Autor: Vladimir Alexei
Acompanhamos o movimento espírita brasileiro há mais de 20 anos. Nesse ínterim assistimos a muitas palestras e participamos de algumas. Com a internet, tem sido possível acompanhar expositores que se tornaram famosos pela qualidade de suas palestras, sejam em termos de conteúdo ou pela capacidade expositiva.
Para fazer exposição, palestra ou apresentação em público, o primeiro quesito é “querer”. Se há uma predisposição no indivíduo para falar em público, há uma grande chance desta habilidade ser desenvolvida naturalmente. Outros, porém, não gostam de falar em público, apesar de terem algum conhecimento doutrinário.
Outros mais, com profundos conhecimentos doutrinários, não eram muito afeitos a falar em público. É o caso do saudoso escritor e grande pesquisador espírita, Hermínio C. Miranda. Em 1995 ele participou do segundo Congresso Espírita promovido pela Federativa do Espírito Santo. Assim que assumiu o microfone ele disse algo parecido com: “lamento informar às senhoras e senhores que vocês não encontrarão nesta palestra o escritor” (ou algo parecido). A desenvoltura na fala era muito diferente da desenvoltura como escritor. Sua palestra foi excelente, porque era característica dos mais antigos escrever as palestras!
No exemplo do Hermínio C. Miranda, outro ponto importante surge. A preparação. Uma vez definido o tema e as referências bibliográficas sugeridas, é importante que o expositor construa sua palestra de acordo com o que foi anunciado. Palestrantes, na atualidade, no afã de tornarem suas palestras agradáveis, colocam títulos sugestivos e, quando começam o estudo, abordam quase tudo, contam piadas (compreensível e cabível, sim!), mas não constroem o estudo de acordo com o título proposto. É certo, porém, que o “recorte” da palestra é feito levando em consideração o conhecimento do expositor, inspiração para o tema e as dicas que as casas oferecem para a abordagem. Esse seria um terceiro ponto importante: metodologia.
É comum, por exemplo, pedirem para falar sobre “O problema do Ser, do Destino e da Dor”. Título de uma obra do Léon Denis. O objetivo será falar sobre a obra? Se sim, seria de bom tom que a Casa Espírita anunciasse dessa forma: a palestra é sobre a obra. Essa é uma abordagem. Outra abordagem pode ser falar sobre a interpretação que o expositor faz sobre a obra citada. Nesse caso, a abordagem fica totalmente a cargo do expositor. Isso pode ser bom, quando o expositor já fez e possui algum conhecimento aprofundado sobre a obra. Mas pode ser ruim também quando o expositor não domina o conteúdo e cria-se expectativa quanto à sua abordagem. Quem alimenta expectativa, no caso, é quem agenda a palestra. O que precisaria ser feito é sugerir a abordagem para o expositor, sem receios de melindres.
Outro ponto que cabe atenção é a coerência. O palestrante é uma pessoa comum, dotada de qualidades como todos. O que torna um expositor especial é o conteúdo que ele aborda. “Mas, se fosse assim, todos que falam sobre o Evangelho, seriam especiais!” A reflexão é pertinente porque a diferença está na coerência entre o que o expositor vive e aquilo que ele fala. Outro ponto que chama a atenção é a maneira de falar. Alguns expositores mudam a voz, fazem gestos e trejeitos tentando dar mais credibilidade àquilo que dizem, como se somente assim as pessoas sentissem o quão importante é o que estão abordando.
A Doutrina Espírita é racional. Muitos expositores confundem, porém, a racionalidade doutrinária com a sisudez. Na atualidade, um grande número de palestrantes, ao falarem sobre “Allan Kardec” ou o conteúdo de sua obra, tornam o estudo enfadonho. Por quê? Porque alguns expositores acreditam que a “pureza doutrinária” está em recitar textos, parágrafos, capítulos e livros de Kardec, quando, na realidade, a pureza é encontrada na aplicação do seu conteúdo, no uso que se faz daquilo que se aprende, estudando as obras de Kardec. A internet está repleta de palestras em que os expositores passam muito tempo lendo trechos de obras diversas, ao invés de expor suas interpretações sobre a obra. Evidentemente, existem momentos em que cabe uma abordagem assim. Quando? Quando o conteúdo a ser lido for diferente daquele habitualmente falado, quando for o cerne do estudo, quando o expositor deseja desdobrar os ensinamentos contidos naquele fragmento do texto e outras citações particulares. Não obstante a necessidade de preparação, alguns expositores exageram nas citações de “cor”, como se estivessem medindo conhecimento com o imaginário ou o inconsciente coletivo: “isso está no capítulo tal, versículo tal”, “questão x, y, z” e assim por diante. A segurança do conteúdo é transmitida pela forma como entendemos e não pela citação literal, ainda que a memória falhe no ato.
Com isso, os palestrantes que citam Kardec – e muitos só citam mesmo, abordam muito pouco o conteúdo da obra – criticam aqueles que usam tom mais leve e por isso cativante para com aqueles que ouvem e assistem. Nesse ponto, está, talvez, o aspecto mais importante para não se ter uma “palestra chata”: um estudo apresentado em forma de palestra não deve ser desenvolvido como se fosse apresentado apenas para o próprio expositor. Muitos estudos são chatos porque o palestrante fala como se todos gostassem da mesma forma que ele, como se todos fossem eruditos como ele. Ao assumir a tribuna, o expositor passa a ser um instrumento dos Espíritos. Imagine o trabalho que o expositor dá para os Espíritos quando cisma que a “pureza doutrinária” só é alcançada citando Kardec, fechando olhos e ouvidos para outros trabalhos que podem muito bem caminhar juntos, de mãos dadas com a obra de Kardec!
Mãos dadas, porque a Doutrina Espírita não se coloca acima de nenhuma outra. Mãos dadas, porque não está em disputa “quem é maior” – isso só existe na mente fechada de alguns expositores. O mais importante é levar essa abnegada Doutrina a outros corações que carecem de incentivo, assim como mostrar o quanto a Doutrina é atual e dialoga com outros campos do conhecimento, sem, porém, deixar de ser Doutrina Espírita. E quando citamos Doutrina Espírita, falamos no sentido puro da expressão, de acordo com os pilares construídos por Allan Kardec, a partir da revelação dos Espíritos Superiores.
Por fim, uma palestra se torna chata quando é feita apenas de “causos”, quando o expositor busca apenas concordâncias com sua fala, quando o expositor quer aparecer mais do que o conteúdo ministrado, quando o palestrante fala muito alto ou muito baixo, quando o estudo não é preparado adequadamente, quando o expositor não tem a sensibilidade necessária para dosar suas abordagens, quando o expositor se solta além do necessário, distraindo as pessoas e não descontraindo, quando o expositor quer ser o centro das atenções.
Por um movimento espírita mais leve, menos aleivoso, mais fraterno e com mais alegria de ser Espírita!
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