Autora: Eugênia Pickina
Nossos filhos passaram por nós, mas não são nossos
Cecília Meireles
Que tipo de mãe nós somos?
A mãe tem muitas dúvidas, a mãe é falível. Dependendo da situação, responde com mais vigor ao seu mandato materno – transmissível de geração em geração –, porque compreende fundamental ajudar a criança a crescer segura e protegida.
Nada melhor que o contraste?
Há mães bravas, por exemplo. Lá no interior do Rio Grande do Sul, nem faz tempo, a dona Ernestina faz pão que cresce no forno, avisando as sobrinhas mais novas que chá de funcho combate cólica de bebê. Há mães pacientes, por exemplo. Em muitas cidadezinhas do Centro-Oeste do Brasil, a porta da rua (ainda) fica aberta. E só ir entrando. Acaba encontrando a dona Lúcia costurando ou fazendo almoço, coisa quente. O bebê no carrinho está adormecido, enternecido pelo ambiente modesto e tranquilo. Há mães provedoras do lar. Em Campinas, no estado de São Paulo, a Elisa deixa a filha de quatro anos bem cedo na creche e corre para dar aula de História no ensino médio. Vai para o trabalho com o coração apertado, pois sabe que a filha precisa de atenção e afeto para crescer confiante e saudável.
Mães distintas, nunca iguais. Mas, no geral, as mães suficientemente boas têm igualmente a compreensão sobre a grande responsabilidade que norteia a maternidade: tornar o filho independente (inclusive da própria mãe) e, com isso, a pessoa empreender por si mesma escolhas e vocação, aprendendo também com o mundo, essa fecunda escola que nos manda amar o bem, maldizer o mal, para conviver com os demais – seres humanos e natureza – com respeito e alegria.
Fala-se hoje no fracasso da educação brasileira, os adolescentes mal sabem ler, emperram nos cálculos. O fracasso da educação diz respeito também a um fracasso doméstico: com a emancipação da mulher, a maternagem ficou prejudicada. Não apenas pela ausência física, a abolição da cozinha, mas também pela má administração dessa particular e transitória situação de ser mãe de filhos na primeira infância. Urge então refletir sobre a maternidade e a importância de dar carinho, amamentar, estar presente, fortalecer o vínculo, porque ter um filho é uma responsabilidade muito grande.
Quando eu era menina o dia das mães se resumia a um cartão com formato de coração, um beijo e um abraço. Às vezes eu inventava no caderno um poema curto ou, no jardim de casa, cantava músicas sem fim, no coração uma só frase alastrante: “senhora, eu vos amo tanto”.
A julgar pela mãe que somos, também a mãe que tivemos.
Cuidar e educar os filhos enquanto são dependentes, segundo as frequentes demandas que integram a infância, sinceramente é coisa indefinível que mistura amor, dever e felicidade – e é aqui que o tipo de mãe se revela…
Notinhas
Quando o pediatra e psicanalista D. W. Winnicott concebeu a ideia de mãe suficientemente boa, partiu de uma estruturação familiar em torno do modelo nuclear – pai, mãe e filhos, na Inglaterra em meados do século XX. A mãe winnicottiana pode se dedicar à tarefa materna porque está suficientemente protegida pelo suporte familiar e social. A colaboração ativa do marido alivia, por exemplo, a realidade do filho que chega. Assim, no caso de mães brasileiras constantemente perturbadas pela dura realidade da pobreza, desigualdade, desamparo, a mãe suficientemente boa ganha, sem dúvida, novas texturas em razão também do entorno vulnerável da maternagem.
Cf. D. W. Winnicott (original publicado em 1956). Textos Selecionados: da Pediatria à Psicanálise: Obras escolhidas. RJ: Imago, 2000.
O consolador – Ano 12 – N 567 – Cinco-marias