Autor: Vladimir Alexei
Dimitri era um jovem muito esforçado e com um grande potencial para o bem. Desde cedo, em sua primeira juventude, começou a trabalhar para auxiliar nas contas do lar. Era um sonhador. O que Dimitri não sabia era que a vida cobra caro para realizar seus sonhos.
Por algum motivo que não seria capaz de explicar com clareza, Dimitri se destacava diante dos outros por dedicar força de vontade em tudo que fazia. Poderia não ser brilhante – ele assim não se considerava –, mas, de alguma forma, se destacava pelo comprometimento.
Um apaixonado por música. Eclético, adorava rock nacional e internacional, pop, lounge music, e o principal: rock inglês underground. Talvez pela melodia… às vezes por causa das letras um pouco tristes. Elas encontravam ressonância no jeito de pensar do Dimitri: ele sentia que não fazia parte daquele mundo! Sentia que algo lhe faltava, mas não sabia explicar. A música, no entanto, embalava suas esperanças, como um amigo que nos ampara nos infortúnios.
Sem recursos, os amigos, todos com uma condição financeira melhor do que a sua, viviam em festas e baladas, enquanto ele se escondia em casa, sentindo-se triste por não poder fazer parte daquilo que a juventude mais fazia: curtir a vida! Todos namoravam, possuíam carro e ele só andava de carona e, no muito, de carro emprestado, quando algum amigo assim fazia. Se os problemas fossem só esses, talvez ele conseguisse vencer com facilidade, mas existiam outros.
Seus pais se separaram e essa incompreensão tornou-se ainda maior: ele nunca presenciou os dois brigando! Como assim?! De repente a figura do pai presente, carinhoso, do lar estruturado não existia mais! Seu chão se abriu… em uma época em que a separação era incomum, ainda mais no interior, tudo aquilo com que ele não precisaria se preocupar passou a fazer parte de sua vida: contas, chave de casa, responsabilidade etc. E ele tinha apenas 15 anos!
A ausência de emprego no interior, pais separados, liderança latente, ausência de sentido em levar uma vida pacata, obrigaram Dimitri a se mudar para um grande centro em busca de trabalho e realização de seus sonhos. Sozinho, dividiu um quarto com mais nove rapazes – eram cinco beliches, em um quarto, com apenas dois guarda-roupas para todos. Tomava banho frio porque o chuveiro era fora da casa. Lavava, passava e chorava… chorava sem entender por que tinha que passar por tudo aquilo, tão jovem, enquanto seus amigos no interior seguiam suas vidas curtindo adoidado.
A escassez de recursos, sozinho em uma cidade grande, desconfiado de tudo e todos, sem amigos e família, fez com que suas forças esmorecessem. Mudanças intensas e muito profundas em muito pouco tempo. Conseguiu emprego. As pessoas do trabalho eram diferentes… viviam uma vida de fachada, alegres no convívio social, porém, quando isoladas, eram tristes, moravam distantes, mas não perdiam a pose. Talvez porque estivessem cansadas de serem humilhadas por aqueles que não sabem lidar com as diferenças… A vida é farta em ensinamentos, mas Dimitri ainda não havia percebido.
Os ensinamentos da vida vêm em forma de sinais. Dimitri não conseguia enxergar assim, mesmo sendo de uma família religiosa. Foi batizado e crismado na Igreja Católica e, pouco tempo depois, seus pais se tornaram espíritas. Ele ainda precisaria de mais sinais para compreender que todo sofrimento vivido até ali era presságio de uma vida de reajustamento. Seu temperamento forte precisava ser direcionado e não saciado. É comum buscar aquilo que nos satisfaz e alegra. Entretanto, nem sempre o desejo deve ser satisfeito com o que queremos e sim com o que precisamos para evoluir, ainda que a nossa razão não compreenda naquele momento.
Foi assim, pensando na vida e andando distraído pelo grande centro, após um dia de trabalhos intensos, que Dimitri se viu diante de um desses sinais. Em meio a diversos sacos plásticos, repletos de papéis picotados, havia um andarilho. Ele olhava para o céu enternecido, concentrado, parecia mentalmente distante, algo que Dimitri nunca tinha visto.
À medida em que se aproximava do andarilho, observou um livro novo em suas mãos. Fato curioso, já que só haviam papéis picotados ao seu redor e aquele andarilho não possuía recursos para comprar um livro. Por diversas vezes o andarilho olhava para o céu e em seguida baixava a cabeça fixando a atenção nas páginas de um livro que acariciava como se fosse um ente querido. Aquilo chamou a atenção de Dimitri profundamente. Vivia tão absorto em seus problemas, valorizando-os de tal maneira, que dificilmente enxergava os sinais da vida. Não sabia por que aquele quadro mexia tanto com ele.
Quando se aproximou ainda mais, identificou-se com a capa do livro. Era a paisagem de um mar singelo, encontrando a praia cercada por montanhas com pouquíssima vegetação, e pequenas casas quase iguais que se confundiam ao longe. Um sicômoro adornava a lateral da imagem. Na mesma hora ele percebeu tratar-se de uma versão de O Evangelho segundo o Espiritismo. Na casa dos seus pais tinha esse livro! Inclusive era nele que seus pais faziam o Evangelho no Lar. Essa lembrança veio na hora em sua mente! Quanta saudade de casa e por um impulso forte, incontrolável, fez brotar lágrimas ardentes em seus olhos, no meio da rua. Alguma coisa ele precisava fazer!
Naquela época, morava no escritório em que trabalhava porque o dinheiro não dava para pagar aluguel e se alimentar. Dormia no próprio emprego – continuava tomando banho frio porque a banheira do escritório não funcionava, havia apenas um cano com um jato forte de água gelada. Pendurava suas camisas no varal improvisado na varanda, com “clips”, os mesmos que eram usados para juntar papéis –, e, ao chegar à sala, se deixou cair extenuado em uma poltrona, sem saber como havia chegado até ali. Passou um filme em sua cabeça, o filme de sua vida. Sua luta, isolamento, solidão, incompreensões, decepções, tristezas, alegrias, poucas, mas que marcaram…. Enfim, naquele momento ele decidiu: – preciso ser espírita!
Conhecia poucos espíritas, além de seus pais. Na realidade a sua Mãe era espírita e o Pai espiritualista. Lembrava-se de uma presidente de centro, no interior de onde veio, que possuía dois quadros em sua sala. Um era do Chico Xavier e o outro do Bezerra de Menezes. Ambos suscitavam medo em Dimitri. Não sabia por que tinha medo daquelas figuras. Aliás, a essa altura da vida ele era o medo encarnado: muitos anos se passaram, já contava com 22 anos e praticamente nada dava certo ainda. Morar no escritório em que trabalhava, ficar mais de cinco dias sem almoço e janta, apenas um pão com ovo pela manhã, distante mais de setecentos quilômetros de seus pais, sem amigos, muito menos namorada, era a desolação em pessoa, precisava fazer algo. Com a imagem do andarilho em mente e as lembranças das provações vividas, dormiu como que embalado por figuras mitológicas aladas, sem nada perceber.
Acordou renovado em energias, era sábado, havia recebido salário na sexta-feira e a primeira providência do dia foi comprar um exemplar do livro O Evangelho segundo o Espiritismo. O calendário registrava o dia 26 de junho de 1993. E começou a devorar aquelas mensagens e não parou mais. Sentia-se como no deserto representado na capa do livro: sedento por esclarecimentos e refrigérios para a alma. Bebia cada palavra como se já conhecesse o conteúdo. O autor devia ser um sábio! Como imaginar que alguém seria capaz de escrever de forma tão profunda ideias tão esclarecedoras sobre o Evangelho de Jesus?! Tudo que ele passara até aquele momento não era para puni-lo. Percebeu que a “revolta” não fazia parte daqueles ensinamentos. Entendeu que o sofrimento seria passageiro e poderia durar uma encarnação inteira, não a eternidade! Passou a se importar mais com as dores alheias, já que a visão do andarilho foi interpretada como “existem pessoas com dores muito maiores, com menos perspectivas do que você”. Começou a entender que muitos usam máscaras para se protegerem do mal, fazendo alusão aos seus colegas de trabalho, ainda que essa máscara disfarce o mal que ainda habita em cada um de nós.
Tudo aquilo começava a fazer sentido. As privações forjavam seu espírito na disciplina para que ele pudesse domar sua mente facilmente influenciável pela presença de um passado conturbado, provavelmente com muito mais débitos do que créditos em termos espirituais!
O despertar para o Espiritismo surgiu, por um misto de dor e alegria. Dor, pelas lutas até então inglórias – mal sabendo Dimitri que foram essas lutas que o levaram ao Espiritismo –, alegria porque começou a perceber melhor os sinais da vida, convidando-o a rever posicionamentos, compreender melhor seu temperamento, aceitar com resignação aquilo que não poderia mudar e não desistir. Por mais difícil que seja a luta, não desistir, foi o que mais chamou a atenção de Dimitri.
Será que hoje, passados mais de trinta anos de seus embates íntimos, Dimitri se considera espírita?
O consolador – Artigos