Revista Espírita, setembro de 1859
A Pneumatografia é a escrita produzida diretamente pelo Espírito, sem nenhum intermediário; ela difere da Psicografia no fato de que esta é a transmissão do pensamento do Espírito, por meio da escrita, pelas mãos de um médium. Demos essas duas palavras no Vocabulário Espírita colocado à entrada de nossa Instrução prática, com a indicação de sua diferença etimológica. Psicografia, do grego psuikê, borboleta, alma, e graphó, eu escrevo; pneumatografia, de pneuma, ar, sopro, vento, espírito. No médium escrevente, a mão é o instrumento; mas sua alma, ou Espírito encarnado nele, é o intermediário, o agente ou o intérprete do Espírito estranho que se comunica; na Pneumatografia, é o próprio Espírito estranho que escreve diretamente, sem intermediário.
O fenômeno da escrita direta, sem contradita, é um dos mais extraordinários do Espiritismo, por anormal que pareça à primeira vista, é hoje um fato averiguado e incontestável; se dele ainda não falamos, foi porque esperávamos poder dar-lhe a explicação, e nós mesmos podermos fazer todas as observações necessárias, para tratar a questão com conhecimento de causa. Se a teoria é necessária, para dar-se conta da possibilidade dos fenômenos espíritas em geral, ela o é mais ainda, talvez, neste caso, sem contradita, um dos mais estranhos que se apresentara, mas que deixa de ser sobrenatural desde que se lhe compreenda o princípio. À primeira revelação desse fenômeno, o sentimento dominante foi o de dúvida; a ideia de uma fraude veio logo ao pensamento; com efeito, todo o mundo conhecia a ação das tintas, ditas simpáticas, cujos traços, de início completamente invisíveis, apareciam ao cabo de algum tempo. Poderia, portanto, ocorrer que se abusasse da credulidade, e nós não afirmaremos que jamais se haja feito; estamos mesmo convencidos de que certas pessoas, não com um objetivo mercenário, mas unicamente por amor-próprio e para fazer crer em seu poder, empregaram subterfúgios.
J.J. Rousseau narra o fato seguinte na terceira das cartas escritas da Montagne: “Eu vi em Veneza, em 1743, um modo de sorte bastante novo, e mais estranho que os de Prèneste; aquele que queria consultá-las, entrava num quarto, e aí permanecia, só se o desejasse.
Ali, de um livro cheio de folhas brancas, dele tirava uma à sua escolha; depois, segurando nessa folha, ele pedia não em voz alta, mas mentalmente, o que queria saber; em seguida, ele dobrava a folha branca, a envelopava, escondia-a, colocava-a em um livro também oculto; enfim, depois de recitar certas fórmulas, muito barrocas, sem perder seu livro de vista, ia tirar-lhe o papel, reconhecer a marca, abri-lo, e encontrar sua resposta escrita.
“O mágico que fazia essas sortes era o primeiro secretário da embaixada de França, e ele se chamava J.J. Rousseau.”
Duvidamos que Rousseau haja conhecido a escrita direta, de outro modo saberia muitas outras coisas com respeito às manifestações espíritas, e não teria tratado a questão tão levianamente; é provável, como ele mesmo reconheceu quando o interrogamos sobre esse fato, que empregou um procedimento que lhe ensinara um charlatão italiano.
Mas pelo fato de que se pode imitar uma coisa, seria absurdo disso concluir que a coisa não existe. Não se encontrou, nos últimos tempos, um meio de imitar a lucidez sonambúlica ao ponto de iludir? E do fato que esse procedimento de saltimbanco correu todas as feiras, é necessário concluir que não haja verdadeiros sonâmbulos? Por que certos mercadores vendem vinho adulterado, isso é uma razão para que não haja vinho puro? Ocorre o mesmo com a escrita direta; as precauções para se assegurar da realidade do fato sendo, aliás, bem simples e bem fáceis e, graças a essas precauções, não se pode hoje objetar-lhe nenhuma dúvida.
Uma vez que a possibilidade de escrever sem intermediário é um dos atributos do Espírito, que os Espíritos existiram de todos os tempos, e de todos os tempos, também, produziram os diversos fenômenos que conhecemos, igualmente deveram produzir a escrita direta, na antiguidade tão bem quanto em nossos dias; assim é que se pode explicar a aparição de três palavras na sala do festim de Baltazar. A Idade Média, tão fecunda em prodígios ocultos, mas que foram abafados sob as fogueiras, deveu conhecer também a escrita direta, e talvez encontrou, na teoria das modificações que os Espíritos podem operar sobre a matéria, e que reportamos no nosso artigo precedente, o princípio da transmutação dos metais; é um ponto que trataremos algum dia.
Um de nossos assinantes dizia-nos recentemente que um de seus tios, cônego, que fora missionário no Paraguai durante muitos anos obtida, por volta do ano de 1800, a escrita direta conjuntamente com seu amigo, o célebre abade Faria. Seu procedimento, que nosso assinante jamais conheceu bem, e que, de alguma sorte, havia surpreendido furtivamente, consistia numa série de anéis suspensos, aos quais eram adaptados os lápis verticais, cuja ponta repousava sobre o papel. Esse procedimento ressente-se da infância da arte; fizemos progressos depois. Quaisquer que sejam os resultados obtidos em diversas épocas, não foi senão depois da vulgarização das manifestações espíritas, que é seriamente considerada a questão da escrita direta. O primeiro que parece tê-la feito conhecer em Paris, nos últimos anos, foi o senhor barão de Guldenstubbe, que publicou sobre esse assunto uma obra muito interessante, contendo um grande número de fac símiles de escritas que obteve (1). ((1) A realidade dos Espíritos e de suas manifestações, demonstrada pelo fenômeno da escrita direta. Pelo senhor barão de Guldenstubbe; 1 vol. – in 8, com 15 pranchas e 93 fac-similes. Preço 8 fr. casa Frank, Rua Richelieu. Encontra-se também na casa Dentu e Ledoyen.) O fenômeno já era conhecido na América há algum tempo. A posição social do senhor de Guldenstubbe, sua independência, a consideração que gozava no mundo mais elevado, afastam incontestavelmente toda suspeição de fraude voluntária, porque ele não pôde mover-se por algum motivo de interesse. Poder-se-ia, quando muito, crer que ele mesmo era o joguete de uma ilusão; mas a isso um fato responde peremptoriamente, que é a obtenção do mesmo fenômeno por outras pessoas, cercando-se de todas as precauções necessárias para evitar toda a fraude e toda causa de erro.
A escrita direta se obtém, como em geral a maioria das manifestações espíritas não espontâneas, pelo recolhimento, a prece e a evocação. Ela tem sido obtida, frequentemente, nas igrejas, sobre os túmulos, ao pé das estátuas ou de imagens de personagens que são chamadas; mas é evidente que a localidade não tem outra influência senão a de provocar o maior recolhimento, e a maior concentração do pensamento; porque está provado que são obtidas, igualmente, sem esses acessórios, e nos lugares mais vulgares, sobre um simples móvel doméstico, encontrando-se nas condições morais desejadas, e se lhe une a faculdade medianímica necessária
No princípio, pretendia-se que era necessário depositar um lápis com o papel; os fatos, então, podiam se explicar até um certo ponto. Sabe-se que os Espíritos operam o movimento e o deslocamento de objetos; que eles os tomam e os lançam, algumas vezes, no espaço; poderiam, pois, muito bem tomar o lápis e dele se servirem para traçarem caracteres; uma vez que lhe dão o impulso por intermédio da mão do médium, de uma prancheta etc., poderiam igualmente fazê-lo de um modo direto. Mas não se tardou a reconhecer que a presença do lápis não era necessária, e que bastava um pedaço de papel, dobrado ou não, sobre o qual se encontram, depois de alguns minutos, caracteres traçados. Aqui o fenômeno muda completamente de face e nos lança numa ordem de coisas inteiramente novas; esses caracteres foram traçados com uma substância qualquer; do momento, que não se forneceu essa substância ao Espírito, ele a fez, portanto, ele mesmo a criou; onde a hauriu? Aí estava o problema. O senhor general russo, conde de B…, mostrou-nos uma estrofe de dez versos alemães que obteve desse modo, por intermédio da irmã do barão de Guldenstubbe, colocando muito simplesmente uma folha de papel, destacada de sua própria caderneta, sob o pedestal da pêndula da chaminé. Tendo-o retirado, ao cabo de alguns minutos, encontrou esses versos em caracteres tipográficos alemães bastante finos e de uma perfeita pureza. Por intermédio de um médium escrevente, o Espírito disse-lhe para queimar esse papel; como ele hesitou, lamentando sacrificar esse precioso espécime, o Espírito acrescentou:
Nada tema, dar-te-ei um outro. Com esta segurança, ele lançou o papel ao fogo, depois colocou uma segunda folha igualmente tirada de sua caderneta, sobre a qual os versos se acharam reproduzidos exatamente do mesmo modo. Foi esta segunda edição, que vimos e examinamos com o maior cuidado, e, coisa bizarra, os caracteres apresentavam um relevo como se eles saíssem da imprensa. Não é, pois, somente com lápis que os Espíritos podem fazer, mas com tinta e caracteres de imprensa.
Um dos nossos honoráveis colegas da Sociedade, o senhor Didier, obteve estes dias os resultados seguintes, que nós mesmos constatamos, e dos quais podemos garantir a perfeita autenticidade. Tendo ido, com a senhora Hüet, que há pouco teve êxito em ensaios desse gênero, na igreja de Notre-Dame dês Victoires, tomou uma folha de papel de carta trazendo o cabeçalho de sua casa de comércio, dobrou em quatro e a depositou sobre os degraus de um altar, pedindo em nome de Deus a um bom Espírito qualquer que quisesse escrever alguma coisa; ao cabo de dez minutos de recolhimento, encontrou, no interior e sobre uma das folhas a palavra fé, e sobre uma outra folha a palavra Deus.
Tendo em seguida pedido ao Espírito consentir dizer por quem isso fora escrito, ele recolocou o papel, e depois de dez outros minutos, encontrou estas palavras: por Fénelon.
Oito dias mais tarde, em 12 de julho, ele quis renovar a experiência e foi, para esse efeito, ao Louvre na sala Coyzevox, situada sob o pavilhão do relógio. Sobre o pé do busto de Bossuet colocou uma folha de papel de carta dobrada como da primeira vez, mas não obteve nada. Um jovem de cinco anos acompanhava-o, e depositou-se o boné do menino sobre o pedestal da estátua de Luís XIV, que se encontra a alguns passos. Crendo a experiência falha, dispôsse a retirar, quando pegando o boné encontrou embaixo, e como escrito a lápis sobre o mármore, as palavras amai-Deus, acompanhadas da letra B.
O primeiro pensamento dos assistentes foi que estas palavras poderiam ter sido escritas anteriormente por uma mão estranha, e que nelas não havia nada de notável; não obstante, quis-se tentar a prova, colocou-se a folha dobrada sobre essas palavras, e o todo foi recoberto pelo boné. Ao cabo de alguns minutos, encontraram-se sobre uma das folhas estas três letras: a / m; recolocado o papel com o pedido de aperfeiçoar, obteve-se Amai-a-Deus, quer dizer o que fora escrito no mármore, menos o B. Ficou evidente, depois disso, que as primeiras palavras traçadas deveriam-se à escrita direta. Disso ressaltou o fato curioso que as letras foram traçadas sucessivamente e não de um só golpe e que quando da primeira inspeção as palavras não tiveram tempo para serem acabadas. Saindo do Louvre, o senhor D… foi para Saint-Germain Tauxerrois onde obteve, pelo mesmo procedimento, as palavras: Sede humildes. Fénelon, escritas de um modo muito nítido e muito legível. Ainda se podem ver as palavras acima escritas sobre o mármore da estátua da qual acabamos de falar.
A substância, das quais esses caracteres estão formados, tem toda a aparência do grafite, e se apaga facilmente com a borracha; examinamo-la ao microscópio, e constatamos que ela não está incorporada ao papel, mas simplesmente depositada sobre a superfície, de modo irregular, sobre as asperezas, formando arborescências bastante semelhantes às de certas cristalizações. A parte apagada pela borracha deixa perceber camadas de matéria negra introduzidas nas pequenas cavidades das rugosidades do papel.
Destacadas estas camadas, e erguidas com cuidado, são a própria matéria que se produziu durante a operação. Lamentamos que a pequena quantidade recolhida não nos haja permitido fazer-lhe a análise química; mas não nos desesperamos de a isso chegar um dia.
Querendo-se agora reportar-se ao nosso artigo precedente, encontrar-se-á nele a explicação completa desse fenômeno. Nesse escrito, o Espírito não se serve de nossas substâncias, nem de nossos instrumentos; ele mesmo criou as substâncias e os instrumentos de que teve necessidade, tirando esses materiais do elemento primitivo universal ao qual fez sofrer, por sua vontade, as modificações necessárias ao efeito que quis produzir. Pode, portanto, tão bem fazer a tinta de impressão ou a tinta comum do lápis, até mesmo caracteres tipográficos bastante resistentes para dar um relevo à impressão.
Tal é o resultado ao qual nos conduziu o fenômeno da tabaqueira, reportado no nosso artigo precedente, e sobre o qual nos estendemos longamente, porque vimos aí a ocasião de sondar umas das leis mais importantes do Espiritismo, lei cujo conhecimento pode esclarecer mais de um mistério, mesmo do mundo visível. Foi assim que, de um fato vulgar em aparência, pôde jorrar a luz; tudo é observar com cuidado, e isso cada um pode fazer, como nós, quando não se limitar a ver efeitos sem procurar-lhes as causas. Se nossa fé se afirma, dia a dia, é porque compreendemos; fazei, pois, compreender, se desejais fazer prosélitos sérios. A inteligência das causas tem um outro resultado, que é o de traçar uma linha de demarcação entre a verdade e a superstição.
Se considerarmos a escrita direta do ponto de vista das vantagens que ela pode oferecer, diremos que, até o presente, sua principal utilidade foi a constatação material de um fato importante: a intervenção de uma força oculta que encontra aí um novo meio de se manifestar. Mas as comunicações assim obtidas raramente são de alguma extensão; geralmente são espontâneas e limitadas a palavras, sentenças, frequentemente sinais ininteligíveis; foram obtidas em todas as línguas, em grego, em latim, em siríaco, em caracteres hiéroglifos etc., mas ainda não se prestam a essas conversas seguidas e rápidas que permitem a psicografia ou escrita pelos médiuns.