fbpx

Os médiuns inertes

Revista Espírita, outubro de 1859

Entre as questões importantes que se prendem à ciência Espírita, a do papel dos médiuns foi mais de uma vez controvertida O senhor Brasseur, diretor do Centro industrial, desenvolveu, a esse respeito, ideias particulares numa série de artigos muito bem redigidos, no Moniteur de Ia toilette (1), ((1)Journal dês salons. – Modas. – Literatura. – Teatros. Rua do Echiquier, 15.) e notadamente no número do mês de agosto último, do qual tomamos as passagens que citamos mais adiante. Ele nos honra pedindo a nossa opinião; dar-lhe-emos com toda sinceridade, sem pretender que a nossa opinião faça lei.

Deixamos nossos leitores e os observadores juízes da questão. Não teremos, de resto, senão que resumir o que dissemos em muitas ocasiões sobre esse assunto, que já tratamos com muito mais desenvolvimento do que poderíamos fazê-lo aqui, não podendo repetir o que se encontra nos diversos escritos.

Eis as passagens principais de um dos artigos do senhor Brasseur, seguidas de nossas respostas:

“O que é um médium? O médium é ativo ou passivo? Tais são as questões postas tendo em vista esclarecer um assunto que preocupa vivamente as pessoas desejosas de se instruírem sobre as coisas do outro mundo, e, consequentemente, de suas relações com este.

“No dia 18 de maio último, dirigi ao senhor presidente da Sociedade Espírita uma nota intitulada: Do médium e dos Espíritos, e depois então, pelo dia 15 de julho, o senhor Allan Kardec publicou um novo livro sob o título: O que é o Espiritismo? Abrindo-o, acreditava nele encontrar uma resposta categórica, mas em vão. O autor persiste em seus erros: “Os médiuns (diz ele, página 75) são AS PESSOAS aptas a receberem, de um modo patente, a impressão dos Espíritos, e a servirem de INTERMEDIÁRIAS entre o mundo visível e o mundo invisível.”

A obra citada não é um curso de Espiritismo; é uma exposição sumária dos princípios da ciência para uso das pessoas que desejam dela adquirirem as primeiras noções, não podendo, num quadro tão restrito e com fim especial, entrar o exame da questão de detalhes e das diversas opiniões. Quanto à definição que damos dos médiuns, ela nos parece perfeitamente clara, e é por essa definição que respondemos à pergunta do senhor Brasseur O que é um médium? E possível que ela não responda à sua opinião pessoal; mas, quanto a nós, até o presente, não temos nenhuma razão para modificá-la.

“O senhor Allan Kardec não reconhece o médium inerte. Ele fala muito de caixas, papelão ou pranchetas, mas ele não vê (página 62) senão “os apêndices da mão, cuja inutilidade teria sido reconhecida…”

“Entendamo-nos.”

“Segundo vós, o médium é um intermediário entre o mundo visível e o mundo invisível; mas, é absolutamente necessário que esse intermediário seja uma pessoa? Não basta que o invisível tenha a sua disposição um instrumento qualquer para se manifestar a nós?”

A isso responderemos decididamente: Não, não basta que o invisível tenha à sua disposição um instrumento qualquer para se manifestar, porque ele necessita do concurso fluídico de uma pessoa, e é essa pessoa que, para nós, é o verdadeiro médium. Se bastasse ao Espírito ter à sua disposição um instrumento qualquer, ver-se-iam cestas ou pranchetas escreverem sozinhas, o que jamais se viu. A escrita direta, que é o fato, em aparência, mais independente de toda cooperação, ela mesma não se produz senão sob a influência de médiuns dotados de uma aptidão especial. Uma consideração poderosa vem corroborar a nossa opinião. Segundo o senhor Brasseur, o instrumento é a coisa principal, a pessoa é acessória; segundo nós, é tudo ao contrário. Se fora de outro modo, por que as pranchetas não caminhariam com o primeiro que chegasse? Portanto, se é necessário, para fazê-la caminhar, estar dotado de uma aptidão especial, é porque o papel da pessoa não é puramente passivo. Por isso, essa pessoa para nós, é o verdadeiro médium; o instrumento não é, como dissemos, senão um apêndice da mão do qual se pode abster e isso é tão verdadeiro, que toda pessoa que escreve com uma prancheta pode escrever diretamente com a mão, sem prancheta e mesmo sem lápis, uma vez que pode traçar os caracteres com o dedo, ao passo que a prancheta não escreve sem a pessoa. De resto, todas as variedades de médiuns, assim como seu papel ativo ou passivo, estão amplamente desenvolvidas na nossa Instrução prática sobre as manifestações.

“A alma separada da matéria, pela dissolução do corpo, não tem mais nenhum elemento físico da humanidade.”

E o perispírito, que fizestes dele? O perispírito é o laço que une a alma ao corpo, o envoltório semi-material que ela possui durante a vida, e que conserva depois da morte: é sob esse envoltório que ela se mostra nas aparições, e esse envoltório é tão bem uma matéria, embora etérea, que ele pode adquirir as propriedades da tangibilidade.

“Tomando o lápis diretamente, tem-se notado que a pessoa mistura os seus sentimentos e as suas ideias com as ideias e os sentimentos do invisível, de sorte que, assim, não dão senão comunicações moderadas; ao passo que empregando caixas, cartões e pranchetas, sob a mão de duas pessoas em conjunto, essas pessoas permanecem absolutamente estranhas às manifestações, que é, então, unicamente a do invisível: é por isso que eu declaro este último meio superior e preferível ao da Sociedade Espírita.”

Essa opinião poderia ser verdadeira, se não estivesse contraditada pelos milhares de fatos observados, seja na Sociedade Parisiense de Estudos Espíritas, seja alhures, e que provam, até a evidência mais patente, que os médiuns animados, mesmo intuitivos, e com mais forte razão os médiuns mecânicos, podem ser instrumentos absolutamente passivos e gozarem da mais completa independência de pensamentos. No médium mecânico, o Espírito atua sobre a mão, que recebe um impulso inteiramente involuntário e desempenha o papel do que o senhor Brasseur chama médium inerte, quer esteja só ou armada de um lápis, ou apoiada sobre um objeto móvel munido de um lápis.

No médium intuitivo, o Espírito atua sobre o cérebro, que transmite, pela corrente do sistema nervoso, o movimento ao braço, e assim por diante. O médium mecânico escreve sem ter a menor consciência daquilo que produziu: o ato precede ao pensamento; no médium intuitivo, o pensamento acompanha o ato, e mesmo, algumas vezes, o precede: é então o pensamento do Espírito que atravessa o pensamento do médium; e se, algumas vezes, eles parecem se confundir, sua independência não é menos manifesta quando, por exemplo, o médium escreve, mesmo por intuição, coisas que ele não PODE SABER, ou inteiramente contrárias às suas ideias, à sua maneira de ver, às suas próprias convicções: em uma palavra, quando ele pensa branco e escreve preto. Há, por outro lado, tantos fatos espontâneos e imprevistos que a dúvida não é permitida a quem foi capaz de observar. O papel do médium é aqui o de um intérprete que recebe um pensamento estranho, que o transmite, que deve compreendê-lo para transmiti-lo, e que, todavia, não o assimila É assim que isso se passa nos médiuns falantes que recebem o impulso sobre os órgãos da palavra, como outros o recebem no braço ou na mão, e ainda nos médiuns audientes que ouvem claramente uma voz que lhes fala e lhes dita o que devem escrever. E que direis dos médiuns videntes, aos quais os Espíritos se mostram sob a forma que tinham durante a vida, que eles veem circular ao nosso redor, irem e virem como a multidão que temos sob os olhos? E os médiuns impressivos que sentem os toques ocultos, a impressão de dedos, mesmo de unhas, que marcam na pele e deixam um vestígio? É este o fato de um ser que nada mais tem da matéria? E os médiuns de dupla vista que, perfeitamente despertos, e em pleno dia, veem claramente o que se passa à distância? Não é uma faculdade própria, um gênero de mediunidade? A mediunidade é a faculdade dos médiuns; os médiuns são as pessoas acessíveis à influência dos Espíritos, e que podem lhes servir de intermediárias. Tal é a definição que se encontra no pequeno Dictionnaire dês Dictionnaires français abrégé, de Napoléon Landais, e até o presente ela nos parece dar exatamente a idéia.

Não contestamos a utilidade dos instrumentos que o senhor Brasseur designa sob o nome de médiuns inertes, nome que está perfeitamente livre para dar-lhes, se julga útil fazer-lhes uma distinção; eles têm, incontestavelmente, uma vantagem para as pessoas que nada viram ainda; mas como a Sociedade Parisiense de Estudos Espíritas não se compõe de pessoas que nisso estejam no início, cujas convicções estão formadas, e não faz nenhuma experiência tendo em vista satisfazer a curiosidade do público, que ela não convoca às suas sessões, a fim de não ser perturbada em suas pesquisas e em suas observações, esses meios primitivos não lhe ensinariam nada de novo; é por isso que ela emprega meios mais rápidos, uma vez que ela tem uma experiência bastante grande da coisa para saber perfeitamente distinguir a natureza das comunicações que recebe.

Não seguiremos o senhor Brasseur em todos os raciocínios, sobre os quais apoia a sua teoria. Temeríamos enfraquecê-los truncando-os e, na impossibilidade de reproduzi-los integralmente, preferimos enviar aqueles dos nossos leitores que quiserem dele tomar conhecimento, ao jornal que ele redige, com um incontestável talento, e no qual se encontrarão, sobre o mesmo assunto, artigos do senhor Jules de Neuville, muito bem escritos, mas que não têm senão um erro aos nossos olhos, o de não estarem precedidos de um estudo suficientemente aprofundado da matéria, sem o que há muitas perguntas que ele julgaria supérfluas. Em resumo, nós persistimos, de acordo nisso com a Sociedade Espírita, em considerar as pessoas como os verdadeiros médiuns, que podem ser ativos ou passivos, segundo a sua natureza e a sua aptidão; chamamos, querendo-se, os instrumentos de médiuns inertes, é uma distinção talvez útil, mas se estaria em erro atribuindo-lhe o papel e as propriedades de seres animados nas comunicações inteligentes; dizemos inteligentes, porque é necessário ainda fazer a distinção de certas manifestações espontâneas puramente físicas. É um assunto que temos tratado amplamente na Revista.

spot_img