Revista Espírita, março de 1864
Outrora os homens eram atrelados à charrua; eram sacrificados em trabalhos gigantescos, e a construção das muralhas da Babilônia, onde vários carros marchavam em linha; a edificação das Pirâmides e a instalação da Esfinge custaram mais que dez batalhas sangrentas. Mais tarde os animais foram subjugados, em concorrência com os homens, e vimos, na jovem Lutécia, bois de canga arrastarem a carruagem em que espaireciam os reis desocupados da segunda raça.
Este preâmbulo visa mostrar aos que nos ouvem que todas as perguntas feitas neste centro simpático aos Espíritos obtêm sua solução, por um ou outro de nós. Esse caro Jacquard, essa glória do tear, esse artífice engenhoso, que caiu como um soldado valente no campo de honra do trabalho, tratou de um aspecto das questões econômicas que se ligam ao trabalho humanitário. Ele me pôs um tanto em causa, falando das modificações que eu tinha feito na arte do tecelão, e chamou-me, por assim dizer, para fazer a minha parte nesse concerto espiritual. Eis por que, encontrando entre vós um médium, como eu nascido na velha cidade dos alóbrogos, essa rainha do Grésivaudan, dele me apodero com a permissão de seus guias habituais e venho completar por uma parte a exposição que meu ilustre amigo de Lyon vos deu por outro médium.
Em sua dissertação, aliás muito notável, ele ainda exprime certas queixas que sob o inventor revelam o operário ansioso por seu ganha-pão e temeroso do desemprego homicida. Sente-se que o pai de família teme uma suspensão do trabalho, do qual depende a vida dos seus; adivinha-se o cidadão que freme ante o desastre que pode atingir a maioria de seus concidadãos. Esse sentimento é, certamente, dos mais honrosos, mas denota um ponto de vista de certa estreiteza. Venho tratar da mesma questão que Jacquard, senão mais largamente que ele, ao menos de um ponto de vista mais geral. Contudo, devo constatar, para homenagear a quem de direito, que a generosa conclusão da comunicação de meu amigo resgata amplamente o lado defeituoso que assinalo.
O homem não foi feito para ficar como instrumento ininteligente de produção. Por suas aptidões, por seu lugar na criação e por seu destino, ele é chamado a outra função que não a de máquina; a um outro papel que não o do cavalo de carrossel. Nos limites fixados por seu adiantamento, ele deve chegar a produzir mais e mais intelectualmente e, enfim, emancipar-se desse estado de servilismo e de engrenagem ininteligente a que, durante tantas gerações, ficou escravizado.
O operário é chamado a tornar-se engenheiro, a ver seus braços laboriosos substituídos por máquinas ativas, mais infatigáveis e mais precisas do que ele. O artífice deve tornar-se artista e conduzir o trabalho mecânico por um esforço do seu pensamento, e não mais por um esforço de seus braços. Aí está a prova irrecusável desta lei tão larga do progresso, que rege todas as humanidades.
Agora que vos é permitido entrever, por um passeio pela vida futura, a verdade dos destinos humanos; agora, que estais convencidos de que esta existência não passa de um dos elos de vossa vida imortal, posso exclamar: Que importa que cem mil indivíduos sucumbam, quando uma máquina foi descoberta para fazer o trabalho desses cem mil indivíduos? Para o filósofo, que se eleva acima dos preconceitos e interesses terrenos, este fato prova, com muita singeleza, que o homem não estava mais em seu caminho quando ele se consagrava a esse labor condenado pela Providência. Com efeito, é no campo de sua inteligência que doravante o homem deve fazer passar a grade e a charrua que fecundam. É só por sua inteligência que poderá, que deverá chegar ao melhor.
Peço que não deis às minhas palavras um sentido muito revolucionário. Não! Mas deixai-lhes o sentido largo e superior que comporta um ensino espírita que se dirige a inteligências já adiantadas e prontas a compreender todo o alcance de nossas instruções.
Sabe-se que se, de hoje para amanhã, o artífice abandonasse o tear que o sustenta, sob o pretexto de que, num dado momento, este seria substituído por um mecanismo ou qualquer outro invento, é sabido que ele seguiria via fatal e contrária a todas as lições dadas pelo Espiritismo.
Entretanto, todas as nossas reflexões têm um só objetivo, o de demonstrar que ninguém deve gritar contra o progresso, que substitui braços humanos por dispositivos e engrenagens mecânicas.
Além disso, é bom acrescentar que a Humanidade pagou largo contributo à miséria e que, penetrando mais e mais em todas as camadas sociais, a instrução tornará cada indivíduo cada vez mais apto para funções tão inteligentemente chamadas liberais.
É difícil para um Espírito que pela primeira vez se comunica através de um médium, exprimir seu pensamento com bastante clareza. Assim, desculpareis a desorganização da minha comunicação, cuja conclusão aqui está em duas palavras:
O homem é um agente espiritual que deve chegar, em período não distante, a submeter ao seu serviço e para todas as operações materiais à própria matéria, dando-lhe como único motor a inteligência, que se expande nos cérebros humanos.
VAUCANSON