Revista Espírita, maio de 1864
Como é possível o conhecimento do futuro? Compreende-se as previsões dos acontecimentos que são consequência do estado presente, mas não dos que nenhuma relação têm com eles, e, ainda menos, dos que são atribuídos ao acaso. Diz-se que as coisas futuras não existem, que ainda estão no nada, então como saber se acontecerão? Contudo são muito numerosos os exemplos de predições realizadas, de onde concluir-se que aí se passa um fenômeno cuja chave não se tem, pois não há efeito sem causa. Essa causa, que tentaremos achar, ainda é o Espiritismo, ele próprio também chave de tantos mistérios, que no-la fornecerá e que, além disso, mostrar-nos-á que o próprio fato das predições não se afasta das leis naturais.
Como comparação, tomemos um exemplo nas coisas usuais, e que auxiliará a compreender o princípio que teremos de desenvolver.
Suponhamos um homem colocado no alto de uma montanha, considerando a vasta extensão da planície. Nessa situação, pouco será o espaço de uma légua, e facilmente poderá ele abarcar de um golpe de vista todos os acidentes do terreno, do começo ao fim da estrada. O viajante que por primeira vez percorre essa estrada sabe que caminhando chegará ao fim. Isto é simples previsão da consequência de sua marcha. Mas os acidentes do terreno, as subidas e descidas, os riachos a transpor, as matas a atravessar, os precipícios onde pode cair, os ladrões postados para o assalto, as hospedarias onde poderá descansar, tudo isto independe de sua pessoa. Para ele, o futuro é desconhecido, porque sua vista não vai além do pequeno círculo que o envolve. Quanto à duração, mede-a pelo tempo consumido em percorrer o caminho. Tirai-lhe os pontos de referência e apaga-se a duração. Para o homem que está na montanha e que acompanha o viajante com o olhar, tudo isto é presente. Suponhamos que esse homem desça até o viajante e que lhe diga: “Em tal momento encontrareis tal coisa; sereis atacado e socorrido.” Ele predirá o futuro. Para o viajante, isto é o futuro. Para o homem da montanha é o presente.
Agora, se sairmos do círculo das coisas puramente materiais e, por pensamento, entrarmos no domínio da vida espiritual, veremos esse fenômeno reproduzir-se em escala muito maior. Os Espíritos desmaterializados são como o homem da montanha. O espaço e tempo não existem para eles. Entretanto, a extensão e a penetração de sua vista são proporcionais à sua depuração e à sua elevação na hierarquia espiritual. Em relação aos Espíritos inferiores, eles são como um homem munido de poderoso telescópio, ao lado de outros que observam a olho nu. Nestes últimos a vista é circunscrita, não só porque dificilmente podem afastar-se do globo a que estão ligados, mas porque a grosseria de seu perispírito vela as coisas afastadas, como faz a névoa em relação aos olhos do corpo.
Compreende-se, pois, que conforme o grau de perfeição, um Espírito possa abarcar um período de alguns anos, de alguns séculos, e até de muitos milhares de anos, pois o que é um século em comparação com a eternidade? Diante dele os acontecimentos não se desenrolam sucessivamente, como os incidentes da estrada do viajante. Ele vê simultaneamente o começo e o fim do período. Todos os acontecimentos que nesse período são o futuro para o homem da Terra, para ele são o presente. Poderia ele, pois, vir dizer-nos com certeza: Tal coisa acontecerá em tal época, porque ele vê essa coisa, assim como o homem da montanha vê o que espera o viajor na estrada. Se ele não diz, é porque o conhecimento do futuro seria nocivo ao homem. Ele entravaria o seu livre-arbítrio; paralisá-lo-ia no trabalho que deve realizar para o seu progresso. O bem e o mal que o esperam lhe são desconhecidos a título de provação.
Se uma tal faculdade, mesmo restrita, pode estar nos atributos da criatura, a que grau de poder deve ela elevar-se no Criador, que abarca o infinito? Para ele o tempo não existe; o começo e o fim do mundo são o presente. Nesse imenso panorama, que é a duração da vida de um homem, de uma geração, de um povo?
Contudo, como o homem deve concorrer para o progresso geral, e certos acontecimentos devem resultar de sua cooperação, em certos casos pode ser útil que pressinta esses acontecimentos, a fim de lhes preparar o caminho e estar pronto para agir quando chegar o momento. Eis por que, às vezes, Deus permite seja levantada a ponta do véu, mas é sempre com um fim útil, e jamais para satisfazer uma vã curiosidade. Assim, essa missão pode ser dada, não a todos os Espíritos, pois alguns não conhecem o futuro melhor que os homens, mas a alguns Espíritos suficientemente adiantados para isto. Ora, convém ressaltar que essas espécies de revelações sempre são feitas espontaneamente, e jamais, ou pelo menos muito raramente, em resposta a uma pergunta direta.
Essa missão pode ser igualmente concedida a certos homens, e eis de que maneira.
Aquele a quem é confiado o trabalho de revelar uma coisa oculta pode recebêla, malgrado seu, por inspiração dos Espíritos que a conhecem, e então a transmite maquinalmente, sem se dar conta. Além disto, sabe-se que, quer durante o sono, quer em vigília, quer nos êxtase da dupla vista, a alma se desprende e possui em grau mais ou menos grande as faculdades do Espírito livre. Se ele for um Espírito adiantado, e principalmente se, como os profetas, tiver recebido a missão especial para esse efeito, ele goza, nesses momentos de emancipação da alma, da faculdade de abarcar, por si mesmo, um período mais ou menos extenso e vê como presentes os acontecimentos desse período. Então pode revelá-los imediatamente, ou lhes conservar a memória ao despertar. Se esses acontecimentos devem ser mantidos em segredo, ele perderá a sua lembrança ou deles conservará apenas uma vaga intuição, suficiente para guiá-lo instintivamente. É assim que se vê essa faculdade desenvolver-se providencialmente em certas ocasiões, como nos perigos iminentes, nas grandes calamidades, nas revoluções, e que a maioria das seitas perseguidas tiveram numerosos videntes. É ainda assim que se veem grandes capitães marcharem resolutamente contra o inimigo, com a certeza da vitória, bem como homens de gênio, como Cristóvão Colombo, por exemplo, perseguirem um objetivo predizendo, por assim dizer, o momento de atingi-lo. É que eles viram esse objetivo, que não é desconhecido para o seu Espírito.
Todos os fenômenos cuja causa era desconhecida foram reputados maravilhosos. Uma vez conhecida a lei segundo a qual se realizam, eles entraram na ordem das coisas naturais. O dom da predição não é mais sobrenatural do que uma grande quantidade de outros fenômenos, porque ele repousa nas propriedades da alma e na lei das relações entre os mundos visível e invisível que o Espiritismo vem dar a conhecer. Mas como admitir a existência de um mundo invisível, se não se admite a alma, ou se não se admite sua individualidade após a morte? O incrédulo que nega a presciência é consequente consigo mesmo. Resta saber se ele é consequente consigo mesmo em relação à lei natural.
A teoria da presciência talvez não resolva de modo absoluto todos os casos que a previsão do futuro possa apresentar, mas não se pode deixar de admitir que ela estabelece o seu princípio fundamental. Se não se pode tudo explicar, é pela dificuldade, para o homem, de colocar-se nesse ponto de vista extraterreno. Por sua própria inferioridade, seu pensamento, incessantemente arrastado para a senda da vida material, muitas vezes é impotente para se destacar do solo. A esse respeito, certos homens são como as aves novas, cujas asas, demasiadamente fracas, não lhes permitem elevar-se no ar, ou como aqueles cuja vista é demasiado curta para ver ao longe, ou, enfim, como aqueles a quem falta um sentido para certas percepções. Entretanto, com alguns esforços e com o hábito da reflexão, lá se chega, e os espíritas chegam mais facilmente do que os outros, porque melhor do que os outros podem identificar-se com a vida espiritual, que eles compreendem.
Para compreender as coisas espirituais, isto é, para fazer delas uma ideia tão clara quanto a que fazemos de uma paisagem que está aos nossos olhos, falta-nos, realmente, um sentido, exatamente como a um cego falta o sentido necessário para compreender os efeitos da luz, das cores e da visão à distância. Assim, só por um esforço da imaginação é que o conseguimos, auxiliados por comparações tiradas das coisas familiares. Entretanto, as coisas materiais só nos podem dar ideias muito imperfeitas das coisas espirituais. É por isso que não se deveriam tomar essas comparações ao pé da letra e crer, por exemplo, no caso de que se trata, que a extensão das faculdades perceptivas dos Espíritos depende de sua elevação efetiva, e que eles necessitem estar no topo de uma montanha, ou acima das nuvens, para abarcar o tempo e o espaço. Essa faculdade é inerente ao estado de espiritualização ou, se se quiser, de desmaterialização. Por outras palavras, a espiritualização produz um efeito que se pode comparar, embora muito imperfeitamente, ao da visão de conjunto do homem que está no alto da montanha. Esta comparação apenas objetivava mostrar que acontecimentos que estão no futuro para uns, estão no presente para outros e podem, assim, ser preditos, o que não implica que o efeito se produza da mesma maneira.
Para gozar dessa percepção, o Espírito não precisa, portanto, transportar-se para um ponto qualquer no espaço. Aquele que está na Terra, ao nosso lado, pode possuíla em sua plenitude, da mesma forma que a possuiria se estivesse a milhares de léguas, ao passo que nós nada vemos fora do horizonte visual. Não se produzindo a visão, nos Espíritos, da mesma maneira nem com os mesmos elementos que no homem, seu horizonte visual é muito diferente. Ora, aí está precisamente o sentido que nos falta para concebê-lo. Ao lado do encarnado, o Espírito é como um vidente ao lado de um cego.
Além disso, é necessário levar em consideração que essa percepção não se limita à extensão, mas compreende a penetração em todas as coisas. É, repetimo-lo, uma faculdade inerente e proporcional ao estado de desmaterialização. Essa faculdade é amortecida pela encarnação, mas não é completamente anulada, porque a alma não está encerrada no corpo como numa caixa. O encarnado a possui na medida do adiantamento do Espírito, posto que sempre em menor grau do que quando inteiramente desprendido. É o que dá a certos homens um poder de penetração que a outros falta completamente, uma justeza maior no golpe de vista moral, uma compreensão mais fácil das coisas imateriais. O Espírito não só percebe, mas se recorda do que viu no estado de Espírito, e essa lembrança é como um quadro que fica gravado em sua mente. Na encarnação ele vê, mas vagamente, como que através de um véu. No estado de liberdade ele vê e concebe claramente. O princípio da visão não está fora dele, mas nele. É por isso que não necessita de nossa luz exterior. Pelo desenvolvimento moral, o círculo das ideias e da concepção se alarga; pela desmaterialização gradual do perispírito, ele se purifica dos elementos grosseiros que alteravam a delicadeza das percepções, de onde é fácil compreender que a extensão de todas as faculdades decorre do progresso do Espírito.
É o grau da extensão das faculdades do Espírito que, na encarnação, o torna mais ou menos apto a conceber as coisas espirituais. Contudo, essa aptidão não é a consequência necessária do desenvolvimento intelectual, porque a Ciência vulgar não a dá. É por isso que se vêm homens de grande inteligência e grande saber, tão cegos para as coisas espirituais quanto outros o são para as coisas materiais. Eles são a elas refratários porque não as compreendem. Isto se dá porque seu progresso ainda não se realizou nesse sentido, ao passo que se veem pessoas de inteligência e instrução vulgares apreendê-las com a maior facilidade, o que prova que tinham a sua intuição prévia.
A faculdade de mudar de ponto de vista e de olhar do alto não só dá a solução do problema da presciência; é, além disso, a chave da verdadeira fé, da fé sólida. É também o mais poderoso elemento de força e de resignação, porque, então, aparecendo a vida terrena como um ponto na imensidade, compreende-se o pouco valor das coisas que vistas debaixo parecem tão importantes. Os incidentes, as misérias, as vaidades da vida se apequenam à medida que se desenrola o imenso e esplêndido horizonte do futuro. Aquele que assim vê as coisas deste mundo, pouco ou nada é atingido pelas vicissitudes e, por isto mesmo, é tão feliz quanto o pode ser aqui em baixo. É preciso, pois, lamentar os que concentram seus pensamentos na estreita esfera terrena, porque eles ressentem, em toda a sua força, o contragolpe de todas as tribulações que, como tantos aguilhões, os ferem incessantemente.
Quanto ao futuro do Espiritismo, como se sabe, os Espíritos são unânimes em afirmar o seu triunfo próximo, a despeito dos entraves que lhe opõem. Essa previsão lhes é fácil, primeiro porque sua propagação é obra pessoal deles, e eles sabem, consequentemente, o que devem fazer, e em segundo lugar, porque lhes basta abarcar um período de curta duração e porque, nesse período, veem em sua rota os poderosos auxiliares que Deus lhes suscita, e que não tardarão a manifestar-se. Sem serem Espíritos desencarnados, que os espíritas se transportem apenas trinta anos à frente, em meio à geração que surge; que daí considerem o que hoje se passa; que sigam a fieira, e verão consumir-se em vãos esforços os que se julgam chamados a destruí-lo. Eles os verão desaparecendo da cena pouco a pouco, ao lado da árvore que cresce e cujas raízes cada dia mais se estendem.
Completaremos este estudo pelas referências que existem entre a presciência e a fatalidade. Enquanto esperamos, remetemos o leitor ao que, sobre o último ponto, foi dito em o Livro dos Espíritos, nº. 851 e seguintes.