Autor: Rogério Coelho
A felicidade é a conquista maior dos mansos
Prazer e felicidade – etimologicamente – são substantivos, mas na vivência não têm a mesma classificação ou significado. É o que podemos depreender dos ensinos dos Amigos Espirituais.
Da lavra mediúnica de Divaldo Pereira Franco, vejamos o pensamento de Marco Prisco[1]: “a felicidade é uma atitude perante a vida. Aquela que decorre do que se tem, logo se converte em tormento pela ambição de mais se ter ou pelo medo de perder o que já se possui. Mas a presença da felicidade na existência nada mais é que segurança interior diante da vida. Valorizando o que sabe e o que é, realmente, você conquistará a bênção da felicidade.
Quem trabalha em favor da autoiluminação já descobriu o meio mais eficaz para a conquista da felicidade. Você vale pelo que fez de si mesmo e não pelo que dizem a seu respeito. Mediante essa compreensão, a felicidade já se encontra ao seu alcance.
Caso você haja descoberto que é imortal e se entrega ao crescimento moral, adquiriu já a base para a felicidade sem jaça.
Cumpra com o seu dever, seja qual for, por mais insignificante que pareça, e a alegria da consciência tranquila se aureolará das bênçãos da felicidade.
Títulos de engrandecimento social, trajes faustosos, postos de destaque, funções honrosas, aplauso e distinções, recursos amoedados e triunfos terrenos podem propiciar prazeres, exaltar a vaidade e a presunção, mas ficarão na Terra, quando você viajar de retorno ao Grande Lar, mas o que você renunciou, amou, realizou pelo bem do próximo e por si mesmo, seguirá com você em forma de felicidade que será fruída desde antes da desencarnação”.
Joanna de Ângelis[2] explica: “(…) A Terra é o planeta-escola de aprendizes incompletos, inseguros, na qual a cada um falta algo que não conseguirá conquistar, visto que a escassez de agora é consequência do desperdício de outrora. Aprende a ser grato à vida e àqueles que te envolvem em ternura, saindo da tristeza para o portal de luz, avançando pelo rumo novo…
Oportunamente descobrirás que, enquanto te esqueceste da própria dor, lenindo a dos outros, superaste-a em ti, conseguindo a plenitude da felicidade, que agora te rareia.
Embora a felicidade seja anelo de toda criatura, não a devemos buscar neste mundo.
Não nos olvidemos que estamos degredados na Terra, portanto, a felicidade sem mescla não poderá ser lograda aqui, mas atingida tão somente quando rompermos os liames que nos mantêm cativos na matéria. (…) Na Terra, a felicidade somente é possível quando alguém se esquece de si mesmo para pensar e fazer tudo que lhe seja possível em favor de seu próximo”.
Ensina Léon Denis[3]: “(…) A verdadeira felicidade neste mundo está na proporção do esquecimento próprio. Ela não está nas coisas externas nem nos acasos do exterior, mas somente em nós mesmos, na vida interna que soubermos criar. Que importa que o Céu esteja escuro por cima de nossas cabeças e os homens sejam ruins em volta de nós, se tivermos a luz na fronte, alegria do bem e a liberdade moral no coração? Se, porém, eu tiver vergonha de mim mesmo, se o mal tiver invadido meu pensamento, se o crime e a traição habitarem em mim, todos os favores e todas as felicidades da Terra não me restituirão a paz silenciosa e a alegria da consciência. O sábio cria, desde este mundo, para si mesmo, um refúgio seguro, um lugar sagrado, um retiro profundo aonde não chegam as discórdias e as contrariedades do exterior. Do mesmo modo, na vida do Espaço, a sanção do dever e a realização da justiça são de ordem inteiramente íntima; cada alma traz em si sua claridade ou sua sombra, seu paraíso ou seu inferno”.
Segundo registro do Eclesiastes, “a felicidade não é deste mundo”; mas, sem embargo, com a explicação de Fénelon[4], podemos ver a situação sob outro ponto de vista, pois, esse nobre Espírito, que tantas páginas de luz ofereceu à Codificação, afirmou: “(…) malgrado o cortejo inevitável das vicissitudes terrestres, nós podemos gozar de relativa felicidade, se não a procurarmos nas coisas perecíveis e sujeitas às mesmas vicissitudes, isto é, nos gozos materiais em vez de a procurar nos gozos da alma, que são um prelibar[5] dos gozos celestes, imperecíveis. A única felicidade real neste mundo é a paz do coração”.
Aprendemos com o Espírito Albert Camus[6]: “(…) A ânsia maior e incontida dos seres é a felicidade, na maior parte das vezes confundida com o prazer. Os humanos têm ainda momentos de prazer, instantes de glória e, sem sequer cogitar que estes são ensaios para a vivência da felicidade, ou se contentam e buscam suas repetitivas sensações, ou se revoltam e anseiam sempre mais, numa luta desenfreada e ansiosa, num desequilíbrio de ambições que jamais os conduzirão ao que sonham.
A felicidade é a conquista maior dos mansos, daqueles que já abrigam em seu Ser as consciências que apaziguaram, as lágrimas que seca¬ram, os desesperos que esclarece¬ram, as sementes que plantaram e, sobretudo, as pérolas da renúncia.
A busca da felicidade se reveste ainda, nos humanos, de um ato de egoísmo, buscando alegrias e prazeres para si próprios, e, por isso, está a Humanidade tão longe desta conquista.
No momento em que, tocados pela compreensão maior da vida, os seres se conscientizarem que a felicidade que tanto perseguem não está no prazer de suas conquistas mas na alegria das conquistas alheias, perceberão que quanto mais as criaturas buscarem o exercício da fraternidade e do Amor, mais próximas estarão do êxito de suas buscas.
Feliz é a criatura que já venceu todas as barreiras do egoísmo e que, portanto, está invulnerável à mesquinhez humana; feliz é o ser que já conquistou, no seu santuário interior, a plenitude da fé, firmada na razão e no trabalho incessante; feliz é o ser que já não se deixa dominar pelas paixões próprias da pequenez, que não se envolve com a violência nem de pensamentos e que já pode perceber a Harmonia Universal e nela se inserir…
Devemos buscar a felicidade, sim, mas não como crianças levianas que não sabem como brincar, mas compreendendo que essa conquista depende da relatividade dos nossos prazeres e alegrias, e, enquanto estes não estiverem sob a relatividade do Evangelho, serão meros ensaios. É fundamental que se pense de forma mais ampla sobre a felicidade para que se saiba como buscá-la. Não há tempo para ilusões, mas momentos para conquista. Assim, compreendamos todos que a felicidade é o reflexo dos que amam de forma irrestrita; é a vibração contagiante dos que permanecem na paz; é a irradiação dos que consolidaram sua Harmonia Universal.
Caminhemos, pois a trilha é longa, mas cada passo é um instante definitivo de felicidade e não mais de prazer. Cada passo concretiza nossa caminhada segura e nos dá, como marco da conquista, a sensação perene da felicidade almejada.
Buscar a felicidade, meus irmãos, é trabalhar pela autoperfeição. Ora, se fomos criados por um Pai de Amor, só nos resta a obrigação de ser felizes. Isto é uma imposição da Harmonia Universal, que nós ainda não aceitamos por não a termos compreendi¬do; que não a vivemos ainda, por nos termos perdido na pequenez das glórias efêmeras e dos prazeres infantis.
Vamos perseguir esta imposição tornando-a nossa, sem nos esquecer¬mos de que, para a sua conquista, que é íntima e individual, precisaremos ter vivido um pouco do nosso semelhante e transformado suas mazelas em doçuras; ter contribuído para a conquista da felicidade de nossos ir¬mãos para que ela transpareça em nós.
O paradoxo da felicidade se traduz exatamente assim: à medida em que causarmos a felicidade do próximo, esta será a causa da nossa”.
Concluamos com as ilações da querida Mentora Joanna de Ângelis: “(…) não pode haver felicidade completa enquanto o pranto escorre nos olhos alheios, rasgados pela aflição… Estudiosos afeiçoados aos “ditos do Senhor” mergulharam, em todos os tempos, o pensamento nas fontes evangélicas, em busca do consolo e diretrizes, encontrando na clara mensagem da Boa Nova o clima de paz e amor necessários a uma vida feliz.
A felicidade independe dos valores externos, sempre transitórios, sem maior significação, além daquela que se lhes atribuem. Felicidade é construção demorada, que se realiza interiormente a tributo de laboriosa ação sacrificial.
Indubitavelmente a felicidade pertence sempre àquele que pode oferecer, que possui para dar. Portanto, não programes felicidade dentro dos padrões tradicionais que a ambição já estabeleceu e os preconceitos mantêm. Se estás bafejado pela felicidade, sorve-a com lucidez; interioriza-a e descobre os tesouros de que podes dispor em favor dos outros, pois ser feliz com a felicidade alheia é também uma forma de caridade cristã”.
Referências
[1] – FRANCO, Divaldo. Diretrizes para uma Vida Feliz. Salvador: LEAL, 2010, cap. 9.
[2] – FRANCO, Divaldo. Momentos de Coragem. 5. ed. Salvador: LEAL, 1981, cap. 16.
[3] – DENIS, Léon. O Problema do Ser, do Destino e da Dor. Rio [de Janeiro]: FEB, 2008, cap. XXIV.
[4] – KARDEC, Allan. O Evangelho segundo o Espiritismo. 129. ed. Rio: FEB, 2009, cap. V, item 23.
[5] – Sentir prazer antecipadamente ao pensar em (algo); antegozar, antefruir.
[6] – Página psicografada pela médium Nora Sakamoto, publicada na Revista Internacional do Espiritismo nº. 5 de junho de 2003. Albert Camus foi escritor, jornalista, ensaísta, romancista, teatrólogo e uma das maiores expressões da literatura francesa do pós-guerra.
O consolador – Artigos