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Simão, de Cirene

Os Evangelistas, ao relatarem os fatos da prisão à morte de Jesus, omitem pormenores macabros. Percebe-se que estão claramente interessados em salientar o essencial na trágica ocorrência: a serenidade do Mestre; um pensamento de conforto para as lágrimas das mulheres de Jerusalém; uma lembrança para Sua mãe e o discípulo ao pé da cruz; o perdão aos responsáveis pela Sua morte; uma frase de conforto aos desditosos ao Seu lado.

Do vale de Tiropeion, onde foi condenado, Jesus percorreu, subindo, com o patíbulo aos ombros, meio quilômetro em linha reta, até chegar à saliência da rocha conhecida como Crânio, por causa de sua forma lisa e arredondada. (Calvarium em latim, Gólgota em aramaico).

Possivelmente por terem dado ênfase ao que mais impressionou no Celeste Amigo, desde o momento da prisão, o julgamento arbitrário e a execução da sentença infamante, é que igualmente foram lacônicos quanto a um personagem daqueles momentos.

Mateus (27:32), Marcos (15:21) e Lucas (23:26) dedicam um versículo ao episódio, limitando-se a escrever que encontraram um homem de Cirene, chamado Simão, e obrigaram-no a levar a cruz de Jesus; e obrigaram um certo homem, que ia passar, Simão de Cirene, que vinha do campo, pai de Alexandre e de Rufo, a tomar a cruz de Jesus; agarraram um certo Simão Cireneu, que voltava do campo, e puseram a cruz sobre ele, para que a levasse após de Jesus.

Cirene era uma colônia agrícola da Grécia, de acesso quase impossível pela presença rival de Cartago. Situada na costa líbia, foi construída no ano 631 a.C e teve grande vitalidade. Desde o ano 75 a.C. passou a ser província romana e ali moravam muitos judeus.

Homem do campo e do trabalho rude, não gostava de ajuntamentos e confusões. Embora não odiasse os romanos, por instinto e sistema não queria jamais ter nada a ver com a autoridade, nem com a justiça, nem com o exército.

Pouco se sabe a respeito dele. Os Evangelhos não nos permitem elucubrações mais profundas a respeito de sua personalidade.

Homem de Cirene, Cireneu, ou Simão, como o denominam Marcos e Lucas, foi requisitado por um oficial romano a carregar a cruz do prisioneiro que, enfraquecido, sucumbia no caminho, àquele peso. Como representante da autoridade, o Procurador Pôncio Pilatos, o militar tinha aquela prerrogativa.

Tudo que lhe envolve a vida permanece na obscuridade, o que com certeza inspirou a um italiano escrever a respeito do que teria ocorrido ao Homem de Cirene, após o contato com o Mestre de Nazaré.

Permitimo-nos, aqui, ao sabor do que o próprio escritor denominou de lenda, apresentar uma versão tocada da gratidão Daquele que é nosso Modelo e Guia.

Simão vinha do campo e pretendia entrar em Jerusalém, rumo à sua casa, naquele dia. Viu o cortejo, tendo à frente soldados romanos a pé e a cavalo, conduzindo condenados ao suplício.

Um deles caiu de mau jeito, já incapaz de carregar a cruz. Simão, porque não pudesse passar através da multidão, parou de encontro ao vão de uma porta. Foi então que o centurião o descobriu e percebendo que ele era forte, chamou-o com a mão e com a voz.

A uma ordem assim dada não havia como se esquivar. Resmungando intimamente, o Cireneu acomodou sobre o ombro o instrumento de suplício e se encaminhou para a frente, ansioso por se libertar daquela carga e da raiva.

O condenado apresentava um rosto abatido, empapado de suor e riscado de filetes de sangue.

A cruz pesava sobre os ombros fortes de Simão. Enquanto caminhava, evitando olhar o prisioneiro, pois não suportava sangue, começou a pensar na sua vida.

Em seu pequeno campo, a água era escassa, os ratos tinham causado dano à cevada. Seu filho mais velho, Alexandre, estava muito mal e ele ainda deveria providenciar o necessário para a Páscoa.

Viera de sua nativa Cirene há poucos anos. Não conhecia quase ninguém na Cidade Santa. Desconhecia os acontecimentos daquele dia. Não sabia quem era o prisioneiro.

Mal chegou ao Calvário, desceu a cruz e dando-se conta que ninguém mais atentava para ele, esgueirou-se por entre os ajuntamentos de pessoas e demandou a casa.

A caminho, já imaginava o que lhe diria a mulher, sempre pronta a repreender e a se inflamar. Preparou-se para o temporal e ao chegar, antes que ela pudesse abrir a boca, pôs-lhe docemente uma das mãos no ombro, uma daquelas mãos que tinham mantido e agarrado o lenho destinado ao Galileu.

Mikal olhou o marido calma e falou de forma pacífica, o que o deixou surpreso. Depois, Simão foi para o quarto do filho Alexandre, que parecia dormir, dominado pela febre. Quando o rapaz, ainda meio adormecido, porque respirasse mal, fez menção de se levantar, o pai o envolveu com os dois braços e o aconchegou ao peito, buscando melhor acomodá-lo no leito.

Seus filhos eram seus maiores amores. Alexandre pareceu sentir-se melhor ao contato da espádua do pai. Simão a sentia mortificada pelo peso da cruz, mas não teve coragem de afastar o filho daquele aconchego.

Horas depois, a febre se fora e a casa respirava alegria. O que estava acontecendo é o que a esposa desejava saber. O marido estava diferente.

Naquele final de tarde, um devedor de muito tempo veio à casa e, com desculpas pela demora, agradecendo pelo favor e a paciência, pagou integralmente a dívida.

Dias mais tarde, um rapaz jovem e uma mulher foram procurar Simão. Ele fora reconhecido e indicado como quem auxiliara Jesus a carregar a cruz. A mulher chamava-se Maria e vinha agradecer, beijando as mãos misericordiosas do benfeitor de seu filho.

Simão ficou sabendo, então, quem havia auxiliado e começou a pensar nas tantas bênçãos que recebera desde então.

Não passou muito tempo para que discípulos ou inimigos do Nazareno o procurassem, desejando ouvir detalhes.

E porque não apreciasse a curiosidade ou porque, cavando um novo poço, encontrara uma ânfora com moedas e joias e desejava gozar em paz o tesouro, decidiu abandonar Jerusalém.

Vendeu o campo, a casa, e com a mulher e os filhos partiu para a capital do Império.

Graças ao seu labor, o tesouro se multiplicou. Em sua família, ocorreu uma profunda revolução espiritual. Mikal e os filhos foram conquistados pela palavra de um certo Paulo de Tarso e se tornaram cristãos.

A casa de Simão se tornou ponto de Encontro dos novos adeptos e não tardou que a história de seu encontro com Jesus viesse à tona. Por mais se esquivasse, de início, logo estava sentindo prazer em relatar pormenores que, diga-se, não eram muitos.

Mas, afirmava-se agradecido pelas bênçãos que passara a gozar e que ele reportava exclusivamente à bondade do Mestre da Cruz.

Angariou notabilidade na comunidade cristã, embora não se considerasse verdadeiramente cristão.

Na primeira perseguição, ele foi preso. Todas as provas eram contra ele. Ele chegara a carregar a cruz para o seu Mestre.

E, numa noite, ele foi pendurado a uma cruz. Teve seu corpo untado de betume e ardeu como um archote para iluminar os jardins do Imperador.

A província romana de Cirene deu alguns filhos ilustres ao mundo como Jason, que escreveu importante descrição sobre a rebelião dos macabeus, e Lúcio, pregador na comunidade cristã de Antioquia.

Mas, nenhum deles conseguiu o galardão que aquele anônimo trabalhador alcançou, ao cooperar com Jesus Cristo, sem sequer conhecê-lO, naqueles momentos de testemunho e de definição muito graves.4

Referências

01.GAROFALO, S. et al. Morrer em uma cruz. In:___. Vida de Cristo. São Paulo: PAULINAS, 1982. cap. 16.

02.PAPINI, Giovanni. O cireneu. In:___. As testemunhas da paixão – sete lendas do Evangelho. São Paulo: SARAIVA, 1950. cap. 4.

03.ROHDEN, Huberto. Caminho do Calvário. In:___. Jesus Nazareno. 6.ed. São Paulo: União Cultural. v. 2, cap. 187.

04.TEIXEIRA, J. Raul. Jesus e o cireneu. In:___. Vida e mensagem. Pelo Espírito Francisco de Paula Vítor. Niterói: FRÁTER, 1993. cap. 9.

05.VAN DEN BORN, A . José. In:___. Dicionário enciclopédico da Bíblia. 3. ed. Petrópolis: Vozes, 1985, verbetes Cirene.

06.______. Simão. Op. cit.

07.ENCICLOPÉDIA Mirador Internacional. Rio de Janeiro: Britannica, 1986. v. 10, verbete Grécia – 1.50 e 3.7.6.

Nota Juventude Espírita

Na ausência de foto ou pintura do personagem, criamos a imagem de chamada utilizando inteligência artificial.

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