Revista Espírita, abril de 1865
Eis-me aqui, meu bom irmão, mas tu exiges demais. Com a melhor boa vontade, não posso responder, numa única evocação, às numerosas perguntas que me diriges. Não sabes que por vezes é muito difícil aos Espíritos transmitirem o pensamento através de certos médiuns pouco aptos a receber claramente, em seu cérebro, a impressão fotográfica dos pensamentos de certos Espíritos, e que, desnaturando-os, lhes dão um cunho de falsidade que leva a maioria dos interessados à negação mais formal das manifestações, o que é muito pouco lisonjeiro e entristece profundamente aqueles que, na falta de instrumentos adequados, são impotentes para dar suficientes sinais de identidade?
Crê-me, bom irmão, evoca-me em família, e tu mesmo, com um pouco de boa vontade e alguns ensaios perseverantes, poderás conversar comigo à vontade. Estou quase sempre junto a ti, porque sei que és espírita e espero em ti. É certo que simpatia atrai simpatia e que não se pode ser expansivo com um médium que se vê por primeira vez. Contudo, vou tentar satisfazer-te.
Minha morte, que vos aflige, era o termo do cativeiro de minha alma. Vosso amor, vossa solicitude, vossa ternura, tinham tornado suave meu exílio na Terra. Mas, nos meus mais belos momentos de inspiração musical, eu voltava meu olhar para as regiões luminosas onde tudo é harmonia, e me esquecia a escutar os acordes longínquos da melodia celeste que me inundava com suas doces vibrações. Quantas vezes fiquei absorvido nesses devaneios extáticos aos quais devia o sucesso de meus estudos de música, que continuo aqui! Seria um erro estranho crer que a aptidão individual se perde no mundo espírita. Ao contrário, ela se aperfeiçoa, para em seguida levar esse aperfeiçoamento aos planetas onde esses Espíritos são chamados a viver.
Não choreis mais, vós todos, bem-amados parentes! Para que servem as lágrimas? Para enervar. Para desencorajar as almas. Parti primeiro, mas vireis encontrar-me. Esta certeza não é bastante poderosa para vos consolar? A rosa, que exalou seus perfumes no carvalho, morre como eu, depois de ter vivido pouco, juncando o solo de pétalas murchas. Mas o carvalho morre, por sua vez, e tem a sorte da rosa que ele chorou e cujas cores vivas se harmonizam com sua sombria folhagem.
Ainda algum tempo, e vireis a mim. Então cantaremos o cântico dos cânticos e louvaremos a Deus em suas obras, porque juntos seremos felizes, se vos resignardes à provação que vos atinge.
Aquele que foi teu irmão na Terra e te ama sempre,
B…
Vários ensinamentos importantes ressaltam desta comunicação. O primeiro é a dificuldade experimentada pelo Espírito para se exprimir com o auxílio do instrumento que lhe era dado. Conhecemos pessoalmente esse médium, que há muito tempo deu provas de força e de flexibilidade da faculdade, sobretudo no caso de evocações particulares; é o que se pode chamar um médium seguro e bem assistido. De onde vem, então, esse impedimento? É que a facilidade das comunicações depende do grau de afinidade fluídica existente entre o Espírito e o médium. Cada médium está, assim, mais ou menos apto para receber a impressão ou a impulsão do pensamento de tal ou qual Espírito. Ele pode ser um bom instrumento para um e mau para outro, sem que isto permita pressupor qualquer coisa contra suas qualidades, pois a condição é mais orgânica que moral. Assim, os Espíritos buscam, de preferência, os instrumentos com os quais vibram em uníssono. Impor-lhes o primeiro que surge e crer que dele possam servir-se indiferentemente, seria como se se impusesse a um pianista tocar violino, sob a alegação de que se ele conhece música, deve saber tocar todos os instrumentos.
Sem esta harmonia, a única que pode levar à assimilação fluídica, tãonecessária na tiptologia quanto na escrita, as comunicações ou são incompletas, ou impossíveis, ou falsas. Em falta do Espírito, que não podemos ver, se ele não pode manifestar-se livremente, não faltarão outros, sempre prontos a aproveitar a ocasião, e que pouco se preocupam com a verdade do que dizem. Essa similitude fluídica por vezes é totalmente impossível entre certos Espíritos e certos médiuns; outras vezes, e é o caso mais ordinário, ela só se estabelece gradualmente e com o tempo, o que explica por que de hábito os Espíritos que se manifestam por um médium, o fazem com mais facilidade, e por que as primeiras comunicações quase sempre atestam uma certa dificuldade e são menos explícitas.
Assim, está demonstrado ao mesmo tempo pela teoria e pela experiência que não há mais médiuns universais para as evocações senão pela aptidão aos diversos gêneros de manifestações. Aquele que pretendesse receber à vontade e em hora marcada as comunicações de todos os Espíritos e, consequentemente, poder satisfazer os legítimos desejos de todos os que querem entreter-se com os seres que lhes são caros, ou daria prova de uma ignorância radical dos mais elementares princípios da ciência, ou de charlatanismo e, em todos os casos, de uma presunção incompatível com as qualidades essenciais de um bom médium. Pudemos acreditar nisso durante algum tempo, mas hoje os progressos da ciência teórica e prática demonstram que isso, em princípio, é impossível. Quando um Espírito se comunica pela primeira vez por um médium sem qualquer dificuldade, isto se deve a uma afinidade fluídica excepcional ou anterior, entre o Espírito e seu intérprete.
É, pois, um erro impor um médium ao Espírito que se quer evocar. É preciso deixar-lhe a liberdade de escolha de seu instrumento. Mas, perguntarão, como fazer quando só se tem um médium, o que é muito frequente? Para começar, contentar-se com o que se tem e privar-se do que se não tem. Não está na alçada da ciência espírita mudar as condições normais das manifestações, assim como à química mudar as da combinação dos elementos.
Entretanto, há aqui um meio de atenuar a dificuldade. Em princípio, quando se trata de uma evocação nova, o médium deve sempre previamente evocar seu guia espiritual e perguntar se ela é possível. Em caso afirmativo, perguntar ao Espírito evocado se ele encontra no médium a aptidão necessária para receber e transmitir seu pensamento. Se houver dificuldade ou impossibilidade, pedir-lhe que o faça através do guia do médium ou que aceite a sua assistência. Neste caso o pensamento do Espírito só chega de segunda mão, isto é, depois de haver atravessado dois meios. Compreende-se, então, o quanto é importante que o médium seja bem assistido, porque se o for por um Espírito obsessor, ignorante ou orgulhoso, a comunicação será alterada. Aqui, as qualidades pessoais do médium forçosamente representam um papel importante, pela natureza dos Espíritos que ele atrai para si. Os mais indignos médiuns podem ter poderosas faculdades, mas os mais seguros são os que a essa força juntam as melhores simpatias no mundo invisível. Ora, essas simpatias não são absolutamente garantidas pelos nomes mais ou menos imponentes dos Espíritos que assinam as comunicações, mas pela natureza constantemente boa das comunicações que eles recebem.
Esses princípios são fundados simultaneamente na lógica e na experiência. As próprias dificuldades que apresentam provam que a prática do Espiritismo não deve ser tratada levianamente.
Outro fato ressalta igualmente da comunicação acima. É a confirmação do princípio segundo o qual os Espíritos inteligentes prosseguem na vida espiritual os trabalhos e estudos que tinham empreendido na vida corpórea.
É assim que nas comunicações que publicamos damos preferência àquelas de onde pode sair um ensinamento útil.
Quanto à carta do irmão vivo ao irmão morto, é uma ingenuidade e uma tocante expressão da fé sincera na sobrevivência da alma, na presença dos seres que nos são caros, e da possibilidade de continuar com essas relações de afeição que a eles nos uniam.
Sem dúvida os incrédulos rirão daquilo que aos seus olhos é uma credulidade pueril. Por mais que façam, o nada que preconizam jamais terá encanto para as massas, porque quebra o coração e as mais santas afeições; gela, em vez de aquecer; espanta e desespera, em vez de fortalecer e consolar.
Suas diatribes contra o Espiritismo têm por pivô essa doutrina apavorante do nada, então não é de admirar a sua impotência para desviar as massas das novas ideias. Entre uma doutrina desesperadora e outra consoladora, a escolha da maioria não podia ser duvidosa.
Depois da espantosa catástrofe da igreja de Santiago do Chile em 1864, encontraram na igreja uma caixa de cartas, na qual os fiéis depositavam aquelas que dirigiam à Santa Virgem. Seria possível estabelecer uma paridade entre a carta acima e estas últimas, que desencadearam a verve dos trocistas? Por certo que não. Contudo, o erro não era daqueles que acreditavam na possibilidade de corresponderse com o outro mundo, mas daqueles que exploravam essa crença, dando respostas compatíveis com o pagamento prévio anexado à carta de solicitação. Há poucas superstições que não têm seu ponto de partida numa verdade desnaturada pela ignorância. Acusado de ressuscitá-las, o Espiritismo, ao contrário, vem reduzi-las ao seu justo valor.