fbpx

Proteção educativa

Autor: Irmão X (espírito)

No jardim da residência confortável da família Torres, palestravam duas entidades espirituais.

Ezequiel, esclarecido mensageiro e amigo desvelado, viera observar os serviços de Antônio junto àquele núcleo familiar, que os dois haviam tomado sob dupla guarda, em razão dos elos afetivos que os reuniam entre si, desde muitos séculos.

– Como seguem os nossos tutelados? – inquiriu o emissário que vinha de plano superior – compreendem agora a proteção divina? Com que esperança vivo refletindo na situação deles! Sabe você que muito devo a Malvina e a João, em face das minhas duras tarefas no pretérito… Tive a felicidade de adiantar-me na senda evolutiva; no entanto, não me seria possível esquecê-los.

O companheiro ouvia-lhe as expressões sem ocultar a profunda melancolia que lhe transparecia no rosto.

Ezequiel, todavia, dando curso às emoções sublimes do momento, prosseguiu:

– Congreguei meus velhos amigos com os adversários de outra época e espero que, transformados em pais e filhos no cadinho doméstico, possam agora avançar no rumo da paz que excele o humano entendimento. A gratidão não olvida os bens recebidos.

– É o que acontece igualmente entre nós ambos, meu caro – murmurou Antônio, comovido -, não posso apagar da lembrança o débito que me vincula à sua generosidade…

Como se não desejasse receber agradecimentos diretos, Ezequiel modificou a rota da conversação acrescentando:

– Malvina comporta-se bem na luta redentora?

O interpelado mostrou sinais de amargura no semblante abatido e respondeu:

– Não tem sabido enfrentar a facilidade e a abundância. Vive aflita sem causa e insatisfeita sem motivo.

– Com tantos recursos que lhe são conferidos? – interrogou o superior admirado.

– Infelizmente assim é.

– Há alguma enfermidade grave atormentando a família?

Esboçou Antônio significativo gesto e acentuou:

– Segundo sabemos, o corpo ocupado pela doente não pode acomodar-se com a saúde perfeita; mas, no círculo de minhas possibilidades, esforço-me, quanto possível, para que Malvina, João e os filhos estejam equilibrados. Nunca se levantam, cada manhã, sem que eu os assista com elementos fluídicos de medicação, e desse modo, tenho tido o prazer de vê-los, no trabalho comum que edifica sempre.

– É, porventura, insuficiente o salário que recebem?

– Quanto a isso – elucidou Antônio -, marcham na Terra em carro confortável e precioso. O chefe da casa dirige um escritório com remuneração excelente. José e Oscar, os dois filhos mais velhos, soa altos empregados de uma oficina em Todos os Santos; Hermenegildo e Paulo, os dois menores, trabalham no centro urbano, com vencimento compensador.

– Sofrem alguma perseguição descabida?

– Desfrutam geral estima e, além disso, incumbo-me de auxiliá-los diariamente, conforme suas recomendações, colaborando, indiretamente, na solução de todos os problemas que os interessam de perto.

– Possuem razão seria para desgostos íntimos?

Antônio sorriu e obtemperou:

– Não contam com motivos quaisquer para contrariedades fortes; entretanto, procuram-nos. Vivem nervosos e exasperados. O espírito materno é sempre a fonte de inspiração para o santuário doméstico, e a posição atual de Malvina, nesse sentido, é das mais deploráveis. Tanto se queixou a nossa amiga que o marido e os filhos andam hoje contagiados do mesmo mal. Afirmam-se desprotegidos, cansados, desiludidos da sorte. Não há ensinamento que os esclareça, alegria que os alente ou remuneração que os satisfaça.

Ezequiel, preocupado, considerou, depois de longa pausa:

– Observarei pessoalmente.

Demandaram o interior, em atitude fraterna.

Era manhã e Dona Malvina, muito distante do governo do lar, mantinha-se em prosa comprida com uma senhora da vizinhança.

– Dona Amélia – comentava, gesticulando -, a senhora está muito enganada quanto à nossa situação. Meu esposo recebe ordenado miserável. Meus filhos não ganham para viver com decência. Já não sei como solucionar os presentes enigmas financeiros. Estamos empenhados em armazéns e lojas. Ocasiões aparecem nas quais, francamente, não sei como me comportar.

– É estranho – clamava a interlocutora -, porquanto sempre supus a sua casa em ótimas condições.

– Eu? Nós? – tornava a protegida de Ezequiel – vivemos atolados em débitos pesados… Ah! Minha amiga, minha amiga! Enquanto João se esgota, morro aos bocadinhos, entre aflições de toda sorte. Somos muito infelizes!

Lamentações alongaram-se pelas horas adentro.

E tão logo se despediu a vizinha, outra amiga apareceu, continuando Malvina no mesmo diapasão:

– Andava saudosa de sua palestra, minha boa Teresa! As pessoas atormentadas e sofredoras, assim como eu, necessitam ouvi-la.

– No entanto, Dona Malvina – objetava a amiga bondosa -, o seu aspecto é outro. Creio encontrá-la muito forte e tranquila…

– Eu, minha filha – respondia a senhora Torres, tornando a voz comovedora e mais tremula -, nunca sofri tanto, quanto agora… Não sei o que será de nós. Tudo está negro em nossos caminhos. No serviço, o esforço de João não é apreciado na devida conta e meus desventurados filhos se esfalfam inutilmente entre exigências indébitas dos administradores e vãs promessas de melhoria. Até onde iremos com as nossas provações amargas? Já não sei orar e tão grandes tem sido os nossos padecimentos que a fé me parece vazia, sem expressão…

Daí a instantes, enquanto Malvina desfiava o longo rosário de lagrimas verbais, entra o marido para o almoço, seguido pelos filhos, com alguns minutos de espaço.

A visitante, atordoada, sem mais delonga despediu-se e a residência dos Torres converteu-se num purgatório de imprecações. O chefe da casa insurgia-se contra os políticos, contra os acionistas da empresa a que se ligara, reclamava quanto ao pão malfeito e condenava o guardanapo mal posto, fazendo larga ostentação de autoridade, ao passo que os filhos lhe copiavam os gestos, excedendo-se em afirmações leviana ou insensatas.

Dona Malvina, no centro daquele desvairado parlamento doméstico, enxugava os olhos inchados de chorar, proclamando-se a mais infeliz das mulheres.

Por duas horas consecutivas, ali esteve Ezequiel, observando discussões e reclamações.

O grupo não encontrava um minuto sequer para conversar edificando.

Aquela meia dúzia de corações reunidos semelhava-se a um poço de águas envenenadas, expelindo lodo pelas bordas.

Fundamente consternado, o benfeitor dirigiu-se a Antônio, com amarga inflexão:

– É lastimável identificar a atitude de nossos velhos amigos. Infelizmente, não sabem receber o concurso da amizade reconhecida. Não dispõem de suficiente educação para registra as manifestações de nossa ternura. A benefício de todos, porém, ficarão a sós, por algumas semanas…

Antes que o mentor concluísse, perguntou Antônio, espantado:

– Que diz? Deixaremos Torres sem assistência? Que será dessa pobre família?

– Não aplicaremos remédio violento – elucidou Ezequiel, convencido -; a proteção aos companheiros na carne é análoga à que se dá às plantas. De quando em quando, é preciso retirar, mudar ou renovar. Malvina, João e os filhos permanecerão sem escoras, durante trinta dias; você virá comigo para descansar, em férias, e verificaremos o proveito de semelhante medida. Creio que nesse pouco tempo fará Malvina intensivo curso de entendimento, serviço, gratidão e prece. Nossa amiga tem recebido até hoje a proteção confortadora, mas, doravante, necessita receber a proteção educativa.

O programa traçado foi cumprido integralmente.

A breve trecho, a casa dos Torres experimentou enorme alteração.

Tão logo se ausentou Antônio, o silencioso amigo oculto, o desespero ali atingiu a culminância.

Os filhos do casal, no dia imediato ao do afastamento dele, se empenharam em luta corporal, no repasto da tarde, e Oscar teve o braço direito quebrado, recorrendo à intervenção médica. No terceiro dia, Hermenegildo foi dispensado do trabalho, por insubordinação. No quarto, José foi conduzido à Santa Casa em vista de inesperada apendicite com supuração. No quinto dia, o chefe da família foi atropelado por automóvel, ao sair do escritório, sendo transportado ao Pronto-Socorro e, no sexto dia, Paulo era trazido para casa, em carro da Assistência Municipal, em razão de queda espetacular no serviço.

Dona Malvina não encontrou mais tempo para se queixar do mundo e da sorte, e, findos os trinta dias do programa, quanto Ezequiel e Antônio lhe penetraram, de novo, o domicílio, encontraram-na em oração, profundamente transformada.

Nota

O conto acima, psicografado por Francisco Cândido Xavier, faz parte do livro Pontos e Contos.

Obra completa: https://www.febeditora.com.br/pontos-e-contos

spot_img