fbpx

A jovem de riso triste

Autor: Altamirando Carneiro

Castro Alves, através da psicografia de Jorge Rizzini, ditou uma poesia à Terra, intitulada: “Prostituição”, onde aborda o problema de forma bastante humana, denominando a moça que é forçada a prostituir-se de “jovem de riso triste”. A referida poesia está inserida no livro Sexo e Verdade,  com poemas ditados por Castro Alves, Guerra Junqueiro e Casemiro de Abreu, edição da Editora Espírita Correio Fraterno. O livro que temos em mãos é de setembro de 1988, 4ª. Edição.

Inicialmente, Castro Alves fala sobre a prostituição através dos tempos:

“Ó jovem de riso triste,

Entregue à prostituição,

Teu drama tem mil raízes,

Que antecedem a Platão…

Já na História Religiosa,

Tu surges, voluptuosa,

Frente aos deuses de granito…

Desde o culto de Astarté,

Tu bailavas nua, até,

Na Fenícia e lá no Egito!

Na Índia – o culto do Falo,

De Siva – o deus dos dois sexos,

Nos grandes ritos eróticos

Deixavas deuses perplexos…

Na imensa Mesopotâmia,

Rolavas na mesma infâmia,

Em tempos de Babilônia!

Estás no culto a Milita…

E nos ritos de Afrodita,

Deusa lúbrica da insônia!

Também nos templos de Baco,

E outros deuses imorais,

Mercúrio, Vênus ou Lesbos,

Dançavas nas saturnais!

Eras então a deidade

Da eterna fecundidade…

A prostituta sagrada!

Alugavas os teus dotes

Por ordem dos sacerdotes,

Nos templos, não na calçada!

Depois os cínicos bonzos,

De um modo um tanto poltrão,

Mandaram fosses às ruas

Fazer a prostituição…

E as casas de tolerância

São erguidas com abundância

No vasto Império de Roma!

Mulher, prazeres, bebida!

Eis a bandeira da Vida

A ruína de Sodoma…”

Veja o leitor que a mulher foi praticamente jogada na prostituição. Isto é: não foi ela que se fez prostituta. Fizeram-na.

As estrofes seguintes são mais contundentes:

“E as moças de pele branca

São vendidas no mercado;

Todas menores de idade,

Como rebanhos de gado!

Muitas são filhas de escravos,

As outras, de pais ignavos;

Enchem-se mil lupanares!

Surge Calígula, então,

E explora a prostituição

Com taxas bem singulares!

Ó jovem de riso triste,

Teu romance é bem complexo;

Vem de longe a grande rede,

Que explora os vícios do sexo!

Passa o tempo, ano após ano,

E cai o Império  Romano!

Estamos na Idade Média…

Sangrando em terríveis noites,

Terás torturas e açoites

Em satânica tragédia!…”

O poeta faz referência à Lei de Causa e Efeito:

“E em caso de reincidência,

Terás a mutilação

Do nariz e das orelhas!

Eis a Lei de Repressão!

Fizeram-te de ti um rato

Fugindo às garras do gato

No esterqueiro medieval…

prisão – em meio ao excremento!

Açoite – ao invés de argumento!

Abuso – ao invés de Moral!”

O círculo vicioso continua:

“Mas o comércio não para?

Problema sem solução?

A fome enfrenta o pudor?

Aumenta a prostituição?

E o Governo, teu parceiro,

Enche os cofres de dinheiro,

Com o Ministro da Fazenda…

Não combate teu comércio,

Mas pagarás o sestércio!

Quer teu imposto de renda!”

O poeta fala da podridão da sociedade, da exploração de meninas e lança mais uma vez o seu olhar amoroso à jovem de riso triste:

“Alicerces estão podres

Da sociedade atual…

Tornou-se ridículo o Homem

Quando fala contra o Mal…

Olhai a culta Paris!

Exploram a meretriz

Mais de trezentos hotéis!

E há casas clandestinas

Que recebem só meninas!

Multiplicam-se os bordéis…”

A mão que afaga – como no dizer de Augusto dos Anjos, no soneto Versos Íntimos – é a mesma que apedreja:

“Ó jovem de riso triste,

Já enferma e sem ilusão,

Lamento ver-te a vagar

No lodo da perdição…

Nasceste em um ambiente

Pobre, cruel, negligente,

Onde faltava ternura…

E veio o primeiro engano!

Então, traçaste o teu plano!

Dinheiro! Amor!

Aventura!

Mas eras inda criança! E vivias na penúria…

Quem te trouxe às ruas, praças,

Não foi jamais a luxúria!

Não tinhas educação!

Não te deram profissão!

E o mundo a te cobiçar…

E hoje o mundo crítica,

O Brasil, a Martinica,

Quando vais pro lupanar!”

Como nos tempos de Jesus, os críticos ainda continuam. Como naqueles tempos, são os mesmos que procuram o leito da jovem de riso triste, na calada da noite:

“Mas muitos que te criticam,

Procuram teu leito imundo,

E dizem-te belas frases,

Como qualquer vagabundo…

Talvez o próprio Juiz

Procure uma meretriz

Nas horas mortas da noite…

E depois proclama as penas

Para as murchas açucenas:

Dá-lhes três dúzias de açoite!

“Pobre jovem de olhar triste,

Presa no mundo dos vícios,

Quantas de tuas amigas

Hoje dormem nos hospícios!

Exploram-nas vadios,

Homens com falta de brios,

Traficantes, jogadores!

Vida tranquila? – Quimeras,

Que nesse mundo de feras,

Há olhos aterradores!…”

Por fim, o poeta dá um conselho fraterno:

“Ó moças agrilhoadas

No duro viver malquisto,

Lembrai-vos de Madalena

Libertada pelo Cristo!

Há Espíritos burlescos

Envolvendo-vos, grotescos,

E o jogo não percebeis!

Que desça do Céu a Luz! Socorrei-vos de Jesus!

E honrai a Tábua das Leis!”

spot_img