdade que liberta. Diz ele: “Só existe verdadeira liberdade na submissão ao dever fielmente cumprido”.[3] Mais à frente complementa: “E perceber o sentido da vida é crescer em serviço e burilamento constantes”.
Que Jesus abençoe e fortaleça nossa disposição para o entendimento e a resignação daquilo que não podemos modificar ainda.
Referências
[1] KARDEC, Allan. O Livro dos Espíritos. 135. ed. Araras: IDE, 2001, questão 593 (comentários).
[2] KARDEC, Allan. O Evangelho segundo o Espiritismo, 25. ed. de bolso, Federação Espírita Brasileira, RIO DE JANEIRO/RJ– 2010, cap. IX – item 8 – Obediência e Resignação.
[3] EMMANUEL (Espírito), Fonte Viva, [psicografia de Francisco C. Xavier], 16. ed. Rio [de Janeiro]: FEB, 1988. “Ante a luz da Verdade”, cap. 173.
O consolador – Ano 9 – N 413