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Opiniões alheias

Autor: Irmão X (espírito)

As dificuldades de Dona Josefina Murta eram, indiscutivelmente, bem grandes. Entretanto, se a pobre senhora não encontrava disposição segura para atender às obrigações mediúnicas, é que vivia sempre sob impressões desagradáveis da sensibilidade enfermiça.

Logo que se lhe manifestaram os fenômenos de incorporação, procurou aderir, de boa vontade, à tarefa, mas não possuía bastante força para resistir às apreciações desfavoráveis.

– Josefina – disse-lhe, certa feita, o marido -, necessita você de melhor educação mediúnica. Deve compreender que o médium sensato pode melhorar o próprio ambiente, em qualquer reunião.

A esposa ouvia, contrafeita e retrucava:

– Não sei como fazer, Aparício. Nem tudo depende de nós.

– Isto não – tornava o companheiro, conselheiral -, a educação corrige qualquer defeito. As manifestações turbulentas, por seu intermédio, constituem verdadeiro desastre.

Josefina levava o lenço aos olhos para enxugar o pranto de nervosismo. E, abespinhada, entrava em rigoroso silencio.

Depois desse dia, quando voltou novamente à sessão semanal, o presidente da agremiação observou-lhe, em tom confidencial:

– Minha irmã: no instante da recepção de nossos amigos desencarnados, peço-lhe muita atenção. Não se entregue, de maneira absoluta, ao desequilíbrio de nossos irmãos sofredores e perturbados. Controle-se, quanto lhe for possível. Como sabemos, o médium não deve permanecer em extrema passividade. Ainda mesmo nos casos de sonambulismo puro, é imprescindível que o trabalhador sincero esteja vigilante. O tumulto nas sessões desorganiza o serviço espiritual. Espero me releve estas observações. É que me compete o dever de avisá-la em particular.

Dona Josefina, muito corada pela advertência ouvida, agradeceu em palavras entrecortadas de pranto.

Sentou-se, como de costume, à mesa da oração, sentindo-se envergonhada e ferida.

No momento das atividades mediúnicas, porém, absteve-se.

O demônio do medo iniciara a ofensiva. A medianeira das entidades espirituais mobilizou a resistência de que dispunha e permaneceu invulnerável. Terminada a reunião, respondeu às perguntas de Aparício, alegando que, naquela noite, não sentira a menor influenciação.

Longe, no entanto, de estudar os deveres legítimos que lhe cabiam à alma e sem qualquer propósito de desenvolver os valores da cultura e do sentimento, Josefina Murta deixava-se conduzir pela sensibilidade atormentada.

Guardava consigo muitas noções singulares de amor-próprio e cercava-se, na intimidade, de vigorosos preconceitos. Acima de tudo, agastavam-na profundamente qualquer observação que partissem dos outros.

Em razão do ocorrido, não mais se confiou ao trabalho de esclarecimento e consolação das entidades sofredoras.

Continuando, porém, a frequentar o núcleo espiritista – não só porque o esposo ali recebia valiosa contribuição à saúde, como também por que os seus orientadores invisíveis insistiam pela sua adaptação à tarefa -, certa noite, depois de proveitosa reunião, chamou-a o direto da casa, sentenciando:

– Dona Josefina, creio que a senhora está reagindo mais do que deve. Lembre sua missão na mediunidade. Em tal serviço, o instrumento não pode entregar-se, de todo, aos Espíritos imperfeitos que nos visitam, mas também não deve negar-se ao trabalho, mantendo-se em extrema atitude de reação. Dê curso à sua tarefa. Não se descuide. Recorde, sobretudo, que o nosso tempo é muito curto na Terra.

A interpelada agradeceu e, na reunião imediata, retomou os afazeres medianímicos. Procurou desenvolver sobre si própria o controle possível.Comunicou-se, através dela, na primeira noite de retorno ao esforço psíquico, uma entidade bem-intencionada, mas em grande perturbação, conversando longamente.

Encerrados os serviços, o Sr. Carvalho Serra esclareceu, irrefletidamente, dirigindo-se à esposa de Aparício:

– Desculpe-me, Dona Josefina, mas na condição de amigo sincero de suas faculdades, cabe-me dizer-lhe que o comunicante desta noite é um grande mistificador. Notei que o patife soube fingir como ninguém. Gesticulou estudadamente e exprimiu-se com indisfarçado fingimento.

A médium registrou um choque doloroso. Ferida no fundo dalma, começou a chorar, convulsivamente.

Dominada pelas impressões alheias, abandonou a mediunidade falante e tentou a psicografia.

A princípio, movimentava-se-lhe a mão direita, sem rumo exato, traçando sinais ilegíveis.

O orientador do núcleo, na décima noite de experimentação, endereçou-lhe a palavra amiga:

– Dona Josefina, admito que a senhora deve fazer o possível para auxiliar as entidades que nos visitam. Repare que há dez semanas, precisamente, a senhora apenas recebe garatujas. Suponho que se utilize a intuição, mostrando-se mais receptiva, tudo andaria pelo lado melhor.

A esposa de Aparício orou, pediu o socorro de Jesus e, auxiliada por generosos amigos da espiritualidade, psicografou extensa mensagem na sessão seguinte.

Exultava de contentamento e elevava ardentes agradecimentos a Jesus, quando o diretor da casa tomou as páginas para a leitura em alta voz.

Tratava-se de peça edificante, moldada em princípios evangélicos, exortando os companheiros ao serviço do bem, com humildade e fé. Assinava a pequena epistola devotado mensageiro invisível, da equipe de assistência ao grupo.

Ninguém, todavia, percebeu a essência educativa e consoladora da mensagem. Todos anotavam, antes de tudo, a forma verbalista e o mentor do núcleo se detinha, a cada trecho, para analisar a letra, a ortografia e a construção fraseológica. Finda a leitura, comentou, impiedoso, em tom grave:

– Infelizmente, estas páginas não podem ser do emissário que supostamente as subscreve. O português apresenta numerosas falhas. Aliás, é preciso observar que a nossa irmã Josefina permanece ainda em treinamento mediúnico e semelhantes mistificações são naturais e necessárias.

A pobre dama prorrompeu em soluços, novamente desalentada.

Acalmou-a carinhosamente o esposo:

– Não há razão para tantas lagrimas – disse -, resigne-se querida! Continuemos devotados ao serviço de nossa fé. Dentro de algum tempo, estará você convenientemente preparada e feliz. Não chore assim. Ergamos nossa coragem.

Dona Josefina, no entanto, não conseguiu sofrear o enorme desânimo. Em sua sensibilidade ferida, julgava-se ao desamparo, sem apoio, sem incentivo. Devia, a seu ver, afastar-se dos labores doutrinários para sempre; tantos espinhos a defrontavam na estrada e tantas advertências ouvia, que deliberou interromper o desenvolvimento de ordem psíquica.

Prosseguiu frequentando invariavelmente o núcleo, em companhia do esposo, mas tornou-se intencionalmente impassível. Sentia a presença dos desencarnados, ouvia-lhes os apelos; contudo, negava-se agora a qualquer colaboração nas atividades de intercambio. A sua mãezinha, que desde muito lhe antecedera os passos ao além-túmulo, implorava-lhe atenção para com os deveres assumidos, destacando a necessidade de paciência e buscando curar-lhe as chagas da sensibilidade doentia. Josefina, porém, fizera-se igualmente surda aos apelos maternos. Afirmava-se cansada de fracassos e desilusões. E, longe de refletir na extensão dos bens que poderia espalhar, intoxicava-se com as migalhas de ignorância que o mundo lhe atirava ao campo de serviço redentor. Declarando-se extremamente ofendida, resistiu a todas as solicitações do esposo e dos mais sinceros amigos.

Trinta anos correram céleres sobre a sua atitude de retraimento e negação, até que a morte lhe requisitou, de novo, o corpo físico.

Num misto de aflição e esperança, entregou-se ao grande transe. Com inexprimível assombro, porém, verificou, à última hora, que sua abnegada mãe se mantinha, em pranto, junto ao leito mortuário…

Preocupada e receosa, desligou-se do veículo carnal com dificuldade inexprimível e, exausta, abraçou-se à genitora, exclamando, por fim:

– Minha mãe, minha mãe, por que choras? Não é a morte a vida eterna? Não estaremos juntas para sempre?

– Ah! Minha filha – redarguiu a benfeitora, lacrimosa -, venho acariciar-te no limiar da nova vida; entretanto, não te retiraras ainda do mundo!… Não cumpriste a tarefa, junto à família espiritual que o Senhor te confiou…

– Que dizes? – perguntou Josefina, aterrada.

– Reporto-me ao teu grupo doutrinário, querida filha! O Mestre não nos reúne uns ao outros casualmente. Em cada situação da vida, há um dever mais alto que é necessário cumprir. E agora terás duplicada luta pela ausência do corpo terrestre!…

– Mas, minha mãe – tornou a desencarnada -, não cumpri os meus deveres de esposa, não me dediquei ao marido até ao fim?

A prestimosa mensageira fixou um gesto triste e acentuou:

– Em semelhante setor do aperfeiçoamento, és a obreira plenamente aprovada. No entanto, esqueceste as tuas obrigações de irmã, porque, em verdade, não vieste ao mundo para te embaraçares nas opiniões alheias, e, sim, para realizar a vontade do Senhor, em ti mesma, no serviço aos semelhantes.

Nota

O conto acima, psicografado por Francisco Cândido Xavier, faz parte do livro Contos Desta e Doutra Vida.

Obra completa: https://www.febeditora.com.br/pontos-e-contos

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