Revista Espírita, março de 1859
Sonâmbula, falecida em Annonay, há mais ou menos um ano; sua lucidez era, sobretudo, notável para as questões médicas, embora iletrada em seu estado natural.
Um de nossos correspondentes, que a conhecera em vida, pensando que se poderia obter dela notícias úteis, endereçou-nos algumas perguntas que nos pediu fazer-lhe, se julgássemos oportuno interrogá-la, o que fizemos na sessão da Sociedade do dia 28 de janeiro de 1859. Às questões de nosso correspondente, acrescentamos todas as que nos pareceram ter algum interesse.
1. Evocação. – R. Estou aqui; o que quereis de mim?
2. Tendes uma lembrança exata de vossa existência corpórea? – R. Sim, muito precisa.
3. Poderíeis pintar-nos vossa situação atual? – R. É a mesma de todos os Espíritos que habitam nossa Terra: geralmente possuem a intuição do bem, e todavia não podem obter a felicidade perfeita, reservada unicamente à maior perfeição.
4. Quando vivíeis, éreis sonâmbula lúcida; poderíeis dizer se a vossa lucidez, então, era análoga a que tendes agora como Espírito? – R. Não: diferia em que não tinha a prontidão e a justeza que meu Espírito possui hoje.
5. A lucidez sonambúlica é uma antecipação da vida espírita, quer dizer, um isolamento do Espírito, com relação à matéria? – R. E uma das fases da vida terrestre; mas a vida terrestre é a mesma que a vida celeste.
6. Que entendeis dizendo que a vida terrestre é a mesma que a vida celeste? – R. Que a cadeia de existências está formada por anéis seguidos e contínuos: nenhuma interrupção lhe vem deter o curso. Pode-se dizer, pois, que a vida terrestre é a continuação da vida celeste precedente e o prelúdio da vida celeste futura e, assim, sem interrupção, por todas as encarnações que um Espírito pode ter que sofrer: o que faz com que não haja, entre essas duas existências, uma separação tão absoluta como o credes.
Nota. Durante a vida terrestre, o Espírito, ou a alma, pode agir independentemente da matéria, e o homem goza, em certos momentos, da vida espírita, seja durante o sono, seja mesmo no estado de vigília. As faculdades do Espírito se exercendo apesar da presença do corpo, há entre a vida terrestre e a vida de além-túmulo uma correlação constante, o que fez a senhora Reynaud dizer que é a mesma: a resposta seguinte definiu claramente seu pensamento.
7. Por que, então, todo o mundo não é sonâmbulo? – R. Ignorais ainda, pois, que todos vós o sois, mesmo sem sono e muito despertos, em graus diferentes?
8. Concebemos que todos o somos, mais ou menos, durante o sono, uma vez que o estado de sonho é uma espécie de sonambulismo imperfeito; mas, que entendeis dizendo que o somos mesmo no estado de vigília? – R. Não tendes as intuições, das quais não vos apercebeis, e que não são outra coisa que uma faculdade do Espírito? O poeta é um médium, um sonâmbulo.
9. Vossa faculdade sonambúlica contribuiu para o vosso desenvolvimento como Espírito depois da morte? – R. Pouco.
10. No momento da morte, estivestes muito tempo na perturbação? – R. Não; eu me reconheci logo: estava cercada de amigos.
11. Atribuís à vossa lucidez sonambúlica o vosso pronto desligamento? – R. Sim, um pouco. Conheci antes a sorte dos agonizantes; mas isso não me teria servido para nada, se não possuísse uma alma capaz de encontrar uma vida melhor por melhores faculdades.
12. Pode-se ser bom sonâmbulo sem possuir um Espírito de uma ordem elevada? – R. Sim. As faculdades estão sempre em relação: somente vos enganais crendo que tais faculdades pedem boas disposições; não, o que credes bom, frequentemente, é mau: desenvolveria isso, se me compreendêsseis.
Há sonâmbulos que conhecem a fundo o futuro, que contam fatos que chegam e dos quais não têm nenhum conhecimento no seu estado normal; há outros que sabem pintar perfeitamente os caracteres daqueles que os interrogam, indicar exatamente um número de anos, uma soma em dinheiro, etc.: isso não pede nenhuma superioridade real; é simplesmente um exercício da faculdade que o Espírito possui e que se manifesta no sonâmbulo adormecido. O que requer uma superioridade real é o uso que dela se pode fazer para o bem; é a consciência do bem e do mal; é conhecer Deus melhor do que os homens o conhecem; é poder dar conselhos próprios para fazer progredir no caminho do bem e da felicidade.
13. O uso que um sonâmbulo faz de sua faculdade influi sobre o seu estado de Espírito depois da morte? – R. Sim, muito, como o uso bom ou mau de todas as faculdades que Deus nos concedeu.
14. Poderíeis nos explicar como tínheis conhecimentos médicos, sem fazer nenhum estudo? – R. Sempre faculdade espiritual: outros Espíritos me aconselhavam; eu era médium: é o estado de todos os sonâmbulos.
15. Os medicamentos que um sonâmbulo prescreve, são sempre indicados por um Espírito, ou o são também por instinto, como entre os animais que vão procurar a erva que lhes é salutar? – R. Indicam-lhe se pede conselhos, no caso em que sua experiência não basta. Conhece-os pelas suas qualidades.
16. O fluido magnético é o agente da lucidez sonambúlica como a luz para nós? – R. Não, é o agente do sono.
17. O fluido magnético é o agente da visão, no estado de Espírito? – R. Não.
18. Vede-nos aqui tão claramente como se estivésseis viva, com o vosso corpo? – R. Melhor, agora: o que vejo a mais é o homem interior.
19. Ver-nos-íeis do mesmo modo se estivéssemos na obscuridade? – R. Igualmente bem.
20. Vede-nos tão bem, melhor ou menos bem do que veríeis em vida, mas em sonambulismo? – R. Melhor ainda.
21. Qual é o agente ou a intermediário de que vos servis para ver-nos? – R. Meu Espírito. Não tenho nem olho, nem pupila, nem retina, nem cílios, e, todavia, eu vos vejo melhor do que qualquer de vós vê seu vizinho: é pelo olho que vedes, mas é o vosso Espírito quem vê.
22. Tendes consciência da obscuridade? – R. Sei que ela existe para vós; para mim ela não existe.
Nota. Isso confirma o que sempre dissemos, que a faculdade de ver é uma propriedade inerente à própria natureza do Espírito e que reside em todo o seu ser; no corpo ela está localizada.
23. A dupla vista pode ser comparada ao estado sonambúlico? – R. Sim: a faculdade que não vem do corpo.
24. O fluido magnético emana do sistema nervoso ou está espalhado na massa atmosférica? – R. Do sistema nervoso; mas o sistema nervoso o aure na atmosfera, foco principal. A atmosfera não o possui por si mesma, ele vem de seres que povoam o Universo: não é o nada que o produz, ao contrário, é a acumulação da vida e da eletricidade que essa multidão de existências libera.
25. O fluido nervoso é um fluido próprio ou seria o resultado de uma combinação de todos os outros fluidos imponderáveis que penetram no corpo, tais como o calor, a luz, a eletricidade? – R. Sim e não: não conheceis bastante esses fenômenos para deles falar assim; vossas palavras não exprimem o que quereis dizer.
26. De onde vem o adormecimento produzido pela ação magnética? – R. A agitação produzida pela sobrecarga de fluido que obstrui o magnetizado.
27. A força magnética, no magnetizador, depende de sua constituição física? – R. Sim, mas sempre de seu caráter: em uma palavra, dele mesmo.
28. Quais são as qualidades morais que, num sonâmbulo, podem ajudar o desenvolvimento de suas faculdades? – R. As boas: perguntastes o que pode ajudar.
29. Quais são os defeitos que mais o prejudicam? – R. A má fé.
30. Quais são as qualidades mais essenciais no magnetizador? – R. O coração; as boas intenções sempre firmes; o desinteresse.
31. Quais são os defeitos que mais o prejudicam? – R. Os maus pendores, ou antes, o desejo de prejudicar.
32. Quando viva, víeis os Espíritos em vosso estado sonambúlico? – R. Sim.
33. Por que todos os sonâmbulos não os veem? – R. Todos os vêem por momentos, e em diferentes graus de claridade.
34. De onde vem, para certas pessoas não sonâmbulas, a faculdade de ver os Espíritos no estado de vigília? – R. Isso é dado por Deus, como a outros a inteligência ou a bondade.
35. Essa faculdade procede de uma organização física especial? – R. Não.
36. Essa faculdade pode se perder? – R. Sim, como pode ser adquirida.
37. Quais são as causas que podem fazê-la perder? – R. As más intenções, dissemos. Por condição primeira, é preciso procurar propor-se, realmente, fazer dela um bom uso; uma vez definido isso, julgai se mereceis esse favor, porque ela não é dada inutilmente. O que prejudica àqueles que a possuem, é que, quase sempre, misturam-lhe essa infeliz paixão humana que conheceis tão bem (o orgulho), mesmo com o desejo de conseguir os melhores resultados; glorifica-se com o que não é senão obra de Deus, e, frequentemente, se quer dela tirar proveito. – Adeus.
38. Para onde ides, em nos deixando? – R. Às minhas ocupações.
39. Poderíeis dizer-nos quais são as vossas ocupações? – R. Tenho-as como vós; trato primeiro de me instruir e, por isso, misturo-me às sociedades melhores do que eu; como lazer faço o bem, e minha vida se passa na esperança de alcançar maior felicidade. Não temos nenhuma necessidade material a satisfazer e, por conseguinte, toda a nossa atividade se dirige para o nosso progresso moral.