Autor: Vladimir Polízio
Foi numa dessas oportunidades que tive de rever trechos do Evangelho de Jesus, mais precisamente o que está capitulado no tópico IX, que fala sobre “injúrias e violências”, que fui procurado por duas senhoras, sobre o tema.
Ao final da exposição, uma delas, com passos lentos, cabelos integralmente grisalhos e apresentando ligeira inquietação, que depois fiquei sabendo que seu estado estava relacionado ao assunto abordado, dirigindo-se a mim, perguntou em tom inquisitivo:
‒ “Mas, sendo assim, por essa parábola temos mesmo que aplicar a doçura, a moderação, a mansuetude, a afabilidade e a paciência!”, no que eu respondi:
‒ “Sim, temos que ser tolerantes e muito tranquilos para solucionar os problemas a que somos chamados”.
Foi então que me disse de um assunto que a estava preocupando demais e não sabia como resolver. Viúva, com pouco mais de 80 anos, filhos e netos, de quando em quando a procuravam para obter algum tipo de auxílio, alguma ajuda financeira que pudesse sanar dívidas pendentes. E sempre conseguiam o intento desejado.
Justificou-se dizendo que não estava se sentindo bem naquela situação, pois queria falar alguma coisa com o grupo familiar sobre a conduta desequilibrada dos beneficiados, porém não se sentia encorajada para tanto, pois aprendera no Espiritismo que a bondade deve prevalecer, acima de tudo. E isso a deixava desgastada, constrangida às vezes, já que se sentia obrigada a fazer coisas que não queria.
Na verdade, esse é apenas um singelo retrato do que vivemos na atualidade.
A exploração vivida particularmente pelos idosos começa em casa, entre as paredes do próprio lar, sagrado ambiente em que a divina providência reserva a cada um, como mecanismo do progresso. É aí que vemos os aproveitamentos de ordem econômica praticados primeiramente pelos filhos e depois pelos que lhes vêm na sequência.
Ser bom não é o mesmo que ser tolo; deixar subjugar-se a uma pressão sem que haja uma real motivação não parece alinhar-se à lógica das coisas. De fato, não tem sentido.
Filhos chegam a exigir que os pais, ou isoladamente, comprem o que eles julgam precisar e, não satisfeitos, ainda pedem que façam empréstimos em bancos ou outras instituições, assinem o compromisso e repassem os valores a cada um deles.
Há um caso grave que conhecemos, por exemplo, que o único bem que possuía, a casa em que morava, foi penhorada para atender a um pedido do neto que estava encrencado com o montante de sua dívida.
Quando a sombra de precária situação econômica se avizinha ou cobre pessoa da família, um socorro amigo é mais do que bem-vindo.
Conversa-se entre os familiares estabelecendo planos prioritários envolvendo enxugamento de gastos e economiza-se aqui e ali até alcançar o equilíbrio financeiro adequado, restabelecendo o bem-estar. Esse é um dos casos em que se justificam as medidas de ajustes na contenção das despesas.
Aquisição de medicamentos para auxiliar alguém, custeio de procedimentos cirúrgicos e outras incontáveis situações que sabemos existirem, se constituem em motivos dos mais relevantes para assumir sozinho ou somar com outros, para conseguir os benefícios dessa natureza.
Envolver-se em aperto financeiro, mesmo que temporário, para superar dívidas por irresponsabilidade, descaso ou imprevidência, não merece os sacrifícios que estão sendo vividos por certas pessoas, como este exemplo em que a mãe, viúva e doente, empregando apenas o coração como fiel da balança, perca a sua casa hipotecada para atender ao clamor de um filho, de um neto, que não mede as consequências de seus atos.
Como não tem sido raro de se ver interpretações errôneas que acabam levando as pessoas às raias do desespero, lembramos da recomendação que nos ofereceu André Luiz [1], com o título “A serpente e o santo”, onde o benfeitor faz ver que o fato de “ser bom” sempre foi e continua sendo uma virtude, uma conquista importante e necessária em nossa vida.
“Contam as tradições populares da Índia que existia uma serpente venenosa em certo campo. Ninguém se aventurava a passar por lá, receando-lhe o assalto. Mas um santo homem, a serviço de Deus, buscou a região, mais confiante no Senhor que em si mesmo. A serpente o atacou, desrespeitosa. Ele dominou-a, porém, com o olhar sereno, e falou:
‒ Minha irmã, é da lei que não façamos mal a ninguém. A víbora recolheu-se, envergonhada.
Continuou o sábio o seu caminho e a serpente modificou-se completamente. Procurou os lugares habitados pelo homem, como desejosa de reparar os antigos crimes. Mostrou-se integralmente pacífica, mas, desde então, começaram a abusar dela.
Quando lhe identificaram a submissão absoluta, homens, mulheres e crianças davam-lhe pedradas. A infeliz recolheu-se à toca, desalentada. Vivia aflita, medrosa, desanimada.
Eis, porém, que o santo voltou pelo mesmo caminho e deliberou visitá-la. Espantou-se, observando tamanha ruína. A serpente contou-lhe, então, a história amargurada. Desejava ser boa, afável e carinhosa, mas as criaturas perseguiam-na e apedrejavam-na. O sábio pensou, pensou e respondeu após ouvi-la:
‒ Mas, minha irmã, houve engano de tua parte. Aconselhei-te a não morderes ninguém, a não praticares o assassínio e a perseguição, mas não te disse que evitasses de assustar os maus. Não ataques as criaturas de Deus, nossas irmãs no mesmo caminho da vida, mas defende a tua cooperação na obra do Senhor. Não mordas, nem firas, mas é preciso manter o perverso a distância, mostrando-lhe os teus dentes e emitindo os teus silvos.”
O consolador – Artigos