fbpx

Provas de paciência

Autor: Irmão X (espírito)

Quando se dispôs Leonarda à nova reencarnação, Lucinda, a nobre amiga espiritual que permaneceria na esfera superior, recomendou:

— Leonarda, minha irmã, grandes tesouros tem conseguido você, nos caminhos da vida, e suas aquisições de virtude prosseguem no ritmo desejado. No entanto, sua provisão de paciência é muito escassa. Seu atraso, nesse terreno, é particularmente lamentável, provocando enorme desarmonia no admirável conjunto de suas qualidades pessoais. Faça o possível por elevar o padrão de sua resistência pela intensificação do autodomínio. As realizações do Espírito não são gratuitas. Constituem patrimônio eterno, adquirido a preço alto, em esforço e experiência. Tenha coragem nessa edificação. Quando na Terra, olvidamos frequentemente a real significação do desassombro. Aplaudimos a impulsividade animal, esquecendo a sabedoria da prudência. Agora, porém, minha amiga, felicitadas pelas bênçãos de Jesus, busquemos o entendimento necessário, aprendendo a vencer sem armas visíveis, nos combates silenciosos do coração, no recinto do lar, onde o sacrifício é sempre mais vivo e mais proveitoso. Em voltando presentemente à carne, não olvide que a renúncia é a mestra da paciência.

Leonarda ouvia com interesse, revelando no olhar a preocupação indisfarçável do aprendiz que regressa à escola terrena.

Transcorrida ligeira pausa, a amiga continuou:

— Sabemos que existe alimentação e assimilação, estudo e aproveitamento, dor e renovação. Esgota-se o corpo físico, quando se alimenta e não assimila. Entrega-se o estudante a muitos disparates, quando lê e não medita. Precipita-se a alma em regiões infernais, quando sofre e não recolhe os valores da lição. Lembre-se de semelhantes verdades na Terra. Para nós, que muitas vezes fomos injustas para com o próximo, o melhor método de adquirir a paciência é o de sermos justas para com os outros, sem exigir que outros o sejam para conosco. Essa indicação, aliás, vem de Jesus, desde o processo que o conduziu à crucificação. O Mestre foi sumamente bom para com todos; entretanto, não reclamou qualquer manifestação de justiça para consigo mesmo, nos grandes momentos. E Ele era puro, Leonarda! Não desejo, de modo algum, induzi-la a desconsiderar a retidão. Examino apenas o aproveitamento da oportunidade. Tolo é o doente que despreza o remédio. E já que somos antigas enfermas, não fujamos à medicação adequada. Tenha cuidado e dê a cada um o que indiscutivelmente lhe pertença. Contudo, se houver atraso na recepção do que lhe couber, não descreia do Equilíbrio Divino, valendo-se do ensejo para enriquecer a sua capacidade de resignação para o bem. Isso representa negócio espiritual de grande importância para o futuro. Quanto ao mais, saiba você que estaremos ao seu lado, assistindo-a com amor. De seu concurso, depende a realização.

Leonarda prometeu observância aos conselhos ouvidos, e assumiu compromissos graves e tornou à Terra.

No entanto, apesar dos ajustes havidos, desde criança revelou extrema inquietude e frequente indisciplina.

No fundo, era bondosa e sensível, mas navegava facilmente da calmaria à tormenta.

Chegada à juventude, o plano espiritual convocou-a, pouco a pouco, às provas de paciência de que necessitava.

Leonarda casou-se, mas no aparecimento do primeiro filhinho começaram os serviços mais duros. Cristóvão, o marido, na condição de espiritualista, proporcionava-lhe o melhor quinhão de assistência; no entanto, a companheira parecia surda a todas as advertências alusivas à conformação e à tolerância. Não obstante a sua nobre dignidade de esposa e mãe, descontrolava-se ao primeiro sinal de luta mais forte. Cessada e borrasca doméstica, lavava-se em pranto de arrependimento, reconsiderando atitudes; mas, quantas vezes fosse visitada pela contrariedade ou pela tentação, quantas caía Leonarda em desespero e revolta, em razão da invigilância.

Convertia as moléstias mais simples em fantasmas horríveis e transformava os mínimos dissabores em tragédias comoventes. Dentro de semelhante clima sentimental, os filhos andavam enfermiços, o esposo, inquieto, e a residência, menos cuidada.

Leonarda, conquanto bondosa, não sabia trabalhar nem descansar. No serviço, mantinha-se impaciente; no repouso, vivia atormentada. Agia muito longe da tranquilidade operosa que produz a segurança íntima. O companheiro, por sua vez, não conseguia torná-la em confidente de suas naturais aventuras e questões. Leonarda não sabia como analisar serenamente os problemas. Contrariava sistematicamente tudo o que lhe não proporcionasse bem-estar.

Nas reuniões evangélicas, ouvia importantes preleções sobre humildade e coragem, costumando observar:

— As pessoas infelizes quanto eu não podem ser conformadas.

E, como se a virtude fosse algo insustentável, repetia sempre:

— Muito consoladores são os elementos da fé, mas perco a paciência todos os dias. Se a dor, no entanto, vale alguma coisa para a melhoria da alma, estou sinceramente confortada, porque os meus sofrimentos têm sido infindáveis.

Nessa diretriz prejudicial, atravessou o estágio terrestre.

Sem dúvida, efetuou louváveis aquisições nos sacrifícios do lar; todavia, quanto à resignação, nunca obteve o mais leve traço. Chorou, reclamou, protestou e reagiu, sempre que assediada pelos dissabores comuns. A pior característica em seu caso, porém, é que Leonarda jamais se inquietou com o bem dos outros, mas, sim, com a satisfação de si mesma, incapaz de suportar o menor espinho.

Ao terminar a tarefa terrena, Lucinda esperava-a com a mesma serenidade dos outros tempos.

Abraçaram-se comovidas, logo que a memória de Leonarda recuperou as recordações, permutando os júbilos de amizade sincera.

Depois das primeiras impressões afetuosas, falou a amiga espiritual:

— É lamentável tenha você demorado tanto tempo na oficina, sem melhorar a obra.

— Como assim? — indagou a interlocutora, assombrada.

— Refiro-me à paciência — comentou Lucinda, carinhosa — cada vez que a Bondade Infinita aproximava o seu coração do precioso manancial das oportunidades, você recuava apressada, recusando-me o auxílio. Tentei quinhoar-lhe a senda com inestimáveis recursos educativos, mas, infelizmente…

Espantou-se Leonarda, ao ouvir as inesperadas considerações, e, com inexcedível desencanto, acentuou, triste:

— Que diz? Fui excessivamente provada!…

— Mas não foi aprovada — explicou a amiga, serena.

— Vivi com a pobreza e a dificuldade…

— Entretanto, não as aproveitou convenientemente.

— Experimentei muitas dores…

— Todavia não guardou os ensinamentos.

— Sofri muito!

— Mas não aprendeu…

E, porque a interlocutora emudecesse desapontada, Lucinda concluiu:

—Você falhou nas provas de paciência que o aprendizado humano lhe ofereceu, mas não desespere de novo… Haverá recurso para recomeçar.

Nota

O conto acima, psicografado por Francisco Cândido Xavier, faz parte do livro Contos Desta e Doutra Vida.

Obra completa: https://www.febeditora.com.br/pontos-e-contos

spot_img