Autor: Guerra Junqueiro (espírito)
*
Não sabeis, não sabeis, filhas que adoro tanto,
Calcular a extensão de tantas amarguras,
Existências em flor, fustigadas de pranto,
Lírios no lamaçal das grandes desventuras…
*
Almas na escuridão da noite sem aurora,
Corpos de podridão, urnas de lama e pus,
Anjos açucenais que a miséria devora,
Pobrezitos sem pão, esquálidos e nus.
*
No entanto, há aroma e luz na beira dos caminhos,
Cantos de rouxinóis, árvores, fruto e flor,
Harmonias sutis, que se evolam dos ninhos
Dourados pelo sol dalvorada do amor!
*
Mocidade no abril resplandecente e loiro
De noivado e canção das almas virginais;
Entoando a sorrir mil ditirambos de oiro,
Como as aves gracis em voos nos trigais.
*
A alegria taful das manhãs harmoniosas
Em que maio desfolha os cravos e os jasmins,
Espargindo dos céus as glicínias formosas,
Na esmeraldina cor do colo dos jardins!
*
E Deus que fez o Sol e a candura das crianças,
Fez também o soluço e a lágrima dorida,
E se fez a bondade envolta de esperanças,
Criou a dor clareando a escuridão da vida.
*
Há risos e esplendor e há prantos, filhas minhas,
Porque o pranto é que lava as manchas e os negrumes
De almas torvas e vis, misérrimas, mesquinhas,
Transformando-as em luz e em vasos de perfumes!…
*
A lágrima da dor é estrela que transluz,
Um coração que sofre é chama que se eleva
Da túrbida hediondez dos pantanais da treva,
Às regiões da glória intérmina da luz.
*
Sobre o escuro, porém, das lepras mal-cheirosas,
Paira o clarão do amor, edênico e sem par,
Que liga o verme ao mar, que une a pomba às rosas,
Que o grão de areia une ao roble secular.
*
O amor que fraterniza, o amor que dá saúde,
Que irmana a fera e a rosa, as aves e os chacais,
Que faz da Caridade a flama da Virtude,
Que sublime conduz aos planos celestiais.
*
Filhas que Deus me deu, vinde alegres, comigo,
Vinde comigo ver a dor dos desgraçados
Que chorando se vão, sem pátria e sem abrigo,
Cheios de sânie e pus, com os corpos cancerados.
*
Aproveitemos, pois, esta hora calma e mansa,
Em que há músicas no ar e olores nas estradas,
Hora em que a Terra acorda em haustos de esperança,
Ébria de aroma e luz das flores orvalhadas.
*
Saúdam o alvorecer as vozes das ovelhas,
Perpassam colibris, chilreia a passarada,
Zumbem sofregamente as trêfegas abelhas,
Compondo o hino de sol de esplêndida alvorada!
*
Partamos nós, também, por este mundo afora,
Nutrindo o coração na fonte da esperança,
Dando consolo à dor, à treva a luz da aurora,
A paz à guerra e à luta os lírios da bonança.
*
Conduzamos conosco a luz da Caridade,
Oferecendo o Bem aos pobres pequeninos,
Ofertando com amor a toda a Humanidade
Esse pão divinal que é dos trigais divinos.
*
Espalhemos a Fé, a Caridade e a Crença,
Tenhamos a noss’alma em delubros de luz,
E acharemos no fim da romaria imensa,
O sol primaveril da graça de Jesus!
Nota
A poesia acima, psicografada por Francisco Cândido Xavier, faz parte do livro Parnaso de Além-Túmulo
Obra completa: https://www.febeditora.com.br/parnaso-de-alem-tumulo