Autor: José Passini
“Encarnando, com o objetivo de se aperfeiçoar, o Espírito, durante esse período, é mais acessível às impressões que recebe, capazes de lhe auxiliarem o adiantamento, para o que devem contribuir aqueles incumbidos de educá-lo.” (O L.E., 383)
A visão que se tem da criança pela ótica espírita difere fundamentalmente da que é sustentada pelas doutrinas que pregam a unicidade da existência corpórea. Para essas correntes de pensamento religioso, a criança traz, ao nascer, apenas os ascendentes biológicos, que seriam herdados dos antepassados, próximos ou remotos. A concepção espírita difere, também, de outras doutrinas reencarnacionistas que consideram a volta do Espírito ao mundo material apenas com fins punitivos ou, quando muito, para o cumprimento de uma missão.
O Espiritismo não nega a reencarnação missionária, e ensina que aquilo que é visto como punição é apenas o funcionamento da lei de causa e efeito. Entretanto, vai além, ampliando a compreensão da própria vida, ao revelar o aspecto evolutivo da reencarnação.
Vista sob essa ótica, a criança é um Espírito imortal, detentor de imensa bagagemde experiências vivenciadas em outras épocas, herdeira de si mesma, que retorna à Terra a fim de adquirir novos conhecimentos e, principalmente, de reformular sua maneira de proceder, ajustando-a, tanto quanto possível, aos postulados do Evangelho de Jesus. Assim, aprendemos, no Espiritismo, que reencarnamos para prosseguirmos a nossa jornada evolutiva. Ao responderem a Kardec a respeito da utilidade de passar pelo estado de infância, os Espíritos Superiores atribuíram a responsabilidade da execução dos procedimentos educativos, não só aos pais, mas a todos aqueles que têm oportunidade de propiciar à criança ensinamentos e exemplos que a ajudem a adquirir novos conhecimentos e a reformular seu modo de proceder, ou seja, de reeducar-se através do esforço consciente, no sentido de exteriorizar sua luz, herança divina de que todos os Espíritos somos dotados, conforme ensinamento de Jesus (Mt, 5:16).
Escola de Evangelização: Posto Avançado do Mundo Espiritual
Dentre esses “incumbidos de educá-lo”, conforme expressão dos Espíritos, estamos nós, evangelizadores da infância, ligados a esses irmãos recém-chegados do Mundo Espiritual, não pelos laços da consanguinidade nem do parentesco físico, mas pelos mais sagrados elos da nobre tarefa que assumimos perante o Evangelizador Maior. Entendemos, assim, que fomos admitidos num trabalho que é continuação daquele iniciado no Mundo Espiritual, na preparação do Espírito para sua volta às lides terrenas. Ao considerarmos a Escola Espírita de Evangelização como um Posto Avançado do Mundo Espiritual, devemos meditar sobre a extensão e a responsabilidade da tarefa que nos é atribuída.
Conscientes dessa grave responsabilidade, qual seja a de iluminar consciências, urge que nos preparemos convenientemente através da oração sincera, da meditação serena, do estudo edificante, a fim de que nossa palavra, portadora de carga magnética gerada na convicção profunda, e não apenas na informação superficial, possa tocar os pequeninos, pois quem não está convencido do que diz raramente consegue convencer alguém. Como exemplo, é oportuna a lembrança das palavras do Benfeitor Alexandre, citadas no livro “Missionários da Luz”, à página 311: “O companheiro que ensina a virtude, vivendo-lhe a grandeza em si mesmo, tem o verbo carregado de magnetismo positivo, estabelecendo edificações espirituais nas almas que o ouvem. Sem essa característica, a doutrinação, quase sempre, é vã”. Desse modo, a palavra suave, embora firme, nos abrirá as portas do entendimento da criança, propiciando-nos oportunidade à semeadura das lições do Evangelho, agora explicado à luz da Doutrina Espírita.
Três preocupações importantes: o pensar, o sentir e o fazer
Devemos ter consciência de que a Escola Espírita de Evangelização – chamada afetivamente de “escolinha” – é, malgrado o pouco tempo de que dispomos para o convívio com a criança, apesar da incompreensão de muitos dirigentes de centros espíritas e das dificuldades materiais, a escola que mais esclarece no mundo, aquela mais propícia à implantação dos tempos novos, em face dos ensinamentos libertadores, capazes de levar o evangelizando a uma mudança de mentalidade, que o capacitará a colaborar efetivamente na implantação de uma sociedade mais justa, mais fraterna, dos tempos novos, conforme preconizam os Espíritos.
Importa seja lembrado também que o Espiritismo, ao trazer-nos de volta os ensinamentos de Jesus, na sua simplicidade, objetividade e pujança originais, tira-nos aquele sentimento místico do comparecimento ao templo – assim chamado casa de Deus – e nos revela o mundo como oficina da nossa vivência religiosa, portanto do nosso aperfeiçoamento. Tira-nos, também, outro referencial religioso, além do templo, qual seja a figura do sacerdote, do pastor, do guru.
Tendo isso em mente, devemos meditar sobre o que representamos para a criança, que nos observa efetivamente como referencial religioso, embora nos empenhemos em mostrar-lhe as figuras veneráveis que, através dos tempos, têm trazido suas contribuições para a iluminação da criatura humana, no que se destaca a figura maior de Jesus.
Assim pensando, devemos nos empenhar, com toda a força do nosso entendimento, no sentido de nos aprimorarmos cada vez mais para a execução do nosso trabalho junto à criança. Esse aprimoramento envolve três aspectos principais, que devem ocupar o primeiro plano das preocupações do evangelizador: o pensar, o sentir e o fazer.
Na casa espírita a Evangelização da Criança deve ter primazia
O pensar nos leva à reflexão, à conscientização plena do valor do nosso trabalho. Quando meditamos sobre nossa atuação no setor de evangelização infantil, devemos avaliar o nível do nosso comprometimento com a tarefa; que espaço ela ocupa em nossa mente; quantas horas por semana dedicamos ao preparo da mensagem que levaremos à criança, que espera de nós a orientação a fim de que caminhe com segurança neste mundo tão conturbado em que vivemos. Sem que nos julguemos grandes missionários ou Espíritos iluminados, é justo que tenhamos consciência da relevância e do valor da tarefa a que nos dispomos, ainda que a nossa turma de evangelizandos seja pequena, que seja “turma” de um só! E quando nos assalte dúvida a respeito da validade do nosso esforço, devemos nos lembrar de que no trabalho mediúnico de desobsessão – que deveria denominar-se “evangelização do desencarnado” – um grupo de várias pessoas se empenha, às vezes durante muito tempo, no encaminhamento de um único Espírito que trilha caminho equivocado, não raro por não ter sido evangelizado na infância.
Ao serem examinados os resultados das tarefas desenvolvidas nas instituições espíritas, fica evidente que a Evangelização da criança é a atividade mais importante, de vez que beneficia o Espírito desde a fase infantil, influenciando seu proceder, dando-lhe diretrizes que o ajudarão não só nesta sua passagem pela Terra, mas que servirão como farol a iluminar-lhe a consciência em sua vida de Espírito imortal. Por isso é que, embora reconhecendo o valor das outras tarefas desenvolvidas nos centros espíritas, chega-se facilmente à conclusão que a Evangelização da Criança deveria ter primazia, deveria ser atividade olhada com a maior responsabilidade por parte dos dirigentes das instituições espíritas, por ser a encaminhadora do Espírito, numa verdadeira continuação do trabalho iniciado no Mundo Espiritual, durante os preparativos para sua volta.
Todos temos em nós o amor, em estado de latência
É a consciência profunda do insubstituível valor da tarefa que nos deve alentar nos momentos de desânimo, quando a incompreensão dos dirigentes da casa onde trabalhamos, a falta de espaço físico, de material apropriado, a falta de cooperação dos próprios pais, as dificuldades com a criança, todas essas dificuldades quiserem nos tirar dessa seara bendita a que fomos convocados.
O Evangelizador deve empenhar-se, também, no desenvolvimento da sua capacidade de sentir. Todos temos em nós o amor, em estado de latência. Essa herança divina, que se revela através dos séculos sucessivos, pode ter sua exteriorização acelerada pelo esforço consciente da criatura. E o Evangelizador é desafiado ao esforço de amar, pois quem não ama não tem condição de suscitar nos pequeninos o desejo de amar. O pensar é muito importante, imprescindível mesmo. Mas o pensar sem o sentir pode levar-nos a uma postura muito fria, muito calculada que, embora matematicamente certa dentro dos parâmetros meramente pedagógicos, vistos do ângulo acadêmico, não se coaduna com o espírito do trabalho de evangelização, que deve primar pelo incentivo ao desenvolvimento das virtudes preconizadas pelo Evangelho.
Dentro dessa visão, o nosso fazer nos aponta o caminho do esforço na preparação das aulas, no que tange ao conteúdo a ser ministrado, ao material a ser usado, mas, principalmente, o caminho do esforço da preparação da nossa capacidade de sentir, de amar, iluminando-nos para que possamos iluminar consciências.
O consolador – Ano 8 – N 358 – Especial