Autor: Jorge Hessen
O pesquisador inglês Richard Layard (1) escreve sobre a dificuldade que a ciência atual encontra para pronunciar-se a propósito da felicidade e de como obtê-la. Para ele, “a ciência acadêmica é muito eficiente em lidar com as coisas físicas e com o controle da natureza. Mas o que se relaciona à alma humana, ou ao espírito humano, é muito diverso, pois, para a ciência cartesiana, pessoas são resultados de processos ainda não completamente entendidos do cérebro, com corpos e comportamentos ditados por suas disposições genéticas, e tudo o que são, ou expressam, resulta de suas interações com o ambiente e de seus próprios arranjos ou desarranjos biológicos”. (2)
Desde a década de 80 do século XX há uma chamada “ciência da felicidade”, e alguns pesquisadores, ainda no universo do paradigma oficial utilitarista, estão tentando criar um índice econométrico, a tal “Felicidade Interna Bruta”, capaz de medir o nível de felicidade dos cidadãos de um país. Os estudos apontam, por exemplo, que a riqueza não consolida a felicidade das pessoas no mundo desenvolvido. “Defender um crescimento econômico contínuo não é o mesmo que ter como objetivo uma sociedade mais feliz.” (3)
Alguns acadêmicos “descobriram” que a felicidade é uma obra coletiva e, como tal, ela se fundamenta muito mais nas relações que temos com as outras pessoas do que nas relações que temos com os bens e utensílios que utilizamos no nosso dia a dia. Para Layard: “há um lado profundamente egoísta na nossa natureza, mas é o trabalho de cultura apoiar o nosso altruísmo natural contra o nosso egoísmo natural”. (4) Um dos conceitos básicos da Revolução Francesa, marco da moderna sociedade ocidental, é que o objetivo da sociedade deveria ser a felicidade geral. Na Constituição americana, já na segunda linha está escrito que todo homem tem o direito inalienável à vida, à liberdade e à busca da felicidade.
Historicamente, a felicidade – expressão por excelência do espírito humano – foi o objeto de discussão das propostas filosóficas. Na Grécia, por exemplo, Epicuro procurou demonstrar que a sabedoria era a chave da felicidade. Antes dele, Diógenes, “O Cínico”, estabelecia que o homem deveria desdenhar todas as leis, exceto as da Natureza, vivendo de acordo com a própria consciência e com total desprezo pelas convenções humanas e sociais. Há 2.400 anos, Sócrates, considerado o pai da ciência moral, em sua dialética, a expressar-se não raro de forma irônica, combatia os males que os homens fomentam para gozarem de benefícios imediatos, objetivando, com essa atitude de reta conduta, o bem geral, a felicidade comunitária. A ideia socrática expõe um debate que permanece até hoje: o que é felicidade? Como atingi-la? Até então, os gregos acreditavam que dependia basicamente dos desígnios dos deuses.
Outro problema no estudo da felicidade é que o termo não comporta definições precisas. É bem-estar? É satisfação? É êxtase? É a serenidade da contemplação? O conceito de felicidade é incerto. Modifica-se de acordo com a ocasião e a concepção social, econômica e espiritual de cada um. Pode se expressar, momentaneamente, em uma viagem, na saúde, numa festa de aniversário, na companhia de um amigo e noutras situações. Mas, será que “pode o homem gozar de completa felicidade na Terra? Os Espíritos afirmam que não!” Por isso que a vida nos foi dada como prova ou expiação. “Depende de cada um a suavização de seus males e o ser tão feliz quanto possível na Terra.” (5) Não podemos esquecer que a Terra é um mundo atrasado sob o ponto de vista moral. Por isso, a felicidade total não se encontra aqui no orbe, todavia, em mundos mais evoluídos. Em nosso planeta, a felicidade é relativa, conforme encontramos descrito no item 20 do capítulo V de “O Evangelho segundo o Espiritismo”. (6)
Confundir felicidade com cobiça e bel-prazer é uma distorção proposta inicialmente pelo epicurismo, pelo cinismo, pelo estoicismo. (7) Ainda hoje acredita-se que a felicidade está na satisfação da vaidade e dos desejos. Por isso, são tão valorizados e idolatrados o silicone, o botox, a roupa de grife, a plástica estética e o carrão zerado. O mundo exige que as pessoas estejam permanentemente “bonitas”, “alegres” e, por isso, ele se tornou o paraíso das drogas e do Prozac. Muitas mulheres fazem análise justamente porque são muito bonitas e têm dificuldade de lidar com a beleza.
Em uma sociedade feliz, onde o homem fosse consciente da vontade de Deus, isto é, da prática do bem, não haveria violência, drogas, sequestros, prostituição, poligamia, traição, inveja, racismo, inimizades, tristeza, fome, ganância e guerras; e mais, não encontraríamos pessoas perambulando pelas ruas, embriagadas, sujas, cabelos desgrenhados, roupas ensebadas, catando coisas no lixo ou esmolando, em razão de quedas morais. As teorias atuais sobre o bem-estar em Psicologia e Economia deixam ainda a desejar. Urge que novas propostas teóricas interpretem a felicidade em termos de valores mais duradouros. Astrólogos, quiromantes, místicos e embusteiros de toda sorte também enriquecem às custas da ingenuidade alheia, fomentando a ilusão de uma fórmula mágica para a prosperidade. A felicidade não é resultante de privilégios biogenéticos (cerebrais) e de personalidade, nem mesmo pode ser adquirida pela obtenção de um bem de consumo.
Cremos que a felicidade depende, exclusivamente, de cada criatura. Esguicha da sua intimidade, depende de seu interior, como instruiu o Mestre dos Mestres: “o reino dos céus está dentro de vós”. (8) A legítima felicidade reside na conquista dos tesouros imperecíveis da alma. Estabelecendo, conforme o Eclesiastes, que a verdadeira “felicidade não é deste mundo”, (9) Jesus preconizou que o homem deve viver no mundo sem pertencer ao mundo, facultando-lhe o autodescobrimento para superar o instinto e sublimá-lo com as conquistas da razão, a fim de planar nas asas da angelitude.
A felicidade se expressa no bem que se faz ao próximo. Quando o “eu” egoísta de cada ser tiver cedido lugar ao amor pelo seu semelhante, iremos presenciar uma comunidade equilibrada, harmônica e feliz. O Espiritismo nos dá suporte moral e outras diversas motivações, revelando-nos a imortalidade, a reencarnação e o movimento de causa e efeito. Explica-nos que a felicidade é possível e que se constrói no dia a dia pelo esforço continuado, fortalecendo-nos para a luta contra as nossas tendências inferiores.
Aprendamos a notar o mundo pelo prisma do Espírito e sejamos felizes, compreendendo a vida como um dom de Deus.
Referências
(1) RICHARD Layard, renomado economista britânico e que integra a Câmara dos Lordes; é diretor do Centre of Economic Performance da London School of Economics.
(2) Disponível em <diário da saúde> acesso em 25/07/11
(3) idem
(4) idem
(5) Kardec, Allan. O Livro dos Espíritos, RJ: Ed FEB, 2000, perg. 920
(6) Kardec, Allan. O Evangelho segundo o Espiritismo, RJ: Ed FEB, 2003, item 20, Cap. V
(7) Primeiras escolas de filosofia gregas a pensar a moral de forma individual
(8) [6] (Lucas 17: 20-21).
(9) (Eclesiastes 6: 1-5)
O consolador – Ano 1 – N 3