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Religiosa ou filosoficamente?

Autora: Cristina Sarraf

Diferentes entendimentos

São muito interessantes e variados os nossos processos de aprendizagem e prática. Desde as imitações dos adultos, quando somos crianças, até a elaboração de teorias revolucionárias, o ser humano é um universo ambulante e inesperado.

Em relação ao Espiritismo, por exemplo, é bastante comum observar-se como um mesmo trecho de Kardec pode ser entendido de formas até opostas, porque cada um tem sua estrutura mental e vivencial, e só pode pensar e entender com ela.

Na medida em que veio de Espíritos, através das comunicações mediúnicas, incluindo entre seus Princípios a existência de Deus, e filiando-se entre os seguidores de Jesus, o Espiritismo tem um grande contingente de adeptos que o entendem religiosamente. Opção essa, do foro íntimo de cada um, e diz respeito apenas a quem a faz.

Porém… Quando a leitura das obras de Kardec é feita sob o prisma religioso, por hábito milenar e pela força do inconsciente coletivo, tudo é entendido com a conotação de divino. Então, fica sendo uma obrigação moral, ter que concordar e seguir o que ali está escrito, ou a desobediência será punida.  Fica incluído o medo e a aceitação peremptória, sem revisão das maneiras de entendimento que cada um tem. As obras da Codificação passam a ser vistas como livros sagrados, apesar de Kardec ter explicado muito bem, em A Gênese, que a revelação espírita é divina pela origem e humana quanto a elaboração.

Quando a leitura das obras de Kardec é feita sob o prisma de estudos científicos e filosóficos de consequências morais, tudo é entendido como a possibilidade que tiveram, os Espíritos que assumiram essa tarefa, de transmitir seus conhecimentos, sua ciência e seu modo de entender as leis da Vida. Fica incluída, nessa maneira de ver, a análise de tudo, os desdobramentos que não firam os Princípios estabelecidos, e a constante reciclagem de entendimentos, porque se esses Espíritos eram superiores ao codificador, deixaram informações embutidas em respostas, que só com o amadurecimento social, científico e pessoal, podem ser percebidas.

O egoísmo

Os estudos e informações sobre o egoísmo, por exemplo, tem dado “panos para mangas”, assustado e servido de “dedo apontado”, cobrando a eliminação dessa “doença” da alma.

No entanto… Kardec, antes dos esclarecimentos dos Espíritos, pensava que o egoísmo fizesse parte da natureza humana, como muitos psicólogos e pedagogos pensam até hoje (LE – 915). Mas eles disseram que não, não faz parte da natureza humana e sim da ignorância, fruto da inferioridade dos Homens. Inferioridade espiritual e não étnica, ideológica, financeira ou religiosa, como muita gente pensa.

Disseram, complementando, que o orgulho liga-se a influência da matéria. E não poderiam dizer outra coisa, porque essa é a nossa primeira característica, como Espíritos que estão na terceira ordem da Escala Espírita (LE – 100 a 113).

Por isso, conforme a vida moral predominar sobre a material, o egoísmo será diluído; para o quê, o Espiritismo traz uma gigantesca contribuição.

Qual contribuição e o que vem a ser vida moral?

Espiritismo e moral

A contribuição essencial do Espiritismo, a nosso ver, é o conhecimento dos Princípios da imortalidade, reencarnação, evolução, livre arbítrio e consequências naturais, cujo entendimento nos coloca diante do fato de sermos os construtores da nossa vida, sob todos os aspectos. Isso porque, na medida do modo de pensar de cada um, são estabelecidas as condições físicas, emocionais e espirituais que cada um vive.

Ao pensarmos em vida moral, a diversidade dos caracteres humanos opõe-se a equivocada ideia de que seguir regras de conduta, à risca, garantiria uma elevação moral, visto que a pessoa pode segui-las por obrigação e medo, e não mudar por dentro, como estamos cansados de ver, até em nós mesmos.

Pensando em boa conduta, ou vida moralizada, não se pode comparar pessoas cujos níveis evolutivos variam, em todos os aspectos, determinando formas diversas de entender e se comportar bem. O Espiritismo deixa bem claro, que essa diversidade comportamental é derivada do grau de evolução, fortalecendo assim a fraternidade ensinada por Jesus, na proporção do respeito ás diferenças pessoais e de modos de ser. Há até costumes humanos que se opõem, dependendo do país e do povo.

Portanto, a contribuição do Espiritismo à uma vida moral, é a prática, possível a cada um, dos seus Princípios, iluminados pelas lições de Jesus e não a obrigação de seguirmos medrosa e cegamente, regras e normas. Ele nos chama ao racional e não ao devocional.

Então, vida moral não é ser “bonzinho” e fazer tudo pelos outros, e sim, é viver na absoluta consciência de que somos Espíritos imortais, em fase de experiência humana; e não apenas pessoas que morrem amanhã e precisam ser egoístas para desfrutar o que der, ou garantir seu lugar no céu.

De modo que quando amadurecermos para vivenciar, no dia a dia, o fato de sermos, todos, passageiros do processo evolutivo, interdependentes e aprendizes, estaremos usando nosso conhecimento espírita de forma eficiente e nossa vida será moral, no sentido das razões que nos movem.

O que é egoísmo

Egoísmo não é, apenas, só pensar em si; essa é uma leitura superficial. Analisando mais profundamente, egoísmo é a exacerbação do ego, ou seja, da personalidade atual, embora ela seja mutável em si mesma e em cada etapa de encarnado e desencarnado.

A pessoa só pensa em si, por não enxergar a imortalidade, e nem perceber a interligação natural e necessária que há entre todos. Isto é, não tem educação espiritual, embora possa ter religiosa. A pessoa sente que é o corpo e as necessidades dele, e fica presa nisso. Ainda não se sente um Espírito com corpo denso, mesmo sabendo que é.

A confirmação disso, vem dos próprios Espíritos da Codificação (LE – 917), quando disseram que o “egoísmo se funda na importância da personalidade, mas que o Espiritismo bem compreendido, faz ver as coisas de tão alto, que o sentimento de personalidade desaparece de alguma forma, perante a imensidade.”

A ausência de uma linguagem psicológica, ampla e difundida como temos hoje, fez com que eles dissessem o que queriam, desse jeito. Se essa fala for entendida como a maneira que conseguiram dizer, através de médiuns, em 18…, tudo fica esclarecido e no lugar certo. Porque, sentir-se um Espírito imortal é viver sabendo que a personalidade atual mostra parcialmente quem somos; é passageira e mutável, na proporção das mudanças que fazemos em nossas ideias e modos de ser.

Personalidade é só a “superfície” do Espírito.

Mas se a leitura for religiosa, entenderemos que nossa personalidade deve desaparecer, ser ocultada, que o egoísmo é um micróbio/doença que deve ser extirpado de nós, e para tanto teremos que nos dedicar só aos outros, esquecendo de nós mesmos; e, que a matéria não presta, e deve ser renegada.

Mas como ficamos, se afora os Espíritos, tudo no universo é matéria?

Analisar sem medo

Para que não caíssemos nessas más interpretações, os Espíritos da codificação disseram que o egoísmo é aprendido, no contato com os egoístas. Eles apresentaram a fraternidade e a caridade como atitudes que podem diminuí-lo, sendo exemplos bons e educativos; e inclusive, sugeriram como podem ser as instituições sociais de um futuro menos egoísta.

Uma leitura religiosa, condena a sociedade, as religiões diferentes da sua, a dedicação à própria evolução; e exalta o dar aos outros seu tempo e objetos, como sendo a chave para a salvação.

No entanto, ajudar, colaborar, é parte de nossa natureza e nos leva a crescer, tirando o foco dos próprios problemas. O que não quer dizer que seja a solução deles, e muito menos que haja uma barganha com Deus: faço algo pelo outro e você desconta isso das minhas encrencas!

Uma leitura científico-filosófica, não vê esses transbordos emocionais e nem essas autolimitações sem nexo, que conduzem ao equívoco de querer evoluir através de cuidar do outro, sem desenvolver-se intimamente e sem aprender a cuidar de si, que é a única verdadeira obrigação de cada um de nós.

Respeitando, é claro, as posições e maneiras de ver diferentes, entendemos que muitos espíritas sofrem conflitos desnecessários, amarram-se em regras, e nas palavras de pessoas consideradas autoridades no assunto, pelo fato de ainda não ter sido possível a libertação de conceitos amedrontadores, limitantes e mesquinhos, adotados de outras fontes de informação, que não o Espiritismo. Mas transportados para o entendimento dele.

No entanto… É assim mesmo que a evolução se faz: da inconsciência para a consciência, em todos, todos, todos, os aspectos que possamos imaginar. E em cada Espírito, no momento e no ritmo possível a sua situação evolutiva (LE – 785). O que é a mesma coisa que dizer que não adianta forçar-se a deixar de ser egoísta e nem se disfarçar de caridoso e bom. Só dá certo aquilo ao qual nos dedicamos e para o que investimos aprendizado e tempo de experiências.

Se a meta é deixar de ser egoísta, há que se entender como essa conduta funciona, no que se sustenta, quando apelamos para ela, porque o fazemos…

Também é indispensável perceber que o egoísmo tem “filhos”, que precisam ser reconhecidos e diluídos antes. Ou eles não permitem que se chegue perto do “pai” e portanto, nunca saberemos como lidar com sua participação em nosso ser.

Alguns desses “filhos” são os preconceitos, o desprezo pelos diferentes, a hipocrisia, a ignorância sobre si mesmo, o autojulgamento falso, a agressividade como defesa, o melindre, a inibição, o medo da opinião alheia, o constrangimento, a prepotência, a vaidade, a ganância, a maledicência, o orgulho, a falsidade, o desrespeito, a manipulação, o rancor, a mágoa, o ressentimento…

Jornal do NEIE

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