Autor: Vladimir Polízio
Em pesquisa superficial sobre os trabalhos desenvolvidos nos Centros Espíritas, nota-se, em grande parte, que essas atividades mediúnicas estão desaparecendo e cedendo espaço para outras atividades, que além de se enquadrarem em nível menor de importância e precedência, algumas outras nem figuram como matéria ou assunto doutrinário, pertencentes ao Espiritismo.
Isso é de se lamentar.
E para aumentar ainda mais a surpresa, algumas edições recentes de obras espíritas, quando fazem ligeira abordagem sobre o assunto, justificam que esse tempo e essa preocupação já passou. Muito estranhas essas posições, pois que, em todos os tempos, e não somente ontem ou nos dias atuais, esses casos ocorrem com frequência inimaginável.
Os trabalhos mediúnicos sempre tiveram importante relevância, visto atuarem diretamente em favor e benefício de Espíritos que se acham desorientados e ainda necessitados da presença pesada dos fluidos da Terra. Como sempre foi, esses irmãos são trazidos até essas sessões e recepcionados pelos doutrinadores ou dirigentes, através dos médiuns, para uma conversa orientadora, serena e reconfortante, os quais, quase em sua totalidade, desconhecem a vida atual que levam na outra margem da vida e lamentam a indiferença das pessoas que não lhes dão a necessária atenção. Não sabem onde estão nem a razão de estarem nessa condição. Sentem frio e outras necessidades materiais com sinais ainda perceptíveis pelo Espírito, uma vez que o corpo psicossomático possui, depois da morte, duração variável em razão do equilíbrio emotivo e do avanço cultural daquele que o governa, ou seja, permanece por um tempo indeterminado em adaptação ao novo estágio no plano espiritual.
Portanto, não vemos como pode estar superado esse recurso dos mais importantes em uma casa espírita, que se presta a atender irmãos desencarnados que ali são trazidos para um primeiro contato.
O que se sabe da parte dos próprios benfeitores é que a Terra oferece as condições propícias ao necessitado que ainda guarda em seu perispírito resíduos materiais dos quais precisa livrar-se. E para essa indispensável e necessária limpeza, somente uma reunião mediúnica acolhedora é capaz de promover a retomada do equilíbrio do Espírito.
Outro detalhe não menos importante é o relato feito pelas próprias entidades beneficiadas que se apresentam nessas reuniões. Quando se estabelece o diálogo e, dependendo sempre das condições psíquicas do necessitado, o que se observa durante os atendimentos é o progresso conquistado quando essas reuniões mediúnicas estão disponíveis. Com essa atividade constante e pelas oportunidades idênticas e sucessivas que surgem ao Espírito, este sente-se à vontade quando pode ouvir e absorver, nas conversações de elevado nível fraterno, as necessidades de adaptações que lhe convêm nessa nova fase de sua vida.
Durante os trabalhos poderão ocorrer fatos inusitados. Tudo é possível em uma sessão dessa natureza e útil para ambos os lados, onde estão presentes vibrações fluídicas de toda ordem e de onde poderão ser extraídos ensinamentos a serem aproveitados em benefício de desencarnados e dos próprios encarnados.
Trazemos aqui um desses exemplos que o tempo e a perseverança atuaram favoravelmente em benefício de visitante desencarnado e a sua confiança no interlocutor que, desde a primeira conversa e através das palavras equilibradas e recheadas de harmonia fraternal, culminou em resultado feliz e jubiloso ao Grupo de trabalhadores de uma sessão mediúnica.
Francisco Cândido Xavier (1910-2002) e alguns amigos, quando na cidade de Pedro Leopoldo-MG instituíram regularmente no Centro Espírita Luiz Gonzaga trabalho semanal para essa finalidade, que, além das mensagens recebidas através da psicografia e outras anotações, a exemplo da psicofonia [1], procediam à gravação do trabalho para posterior consulta e outras destinações. Isso possibilitou ao grupo a edição de algumas obras trazendo importantes relatos.
Um desses personagens comunicantes, necessitado de amparo em todas as suas modalidades e formas, de comportamento agressivo e com recusa inclusive em declinar a sua identidade, como muitos fazem, após longo tempo comparecendo às reuniões e sempre de postura rebelde, deixou bela e emocionante prece, que fez aos prantos.
“Quantos venham a ler a mensagem constante deste capítulo [2], decerto nem de longe experimentarão a surpresa de nosso grupo, em cuja intimidade Cerinto, o amigo espiritual que no-la transmitiu, caminhou, pouco a pouco da sombra para a luz.
A princípio era um Espírito atrabiliário [3] e revoltado, chegando mesmo a orientar vastas falanges de irmãos conturbados e infelizes, ainda enquistados na ignorância.
Discutia acerbamente. Criticava. Blasfemava.
De nossos entendimentos difíceis, manda a caridade que nos detenhamos no silêncio preciso.
Surgiu, porém, o dia em que a influência de nossos Benfeitores Espirituais se revelou plenamente vitoriosa.
Cerinto modificou-se e transferiu-se de plano mental, marchando agora ao nosso lado, sedento de renovação e luz como nós mesmos.
Foi por isso com imensa alegria que lhe registramos a comovente rogativa [4], por ele pronunciada em nossa reunião da noite de 24 de novembro de 1955.
Prece de Cerinto
“Senhor de Infinita Bondade.
No santuário da oração, marco renovador do meu caminho, não Te peço por mim, Espírito endividado, para quem reservaste os tribunais de Tua Excelsa Justiça.
A Tua compaixão é como se fora o orvalho da esperança em minha noite moral e isto basta, ao revel pecador que tenho sido.
Não te peço, Senhor, pelos que choram. Clamo por teu amor a benefício dos que fazem as lágrimas.
Não te venho pedir pelos que padecem. Suplico-te a bênção para todos aqueles que provocam sofrimento.
Não te lembro os fracos da Terra. Recordo-te quantos se julgam poderosos e vencedores.
Não intercedo pelos que soluçam de fome. Rogo-te amor para os que furtam o pão.
Senhor Todo-Bondoso!…
Não te trago os que sangram de angústia. Relaciono diante de ti os que golpeiam e ferem.
Não te peço pelos que sofrem injustiças. Rogo-te pelos empreiteiros do crime.
Não te apresento os desprotegidos da sorte. Solicito teu amparo aos que estendem a aflição e a miséria.
Não te imploro mercê para as almas traídas. Exorto-te o socorro para os que tecem os fios envenenados da ingratidão.
Pai compassivo!…
Estende as mãos sobre os que vagueiam nas trevas…
Anula o pensamento insensato.
Cerra os lábios que induzem à tentação.
Paralisa os braços que apedrejam. Detém os passos daqueles que distribuem a morte…
Ajuda-nos a todos nós, filhos do erro, porque somente assim, ó Deus piedoso e justo, poderemos edificar o paraíso do bem com todos aqueles que já te compreendem e obedecem, extinguindo o inferno daqueles que, como nós, se atiraram desprevenidos, aos insanos torvelinhos do mal!”.
Não nos esqueçamos da observação feita pelos benfeitores de que “Os anjos choram de júbilo nas regiões celestes, quando um coração sofredor se levanta do abismo”. Numa conclusão racional, ganha o sofredor, ganha o doutrinador, ganha o médium e ganha o grupo.
Notas
[1] Psicofonia: Quando o Espírito se utiliza dos recursos vocais do médium que lhe serve como intermediário entre os planos físico e espiritual.
[2] Obra Vozes do Grande Além, de Espíritos diversos, por Chico Xavier – Ed. FEB.
[3] Atrabiliário: Colérico, violento.
[4] Prece de Cerinto, na obra Vozes do Grande Além, por Chico Xavier – Ed. FEB.
O consolador – Artigos