Autor: Ricardo Baesso de Oliveira
A tradição cristã não tem sido complacente com a atividade sexual desvinculada de uma relação afetiva estável. Jesus foi rigoroso nesse particular, apresentando o conceito revolucionário de “pecado pelo pensamento”, contraditoriamente à ética judaica, segundo a qual a infração à Lei de Deus só se dá na concretização material do ato e jamais no desejo não materializado. Segundo Jesus, todo aquele que olhar para uma mulher, cobiçando-a, já no seu coração adulterou com ela. [1]
Paulo, em suas epístolas, valeu-se do vocábulo fornicação, combatendo veementemente tal prática. [2] Entende-se como tal o ato sexual que não é entre cônjuges, ou seja, o sexo fora de uma relação afetiva monogâmica consentida. Agostinho dedicou a obra Dos bens do matrimônio para tratar dos assuntos relacionados ao casamento, pois somente através dele seria possível o exercício do “sexo virtuoso”.
Kardec estabeleceu que as relações monogâmicas representam um progresso na marcha da humanidade e que na poligamia, não há afeição real – só existe sensualidade[3].
Isso se explica pela própria dinâmica do relacionamento monogâmico. Uma das características dessa relação, obviamente, onde estão presentes o respeito e fidelidade ao outro, é que com a continuidade da vida a dois, os parceiros vão, naturalmente, modulando seus impulsos sexuais. As ocorrências do dia a dia, as preocupações com os filhos e depois com os netos, os processos paulatinos de envelhecimento da organização física levam a redução da libido e isso faz com os parceiros aprendam a permutar os valores afetivos através do beijo, do abraço ou do diálogo afetuoso.
Tudo isso contribui para o aprimoramento da afetividade, antecipando numa relação corpórea o que deverá se dar com o Espírito em sua longa marcha para a angelitude. Observa-se, como regra geral, uma redução progressiva da frequência do número de intercursos sexuais em uma relação monogâmica, sem que os parceiros se ressintam demasiadamente desse fato.
Assim, a função sexual vai sendo paulatinamente burilada e as motivações existenciais serão direcionadas para outras funções da personalidade, contribuindo no desenvolvimento intelecto-moral da entidade reencarnada. Tal dinâmica não é observada nas relações múltiplas entre parceiros não comprometidos afetivamente, onde a libido, pela variação constante, mantém-se pujante. Perdem, portanto, as personalidades envolvidas na relação a oportunidade de sublimarem os sentimentos, deixando de caminhar em direção a uma vida mais identificada com os valores do Espírito. Lembra Kardec que a sobre-excitação dos instintos materiais abafa o senso moral. [4]
Os autores desencarnados que se valeram da mediunidade de Yvonne Pereira, Chico Xavier, Raul Teixeira e Divaldo Franco assumiram o pressuposto de que a prática sexual ideal seria aquela que se desse entre pessoas comprometidas por laços duradouros de afeto.
De acordo com Emmanuel, urge situar o sexo a serviço do amor, sem que o amor se lhe subordine. Valendo-se da expressiva metáfora do rio e do dique, o benfeitor propõe que imaginemos o sexo como o rio e o amor como o dique e coloca: O rio fecunda. O dique controla. O rio espalha forças. O dique policia-lhes a expansão. No rio, encontramos a Natureza. No dique, surpreendemos a disciplina. Se a corrente ameaça a estabilidade de construções dignas, comparece o dique para canalizá-la proveitosamente, noutro nível. Contudo, se a corrente supera o dique, aparece a destruição, toda vez que a massa líquida se dilate em volume. Tanto quanto o dique precisa erguer-se em defensiva constante, no governo das águas, deve guardar-se o amor em permanente vigilância, na frenação do impulso emotivo.[5]
Tal natureza de pensamento encontra argumentação no entendimento das finalidades da prática sexual, conforme apresentadas por Emmanuel, em momentos distintos do livro Vida e sexo. O sexo casual não se identifica com essas finalidades, como passamos a examinar.
A função sexual, segundo Emmanuel, possui três objetivos fundamentais:
- Reprodução da espécie.
- Permuta de vibrações amorosas entre aqueles que se amam.
- Estabelecimento e manutenção dos elos conjugais.
A mais óbvia das finalidades do sexo é a reprodução da espécie, presente em espécies evolutivamente bem mais simples que a nossa. Devemos ao sexo a formação do tesouro do lar e as alegrias restauradoras da família. O sexo casual não atende a essas funções, pois está relacionado, exclusivamente, ao usufruto do prazer, que não é problemático em si mesmo, mas que não se identifica com o objetivo citado.
A segunda finalidade do sexo está na permuta de vibrações amorosas entre aqueles que se amam. Segundo André Luiz, o amor é o alimento da alma e uma das formas de nos alimentarmos do amor da pessoa querida é através da relação sexual.[6]
Isso ocorre porque o instinto sexual não é apenas agente de reprodução entre as formas superiores, mas, acima de tudo, é o reconstituinte das forças espirituais, pelo qual as criaturas se alimentam mutuamente, na permuta de raios psíquicos magnéticos que lhes são necessários ao progresso. [7] Tal como dito anteriormente, o sexo casual também não atende essa finalidade, pois não está fundamentado numa relação amorosa, na medida em que busca apenas a satisfação do desejo, sem compromissos com o sentimento e a afetividade alheia.
E, finalmente, a terceira finalidade do sexo, por motivos óbvios, não identificada com o sexo casual: estabelecer e manter os elos conjugais. O afeto vincula as criaturas, umas às outras, permitindo-se também o intercâmbio de hormônios psíquicos, realmente responsáveis pela harmonia e saúde integral de todos os seres humanos.
Está bem estabelecido, hoje, que a cópula provoca em algumas espécies, inclusiva a humana, comportamentos sociais chamados afiliativos, através dos quais o macho e a fêmea formam um par relativamente estável, preparando-se ambos para receber os filhotes. Os comportamentos afiliativos dessa natureza são muito importantes biologicamente, pois protegem a fêmea durante a gravidez, e garantem a sobrevivência da prole após o nascimento, quando os filhotes não têm ainda maturidade fisiológica necessária para a vida independente. O hipotálamo é o principal integrador do comportamento sexual, e dois neuropeptídios foram apontados como os principais moduladores neurais dos comportamentos sexuais: a oxitocina (ou ocitocina) e a vasopressina. Esses peptídeos são produzidos por neurônios centrais, participantes essenciais dos circuitos envolvidos nos comportamentos sexuais. A vasopressina está envolvida mais fortemente nos comportamentos sexuais masculinos, enquanto a oxitocina atua predominantemente nas fêmeas. Ambos os peptídeos são fortemente secretados durante a excitação sexual, atingindo o nível mais alto durante o orgasmo. O cérebro fica assim preparado para emitir os comportamentos afiliativos e sexuais adequados para as situações de acasalamento ou de cuidados com a prole. [8]
Nesse particular, a prática sexual humana é especialmente curiosa. Nossa atividade sexual ocorre em privacidade. Chimpanzés e praticamente todas as outras espécies de mamíferos se acasalam em público. Em praticamente todas as culturas humanas, contudo, fazer sexo em público é considerado ofensivo, vexatório, sendo usualmente ilegal. Por que isso? Fazer sexo privadamente estabelece um elo especial entre os parceiros. Há todos os tipos de emoções intensas rodeando a sexualidade humana e os parceiros têm que vivenciar essas emoções exclusivamente entre eles, isolados de todos os demais membros do grupo. Por esse motivo, o orgasmo é acompanhado de uma descarga maciça de oxitocina, que promove a vinculação, gerando um sentimento de ternura, de carinho de um pelo outro e o desejo de continuarem juntos, prezando o relacionamento.[9]
Joanna de Ângelis, em obra de 2007, se reporta a esses recentes avanços da neurociência, quando comenta que o amor, na função sexual, é muito importante, mesmo do ponto de vista fisiológico, porque a liberação da oxitocina proporciona harmonia, já que esse hormônio é responsável pela sensação de paz que os parceiros experimentam no clímax da coabitação. A máquina cerebral é tão extraordinária na sua funcionalidade que, nesse momento, também libera opioides que respondem pela satisfação e alegria derivadas da comunhão orgânica, impossibilitando os atritos e as disposições agressivas. Desse modo, a comunhão sexual contribui poderosamente em favor da harmonia entre os parceiros, melhorando os grupos sociais, evitando as costumeiras agressões e crueldades. Nos indivíduos satisfeitos sexualmente e harmonizados, sem os conflitos angustiantes e perturbadores da insegurança, da timidez, da inferioridade, predominam a alegria de viver, o bem-estar em relação à existência, o desejo natural da procriação, da proteção à família, da boa luta em favor do progresso pessoal e da comunidade.[10]
Habitualmente, são relacionados ao sexo casual alguns problemas.
As doenças sexualmente transmissíveis são praticamente inexistentes entre casais que vivenciam uma sexualidade monogâmica. Aids, sífilis e outras venereopatias são apanágios do sexo casual. Algumas delas, que já se encontravam em declínio, voltaram a crescer, como a sífilis, que nos últimos anos teve sua prevalência aumentada em centenas de vezes. Ginecologistas têm se reportado a casos de sífilis em adolescentes de 12, 13 e 14 anos.
A gravidez na adolescência é também problema relacionado ao sexo casual. A gravidez na adolescência é atualmente um dos mais significantes problemas sociais em todo o mundo. No Brasil, dados da Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura (UNESCO) mostram que a maioria das mães solteiras é do interior do Nordeste e tem entre 10 e 14 anos. Esses mesmos dados indicam que 25% das meninas entre 15 e 17 anos que deixam a escola o fazem por causa da gravidez, que assim vem se tornando a maior causa de evasão escolar. A gravidez precoce e suas complicações são a principal causa de mortalidade entre adolescentes do sexo feminino de 15 a 19 anos, sendo a terceira causa de óbitos entre as mulheres no Brasil, perdendo apenas para homicídios e acidentes de transportes.[11]
Examinando o tema, Joanna comenta que na adolescência a realidade e a fantasia confundem-se, proporcionando à imaginação soluções de fácil ocorrência para qualquer desafio, particularmente no que diz respeito aos relacionamentos afetivos.[12]
Lembra também que havendo filhos, como resultado da afetividade desgovernada, mais complexo torna-se o quadro da convivência que, infelizmente, termina em separação litigiosa, com acusações pesadas de parte a parte, assinalando profundamente a psique da prole, quando cada um dos litigantes não se escuda nos filhos para melhor ferir o outro, a quem atribui a culpa do insucesso.
E coloca, ainda, a autora espiritual, que a predominância dos impulsos sexuais na fase juvenil do ser humano está a merecer expressiva contribuição psicológica e educacional, a fim de que se possam evitar os desastres que decorrem da insensatez e da precipitação.
O uso excessivamente precoce do sexo acompanha-se, como visto, de consequências muitas vezes lamentáveis: gravidez prematura, distúrbios emocionais, viciações sexuais, desmotivações para as diferentes atividades dessa fase da vida, na medida em que erótica precocemente ativada, por sua natureza altamente prazerosa, acaba centralizando todos os interesses do adolescente, que perde notáveis oportunidades de viver de forma saudável essa etapa da vida orgânica.
Necessário acrescentar ainda como dificuldades relacionadas ao sexo casual as frustrações afetivas, o tormento íntimo pela busca vulgarizada do prazer e a insatisfação constante decorrente de uma prática sexual que pode aliviar a tensão, mas que não enriquece a personalidade.
Segundo Emmanuel, conferir pretensa legitimidade às relações sexuais irresponsáveis seria tratar “consciências” qual se fossem “coisas”, e se as próprias coisas, na condição de objetos, reclamam respeito, que se dirá do acatamento devido à consciência de cada um?[13]
A ausência de sentimento superior no ato sexual, segundo Joanna, dá surgimento a contatos apressados, destituídos de significado emocional, que não chegam a produzir a harmonia interior esperada, nem a saciedade, antes induzindo a novas e variadas experiências, na busca mágica de intérmino prazer que mais cansa do que produz bem-estar.[14]
Referindo-se às relações sexuais fortuitas, oriundas de buscas virtuais, Joanna de Ângelis comenta que os relacionamentos virtuais através da INTERNET, quando, cada qual oculta os conflitos e transfere-os para a responsabilidade de outrem, ensejam encantamentos paradisíacos, despertam paixões vulcânicas, resultantes todos das insatisfações acumuladas, instalando perigosos transtornos neuróticos de consequências lamentáveis.[15]
Ressalta, ainda, Joanna que o sexo deve ser exercido com a valiosa contribuição do amor, que estimula a produção dos hormônios propiciatórios ao prazer e ao equilíbrio, sem a pressa dos indivíduos psicologicamente irrealizados, tanto quanto daqueles que, saturados de experiências bizarras, esperam satisfação apenas orgânica, sem a contribuição da emoção plenificadora. [16]
André Luiz, por sua vez, comenta que o instinto sexual a desvairar-se na poligamia, traça para si mesmo largo roteiro de aprendizagem a que não escapará pela matemática do destino que nós mesmos criamos. Lembra André que a monogamia é o clima espontâneo do ser humano, de vez que dentro dela realiza, naturalmente, com a alma eleita de suas aspirações a união ideal do raciocínio e do sentimento, com a perfeita associação dos recursos ativos e passivos, na constituição do binário de forças, capaz de criar não apenas formas físicas, para a encarnação de outras almas na Terra, mas também as grandes obras do coração e da inteligência, suscitando a extensão da beleza e do amor, da sabedoria e da glória espiritual que vertem, constantes, da Criação Divina. [17]
Referência
[1] Mateus, V: 27-28
[2] Efésios, 5,5 e Gálatas 5,19
[3] LE, itens 695 e 701
[4] LE, item 754
[5] Religião dos Espíritos, cap. 53
[6] Nosso lar, cap. 18
[7] Evolução em dois mundos, cap. VI, parte I.
[8] Roberto Lent, Cem bilhões de neurônios?
[9] Por que odiamos, Rush W. Dozier Jr.
[10] Encontros com a paz e a saúde, cap. 9
[11] IBGE, Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Indicadores Sociais Brasileiros. 2000.
[12] Encontros com a paz e a saúde, cap. 5
[13] Vida e sexo, cap. 19
[14] Encontros com a paz e a saúde, cap. 9
[15] Encontros com a paz e a saúde, cap. 5
[16] Encontros com a paz e a saúde, cap. 9
[17] Evolução em dois mundos, cap. 18, parte I
O consolador – Ano 14 – N 672 – Especial