Autor: Marcus Vinicius de Azevedo Braga
Uma certa geração de jovens espíritas cresceu embalada pelas músicas de Marielza Tiscate. Musicalmente bem elaboradas e de letras de um sentido profundo, muitos estudos espíritas foram ilustrados por palavras destas canções, e muitas lágrimas de emoção verteram frente a essa obra musical.
Do Rio de Janeiro para o Brasil, certamente o leitor deve conhecer alguma música dessa autora, ainda que por vezes não identifique que era dela. Sim, aquela música do “Chamado” é dela. E se lembrar de outra, é bem capaz que seja também.
Mas, nesse breve artigo, nos deteremos a uma música em especial, que nem é das mais conhecidas da autora, presente no CD da Série Raízes e que dispõe também de uma bela versão pelo Grupo cearense de arte espírita AME. Estamos falando da música “A paz”.
Na letra dessa música existe uma frase emblemática, referindo-se à paz: “Vem comigo, venha logo, traga o teu olhar… Pra esta empreitada onde todos podem trabalhar.” Um convite que indica que o desafio da paz é uma porta aberta a todos que desejem nela trabalhar.
Sonhamos com uma paz duradoura, idílica, perene, esquecendo que a paz é uma construção cotidiana, que se faz no micro das relações, nos espaços públicos e também no contexto geopolítico, permeando a família, as relações profissionais, escolares e entre as nações.
O edifício da paz, que ninguém há de destruir, como diz a música de Marielza, precisa ser uma luta das relações domésticas. Um olhar, uma palavra mal colocados, e se instala a guerra na família, nosso espaço de repouso e de fraternidade.
A paz no lar, no almoço de domingo onde visitamos os parentes, precisa ser uma busca. Claro, não pode ser a paz à custa do silêncio que oprime, mas não pode ser fruto da intolerância com as limitações do próximo que busca causar para chamar a atenção.
É possível encontrar o tom da paz na família. Basta o seu esforço, o meu esforço, ainda nas linhas da canção. Mas não é suficiente que haja paz na família, demandando paz também as relações em ambientes coletivos, como a escola e o trabalho.
Vivemos recentemente ataques as escolas por ex-alunos armados, remetendo a experiências vivenciadas tristemente e em maior frequência nos Estados Unidos, onde faz tempo, escolas e ambientes profissionais são objeto de ações violentas movidas pela vingança de ofendidos, demitidos ou mesmo pelos acometidos de problemas íntimos, que sobre essas estruturas derramam seu ódio.
Para essas situações surgiu no debate público a ideia de que a escola precisa de uma cultura de paz, que se traduz objetivamente em não transformar a escola em um ambiente de medo e de mais violência para combater a violência, e sim fomentar a paz pelas relações saudáveis, que fortaleçam os aspectos humanistas no ambiente escolar.
A paz aqui se faz com medidas concretas, de acolhimento, de diálogo, em que todos se respeitem mutuamente e que as diferenças sejam mediadas. A mesma lógica se aplica as empresas, hoje preocupadas com a saúde mental de seus empregados, esquecendo que as causas residem em um ambiente mais fraterno e menos adoecedor.
De todos os níveis para essa empreitada onde todos podem trabalhar, o aspecto geopolítico é o mais complexo. Ninguém ignora que na última década o espírito belicoso entre os países tem estado acentuado, com ameaças e gestos que sinalizam o ânimo de se fazer a guerra, que por vezes tem se materializado. Um cenário preocupante.
Aqui também podemos trabalhar, usando nossa voz para propagar que não importam os motivos da guerra, a paz é mais importante, parafraseando Roberto Carlos em sua música mais inspirada no movimento Hippie, que se levantou diante da longa guerra do Vietnã (1955-1975), no século passado.
Os Hippies, pacifistas, cidadãos estadunidenses, foram as ruas pela paz e pressionaram seus governantes para abreviar o conflito, o que se deu afinal. Aqueles heróis anônimos souberam construir a paz. Importante identificar nessa empreitada como podemos trabalhar pela paz. E não subestimemos nosso potencial.
A paz espera a nossa alegria de viver, a nossa esperança e a nossa certeza no vencer. Não pensemos que a interpretação da fala de Jesus de que não vim trazer a paz e sim a espada seja um convite para a violência. Falava o Cristo da quebra de paradigmas por trazer ele uma mensagem de amor ao próximo. Espíritas são amantes da paz, e temos nossa responsabilidade nessa empreitada de um mundo no qual a paz se faça presente mais concretamente.
Que tenhamos Paz na Terra, e para isso basta aos homens um pouco de boa vontade.
O consolador – Ano 18 – N 869 – Artigos