Autora: Cristina Sarraf
Palavra significativa de nosso tempo, “reciclar” implica em avaliação do que é útil e funcional que será conservado; do que se pode ser revisto e acertado para ser mantido e do que não tem mais condição de uso, perdeu função e razão de ser, devendo ser descartado.
Objetos nunca usados, enchendo gavetas, estão pedindo novos donos ou lixo, onde poderão virar até outra coisa, pela reciclagem. Eles são semelhantes à nossa mente, repleta de ideias, lembranças, posicionamentos, conhecimentos e crenças, que necessitam de revisão.
Já houve o tempo em que se pensava que ideias fossem coisas fixas. Nessa época, o ser humano caracterizava-se pela rigidez ideológica e de costumes. Acreditava-se que os pensamentos vinham de Deus, por isso eram imutáveis. Os poucos que ousaram romper com esse estado de coisas foram punidos, como aconteceu com Giordano Bruno, Joana D’Arc, Jesus… Mas a semente da liberdade, por estar plantada dentro dos Espíritos, germinava e, mais adiante, outros ousaram erguer a cabeça e dizer coisas diferentes das habituais. Galileu, Colombo, Lutero, por exemplo, propondo mudanças conceituais, pagaram o preço disso, ao mesmo tempo em que deixavam em nosso planeta marcas de um novo tempo.
As transformações que se sucederam já são tantas, que hoje mal podemos acompanhar as novidades tecnológicas, as conquistas científicas, as criações artísticas, a moda, as edições de novos livros, filmes, tudo pleno de tal multiplicidade que até parece infinita.
A dificuldade de acompanhar todos os avanços não ocorre apenas porque é impossível ter acesso a tudo, mas principalmente porque permanecemos pensando, sentindo e vivendo com ideias, conceitos que também precisam ser reciclados.
Contrastes
Lado a lado convivem preconceito racial e globalização; medos e naves espaciais; materialismo nas ciências e a noção de que é Deus quem decide a vida; crença de que o outro vale mais e individualismo; descongelamento das geleiras e desperdício de alimentos…
Ainda não estamos conectados conosco mesmos, de modo que o externo e o interno sejam uma só coisa. Apesar de tanta modernidade, “ainda somos como os nossos pais”, como diria Belchior, na conhecida música. Não que devamos ser como eles, mas, sim, que reciclar pensamentos promove um ajustamento íntimo, diminuindo incoerências, angústias e sofrimento.
O que eu penso de mim? Quais meus pontos fortes, fracos e médios?
Gosto de ser como sou ou venho me escondendo para parecer diferente?
O que tenho feito por mim? Como tenho me cuidado?
Meus atos, sentimentos e reações têm sido examinados, para eu me conhecer e saber lidar comigo?
Qual meu entendimento sobre determinada questão? – independentemente do que pensem outros, seja quem for.
Minha “cabeça” diz frases o tempo todo, mas meu ser sente desse mesmo jeito?
Ou sinto algo e penso outra coisa, por causa das opiniões alheias?
Questionamentos como esses estabelecem o processo da reciclagem, ajudando-nos a distinguir como pensamos e o que deve ser feito em relação a isso, caso seja preciso mudar algo, e queiramos fazê-lo.
Há quem imagine que analisar-se provoca depressão e desanimo. Mas não é preciso que aconteça dessa maneira, até porque o objetivo não é ver quem está certo ou errado. Reciclar pensamentos é estritamente pessoal; levam em conta em primeiro lugar, nossas ideias e formas de ser forma aprendidas com pessoas que não tinham as informações que temos hoje e que a repetição memorizada dos costumes familiares obscurece a percepção sobre a qualidade e funcionalidade dos mesmos.
A experiência de ocupar-se consigo, reciclando pensamentos, ajuda a definir a própria filosofia de vida; os valores significativos para cada um, independentemente de religião, sociedade, família, amigos e modismos.