Autora: Eugênia Pickina
Se eu puder aliviar o sofrimento de uma vida, ou se conseguir ajudar um passarinho que está fraco a encontrar o ninho… A vida terá valido a pena
Emily Dickinson
Desde meninazinha gosto de São Francisco. Ele que pregava para os bichos…
Querendo ou não, à medida que somos cúmplices naquilo de grandioso e horrendo que define o nosso tempo, o nosso ambiente, ouso avisar que muitas vezes são os animais que nos pregam sermões ou, dito de outro jeito, nos impelem a mudanças de natureza mais virtuosas.
Primeiro foi o passarinho que o Marcelo, um menino de onze anos, resgatou de uma árvore na rua. Chegou à tardezinha me dizendo que aqueles olhinhos assustados convenceram sua mãe a aceitar o pardalzinho em sua sala e sem reserva. Bicho urbano, o passarinho sarou e deixou uma saudade melancólica no menino. Tanto que o resultado disso foi a decisão familiar uníssona pela adoção de uma calopsita… A presença da avezinha, outrora maltratada, encheu a casa deles de uma alegria expressiva.
Aí fui ajudar dona Elvira e a filha de 9 anos na horta que elas estavam plantando num terreno abandonado. No muro, parado, vimos um gato preto, cara esfolada, e que veio miando desconfiado em direção às nossas pernas. Sem pedir licença, a menina tomou o gato no colo, olhos cheios de lágrimas. “Ah! Coitadinho, tão abandonado.” Lembrei-me dos gatos que eu encontrava na rua e levava para minha casa, minha mãe dizendo “mais um!” e eu apontando quanto aquele animalzinho estava triste, solitário… Minha mãe era convencida pelo sermão sem palavras do bichinho…
Bem. Crianças sem dúvida têm afinidade com São Francisco. Estão interessadas na linguagem dos animais. E, principalmente pelas iniciativas dos que experimentam a infância, nós, os adultos, tomamos consciência da importância do espelho moral que somos para quem vivencia o começo da vida.
Ser guardião dos bichos é uma tarefa tanto amorosa quanto ética. Ademais, através de nossos filhos, é assegurada aos bichos a oportunidade de pregar para nós, adultos e quantas vezes indiferentes?, belas lições sobre a bondade e a serviço da própria vida… E é justamente aqui que se abre a esperança.
Notinha
São Francisco de Assis é considerado o protetor dos animais e padroeiro da ecologia (em 1979, o papa João Paulo II proclamou-o santo patrono dos ecologistas). Ele foi admirado pela sua bondade com todos os seres vivos. Em 1224, Francisco estava pregando no Monte Alverne (Apeninos) quando apareceram em seu corpo cicatrizes que correspondiam às cinco chagas do Cristo crucificado, fenômeno este chamado de “estigmatização”, e permaneceram até o final da sua vida e teriam sido o motivo do seu enfraquecimento e sofrimento físico. As chagas aumentaram progressivamente por dois anos, levando-o à cegueira, até sua morte em 3 de outubro de 1226.
O consolador – Ano 16 – N 797 – Cinco-marias
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