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Reforma íntima sem ônus desnecessário

Autora: Eugênia Pickina

Sabemos que a dor e o sofrimento não são bons. Bom é o que podemos fazer da dor e do sofrimento. Desse modo, o que é significativo na pedagogia do Cristo é que nos é possível colocar um olhar positivo sobre o que é negativo e, assim, fazer algo de bom em relação ao sofrimento e à dor.

E porque aqui estamos, e a caminho, cabe-nos recordar, em razão da nossa imortalidade, uma das bandeiras do Espiritismo: a reforma íntima.

Acredito que a finalidade da reforma íntima é nos fazer pessoas melhores, é nos humanizar, o que nos aproximará de Deus. Vontade, esforço, disciplina, sim, mas sem culpa.

Quando penso na necessidade da instrução, da auto-educação, revelada pelo Consolador Prometido, lembro-me das palavras de Pestalozzi, o educador suíço:

“O homem é como a árvore. Na criança recém-nascida estão ocultas as faculdades que lhe hão de desdobrar-se durante a vida; os órgãos do seu ser gradualmente se formam, em uníssono, e constroem a humanidade à imagem de Deus.”

Desse modo, tomados pela certeza da filiação divina e da imortalidade, precisamos aprofundar nosso entendimento: a reforma íntima apenas exige o nosso consentimento integral para o esforço de melhora, mas despido do fardo da culpa que, claramente, nos afasta do Pai e de Jesus.

Creio que internalizar nosso compromisso de aprendizado do amor e da caridade deve nos tornar mais leves e mais mansos, pois, com isso, nosso passo avançará mais confiante e menos sujeito a estados depressivos e aflitivos.

A reforma íntima se explicita no próprio conselho de José, o Espírito protetor, que generosamente nos dá sua instrução no Evangelho de Jesus: “Sede, pois, severos para convosco”. No entanto, tal imperativo não deve ser entendido como uma atitude de inflexibilidade a nós mesmos. Autodisciplina não significa tortura ou castigo. Nossa prática de aperfeiçoamento simplesmente implica bom senso e auto-exame constante.

Quando sofremos pelo mal que ainda não conseguimos vencer, isso em nada nos faz pessoas melhores. Um caminho para luz que queira dissimular a sombra, corre o risco de ser um caminho de ilusão e de frustrações, que gera enfermidades e infelicidade.

Neste ponto, recordemos Pedro, o apóstolo de Jesus. Pedro negou o Mestre. Pedro errou. Mas Pedro não se enclausurou em seu desespero, no inferno da sua culpa. Acreditou que o Cristo poderia perdoar seu equívoco, enraizado na sua fragilidade, na sua covardia. Aplicou a si mesmo o perdão e foi perdoado.

E o que é o perdão?

O perdão é uma das condições para que nossa vida continue a ser vivível, pois se inicialmente ele é uma questão de inteligência e de compreensão, em seguida se apresenta também como uma questão de liberação, de alforria para a paz interior.

Quando Jesus perdoa a mulher adúltera, por exemplo, o amoroso Mestre nos ensina que o perdão nos acorda para uma dimensão divina de nós mesmos: somos capazes de misericórdia, somos capazes de Deus.

Quanto mais vivo, mais percebo que o segredo para o caminho rumo ao Pai é não desistir da melhora. Devemos agir com insistência. E melhora real só conseguiremos com auto-estima, com respeito pelas nossas qualidades positivas e vigilância com o “homem velho”, que ainda mora em nós.

A reforma íntima inclui, portanto, a prática do amor por si mesmo, mas também pelo próximo. Já, em relação ao outro, é exigida de nós a segunda parte do conselho de José, o Espírito protetor: “Sede (…) indulgentes para com os outros”.

Do ponto de vista prático, vivemos em sociedade, pois precisamos, para progredir, da convivência, da sociabilidade. Assim, em cada encontro humano podemos exercitar a atitude da tolerância. Devemos ampliar a compreensão e reduzir o julgamento; ampliar o diálogo e reduzir o monólogo interno acusatório. Devemos treinar a escuta, pois se os seres humanos se escutam, eles se compreendem.

Como a reforma íntima visa à nossa melhora, amadurecer espiritual e emocionalmente supõe a superação da fase do conflito pela fase do consenso. Se alguém, por exemplo, diz algo contrário ao que eu penso e sou capaz de entender esse contrário como complementar, retirando disso algo positivo, vou crescer em consciência e em compreensão. Uma ciência fechada ao diálogo com a religião, com o transcendente, por exemplo, cria bombas e armas nucleares, mata a vida no lugar de promovê-la.

Não se pode mudar a sociedade sem primeiro transformar a si mesmo. É por aí que é preciso começar. Por nós. Começar por estar em paz e comprometido com um agir orientado pela tolerância. Precisamos somente fazer a nossa parte e é só isso que nos é pedido.

A reforma íntima, no lastro da pedagogia de Jesus, não é aquela que diz: “você deve”, mas sim a que diz “você pode”. Você pode não mentir, você pode servir, você pode ser honesto, você pode ser feliz. Você pode.

Jesus, o Educador Amoroso, nos convida à caridade e ao amor e, fatalmente, todos nós amaremos. E “amaremos” é um futuro, um devir, uma esperança. Nós amaremos, como Jesus nos ama. E esta certeza sustenta os nossos passos em direção a Ele e ao nosso Pai. Não importa que alguns estejam à nossa frente, outros atrás e ainda outros ao nosso lado. O segredo é seguir, o segredo é insistir. Com alegria, com esperança. Todos nós podemos.  

Fontes

KARDEC, Allan. O Evangelho Segundo o Espiritismo – Capítulo X – Item 16.
PESTALOZZI, J. H. Como Gertrudes ensina a seus filhos. In: LARRAYO, Francisco. História geral da pedagogia. Tomo II. São Paulo: Mestre Jou, 1974.

O consolador – Ano 1 – N 22

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