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Relações amigas entre vivos e mortos

Revista Espírita, maio de 1862

(Sociedade espírita de Argélia – Médium: Sr. B…)

P. ─ Por que, em nossas conversas com os Espíritos de pessoas que mais amamos, sentimos um embaraço, uma frieza mesmo, que jamais teríamos sentido quando vivos?

R. ─ Porque sois materiais e nós não mais o somos. Vou fazer uma comparação que, como todas as comparações, não será absolutamente exata, mas será o bastante para o que quero dizer.

Suponho que experimentes por uma mulher uma dessas paixões que só os romancistas imaginam entre vós e que considerais exageradas, enquanto que para nós parecem diferir pouco das que conhecemos pelo espaço infinito.

Continuo supondo. Depois de ter tido, por algum tempo, a felicidade inefável de falar diariamente com essa mulher e de contemplá-la à vontade, uma circunstância qualquer faz com que não mais possas vê-la e que te deves contentar apenas em ouvi-la. Crês que teu amor resistiria sem nenhum arrefecimento a uma situação desse gênero, prolongada indefinidamente? Confessa que ele sofreria qualquer modificação, ou aquilo que nós chamaríamos uma diminuição.

Vamos mais longe. Não só não podes mais ver essa bela amiga, mas não podes nem mesmo ouvi-la, porque ela foi sequestrada. Não deixam que te aproximes. Prolonga essa situação por alguns anos e verás o que acontece.

Agora, mais um passo. A mulher que amas está morta. Ela está, desde muito, enterrada nas trevas da sepultura. Nova mudança em ti. Não quero dizer que a paixão morreu com o seu objeto, mas sustento que pelo menos transformou-se. É de tal modo que se, por um favor do Céu, a mulher que tanto lamentas e por quem sempre choras viesse apresentar-se à tua frente, não na odiosa realidade de um esqueleto que repousa no cemitério, mas com a forma que tu amavas e adoravas até o êxtase, tens certeza de que o primeiro efeito da aparição imprevista não seria um sentimento de profundo terror?

Como vês, meu amigo, é que as paixões, as afeições vivas não são possíveis em toda a sua extensão senão entre criaturas da mesma natureza, entre mundanos e mundanos, entre Espíritos e Espíritos. Com isso não quero dizer que toda a afeição deva apagar-se com a morte. Quero dizer que ela muda de natureza e toma um outro caráter. Numa palavra, quero dizer que em vossa Terra conservais uma boa lembrança daqueles a quem amastes, mas que a matéria, em cujo meio viveis, não vos permite compreender nem praticar outra coisa senão amores materiais, e que um tal gênero de amor, naturalmente impossível entre vós e nós, vos torna tão canhestros e frios nas vossas relações conosco. Se queres convencer-te, relê algumas conversas espíritas entre parentes, amigos e conhecidos. Tu as julgarás de uma frieza que gelaria os habitantes dos pólos.

Não é por nossa vontade, nem nos entristecemos por isso, desde que sejamos suficientemente elevados na hierarquia dos Espíritos para o notar e compreender. Mas, naturalmente, isso não deixa de ter algumas influências sobre a maneira de ser para convosco.

Lembras-te da história de Hanifa que, podendo entrar em comunicação com a sua filha querida, que ela tanto chorara, faz-lhe esta primeira pergunta: “Há um tesouro oculto nesta casa?” Que bela mistificação recebeu! Essa não foi roubada.

Meu amigo! Penso ter dito o bastante para que bem sintas a causa do mal-estar que necessariamente existe entre vós e nós. Eu poderia ter dito mais. Poderia ter dito, por exemplo, que vemos todas as vossas imperfeições e impurezas do corpo e da alma e que, do vosso lado, tendes a consciência de que o vemos. Confessa que é embaraçoso para ambos os lados. Coloca dois amantes apaixonadíssimos nessa caixa de vidro onde tudo aparece, tanto no moral como no físico, e imagina o que acontecerá.

Quanto a nós, animados por um sentimento de caridade que não podeis compreender, somos, em relação a vós, como a boa mãe a quem as enfermidades e as sujeiras do filho chorão, que lhe tira o sono, não fazem esquecer, nem por um instante, os sublimes instintos da maternidade. Nós vos vemos fracos, feios e maus, contudo, nós vos amamos, porque tratamos de vos melhorar. Entretanto, vós não nos fazeis justiça, temendo-nos mais do que nos amando.

DÉSIRÉ LÉGLISE

(Poeta argelino falecido em 1851)

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