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Oi, Jesus! Eu sou o Zé!

Autor: Davilson Silva

Há algum tempo minha mulher presenteou-me com a xerocópia de um texto acerca de um tal “Zé” que, em determinada hora do dia, contraiu o hábito de dar um pulo até a igreja mais próxima para rezar de um jeito muito especial. Por achá-lo interessante, ela me sugeriu a veiculação. E como em casa sou eu quem dá sempre a “última palavra”, disse-lhe: “Sim, meu bem, é pra já!” (Ai de mim se não concordasse!) 

Brincadeira à parte, digo que, pelo contrário, em casa, resolvemos tudo com acordo e afetuosidade, e vamos ao conto do qual fizemos certa adaptação. Narra o texto, de autoria desconhecida (ninguém o assinou), que um pobre velhinho costumava entrar na igreja e sair rapidamente dela. Certo dia, o sacristão, que há muito tempo o tinha de olho, resolveu dessa vez se aproximar, meio desconfiado, a fim de saber o motivo de tal atitude, porquanto havia valorosos objetos de ouro e de prata e raríssimas imagens barrocas de santos no templo católico.

— O que o senhor pretende?, indagou com certa austeridade.

— Ora, filho, rezar, replicou o velho. 

— Que estranho! Eu nunca vi ninguém rezar tão depressa como o senhor!, Disse o sacristão. 

— Bem, eu não sei recitar aquelas orações compridas que o amigo conhece. Só sei falar: Oi, Jesus, eu sou o Zé, vim te visitar, e, pronto, vou-me embora! Tenho certeza de que Ele assim mesmo me ouve… Não se preocupe, meu bom rapaz, sairei num instante… 

Alguns dias se passaram. O Zé sofreu um acidente e o internaram num hospital público de caridade. Lá, ele contagiava todos com o seu otimismo e contentamento: até os enfermos mais tristonhos tornaram-se alegres e confiantes, voltando a sorrir. Uma das voluntárias do hospital, uma freira, ao notar a transformação no quarto de enfermaria, dirigiu-se ao Zé e lhe disse admirada: 

— Zé, os outros pacientes dizem que você é alegre e otimista o tempo todo! 

— Ah, irmã, isso é verdade! Sou assim mesmo. É por causa de uma visita que venho recebendo todos os dias.

A religiosa nada entendeu, ficou algo pensativa, confusa, porque a cadeira próxima da cama do Zé conservava-se continuamente vazia; a irmã nunca vira antes ninguém procurá-lo em nenhum dia da semana desde a sua internação, e todo mundo sabia que o Zé era solitário. “Quem o visitaria afinal? E a que horas?”, perguntou de si para si mesma.

Parecendo ler as inquirições da espantada professa, o Zé, cujos olhos principiaram a brilhar e o rosto a resplandecer, respondeu-lhe com inflexão sublime: 

— Todos os dias, ao entardecer, é sempre assim: uma leve brisa primaveril toma-me conta, Ele aparece mansamente… Quando ouso dirigir-lhe a palavra, a voz não sai, tremeleio, as lágrimas rolam, e ele tão-somente me sorri. Logo em seguida, de seu hálito perfumado, saem estas maviosas palavras como se eu ouvisse acordes enternecedores: “Oi, Zé! Sou eu… Jesus… Vim te visitar”. 

Jesus Cristo não dá valor a preces que não tenham como objeto o bem irrestrito do próximo. O Evangelho nos solicita mudança. Deixar para amanhã o que se pode fazer hoje?!… Jesus conta já com a nossa mudança de sentimentos menos dignos; é por isso que existe a prece para que possa oferecer sugestões sublimes e consoladoras. 

A prece é um meio pelo qual se pode ter contato com o nosso Pai-Criador, depois de se pensar nEle, esperando que as nossas ideias e palavras O alcancem. Prece exatamente eficaz é aquela emitida plena de energias benéficas e compreensivas de amor. A prece sentida, quando do remorso verdadeiro, ou quando da aflição dolorosa, traz a bênção consoladora das lágrimas ou o reconhecimento da humildade que refrigera. 

Mas como devemos fazer uma prece? Segundo os Espíritos, com emotividade, com ideias elevadas, e não unicamente proferindo sons verbais que, não raro, ocultam sentimentos de natureza egoística, desejos esconsos, inconfessos. 

Às vezes nos quedamos admirados com certas criaturas notáveis pelo seu mau-caráter, por sua hipocrisia, alguns malcriados, ciumentos, invejosos, impertinentes, malévolos, intolerantes e viciosos que rezam… A questão 660 de O Livro dos Espíritos explica que não é nada meritório rezar o tempo todo, e ainda por cima sem humildade de admitir os próprios defeitos dos quais devemos deles nos livrar para o nosso próprio bem. 

Deus não Se compraz com rezarias decoradas, e sim com rogativas embaladas pela fé atuante, e não apenas por fé de oportunismo (nesse passo, rezar é bem diferente de orar). Agrada-Lhe sobremaneira os apelos de paz e justiça, mas não os de tendências mórbidas, execráveis. Só uma fé persistente, digna, é capaz de impelir a Alma de boa vontade a entoar verdadeiros hinos de alegria e agradecimento ao Senhor, mesmo ante as incompreensões e misérias do mundo. 

Ditou o Espírito Emmanuel, pela psicografia de Chico Xavier: “A prece tecida de inquietação e angústia não pode distanciar-se dos gritos desordenados de quem prefere a aflição e se entrega à imprudência, mas a tecida de harmonia e confiança é força imprimindo direção à bússola da fé viva, recompondo a paisagem em que vivemos e traçando rumos novos para a vida superior”. Quem só se lembra de orar quando a dor o convoca a refletir sobre a vida que leva, desequilibra-se, exaspera-se perplexo, enquanto quem se mantém obstinado na oração, pela sua fé e caridade, ainda que as vicissitudes o acometam de súbito, aproveita para amadurecer moralmente. 

Mas, se uma daquelas criaturas de má índole acima aludidas fizer mesmo uma prece longa e admitir as próprias falhas, não teria algum mérito, já que ninguém é perfeito? Errar não é humano? Dizemos de passagem: sim, errar é humano, mas acertar é mais humano ainda! A intenção das ações, de um modo geral, é tudo para Deus. Entretanto, o essencial, segundo os Espíritos, não é fazer preces extensas e reconhecer-se imperfeito; mas fazê-las bem, ou seja, simples, sem pedir muito, com desejo de corrigir-se de verdade, de pôr em prática esse desejo. Nosso Pai não Se impressiona com petições, além de prolixas e vazias, pretensiosamente empoladas.

Não vale rogatórias bombásticas, fazer longas preces na expectativa de exclusivamente desinçar de problemas imediatos sem antes saber se estamos de conformidade com a Lei de Justiça e Amor. E, além de tudo, a prece não depende de palavras nem de local, nem de hora. Por mais bela que seja, se não tiver os predicados de que referiram os Bons Espíritos, eles, os executores dos desígnios divinos, cujo papel é o de dissuadir o homem de pensamentos que lhe causem danos, não a acolhem.

“Oi, Jesus! Eu sou o Zé!”… Simples, não?! Não queremos sugerir, porém, que decidamos pelo referido estilo sucinto do humilde velhinho de nossa história. Podemos sim fazer preces mais longas que a dele e até preces decoradas: desde que as façamos com dignidade. Mas prefiramos as exprimidas de nossa autoria, extraídas do fundo do coração. A prece não deve ser um mero ato rotineiro, mecânico, enfadonho, qual se fora uma cantiga monótona, uma cantilena. Em suma: a prece tem de reunir-se não só ao sentimento de fé, mas, sobretudo, ao de amor ao próximo para que Jesus nos dê a Sua amorável assistência e diga também: “Oi! Vim te visitar”.

Nota

O autor é jornalista, presidente-fundador da Fraternidade Espírita Aurora da Paz (Feap) (www.feap.udesp.org.br), e membro da União dos Delegados de Polícia Espíritas do Estado de São Paulo (www.udesp.org.br).

O consolador – Ano 2 – N 78 – Crônicas e Artigos

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