Revista Espírita, agosto de 1861
Sociedade espírita de Paris. Médium: Sr. D’Ambel
Para obter fenômenos desta ordem é necessário dispor de médiuns que chamarei sensitivos, isto é, dotados, no mais alto grau, das faculdades mediúnicas de expansão e de penetrabilidade, porque o sistema nervoso dos mesmos, facilmente excitável, lhes permite, por meio de certas vibrações, projetar ao seu redor com profusão, seu fluido animalizado.
As pessoas cuja natureza é impressionável, e cujos nervos vibram ao menor sentimento, à menor sensação, às quais a influência moral ou física interna ou externa sensibiliza, são muito aptas a se tornarem excelentes médiuns para efeitos físicos de tangibilidade e de transportes. Com efeito, seu sistema nervoso, quase que inteiramente desprovido do envoltório refratário que isola esse sistema na maior parte dos outros encarnados, as torna adequadas ao desenvolvimento desses diversos fenômenos. Em consequência, com uma criatura dessa natureza e cujas faculdades outras não são hostis à medianimização, mais facilmente serão obtidos os fenômenos de tangibilidade; as pancadas nas paredes e nos móveis; os movimentos inteligentes e até a suspensão no espaço da matéria inerte mais pesada. A fortiori,obter-se-ão esses resultados se, em vez de um médium, dispusermos de vários igualmente bem dotados.
Mas da produção desses fenômenos à obtenção dos de transporte de objetos, há um mundo, pois, nesse caso, não só é mais complexo e mais difícil o trabalho do Espírito, mas, além disso, o Espírito não pode operar senão através de um único aparelho mediúnico, isto é, vários médiuns não podem contribuir simultaneamente para a produção do mesmo fenômeno. Ao contrário acontece, até, que a presença de certas pessoas antipáticas ao Espírito que opera, entrava radicalmente o trabalho deste. Por estes motivos, que como vedes não deixam de ter importância, acrescentai que os transportes de objetos sempre precisam de uma concentração maior e, ao mesmo tempo, de maior difusão de certos fluidos e que, finalmente, estes não podem ser obtidos senão com os médiuns mais bem dotados, aqueles, numa palavra, cujo aparelho eletromedianímico esteja mais bem condicionado.
Em geral os casos de transporte de objetos são e continuarão sendo muito raros. Não necessito demonstrar-vos por que são e serão menos frequentes que os outros fenômenos de tangibilidade. Do que vos digo, vós mesmos deduzireis. Aliás, esses fenômenos são de tal natureza que não só nem todos os médiuns são adequados, mas nem todos os Espíritos podem produzi-los. Com efeito, entre o Espírito e o médium influenciado deve existir certa afinidade, certa analogia, numa palavra, certa semelhança que permita à parte expansiva do fluido perispirítico do encarnado misturar-se, unir-se, combinar-se com o do Espírito que quer fazer um transporte de objetos. Essa fusão deve ser tal, que a força resultante, por assim dizer, se torne uma, da mesma maneira que uma corrente elétrica agindo sobre o carvão produz apenas um foco, um só clarão.
Por que tal união? Por que tal fusão? perguntareis. É que, para a produção de tais fenômenos, é necessário que as necessidades do Espírito motor sejam aumentadas por algumas do medianimizado; é que o fluido vital, indispensável à produção de todos os fenômenos medianímicos é apanágio exclusivo do encarnado e, por conseguinte, o Espírito operador é obrigado a impregnar-se dele. Só então pode ele, por meio de certas propriedades do vosso meio ambiente, desconhecidas por vós, isolar, tornar invisíveis e fazer mover certos objetos materiais e os próprios encarnados.
No momento não me é permitido desvendar-vos essas leis particulares, que regem os gases e os fluidos que vos cercam. Mas dentro de alguns anos, antes que se passe a existência de um homem, ser-vos-á revelada a explicação dessas leis e desses fenômenos e vereis surgir e produzir-se uma nova variedade de médiuns, que cairão num estado cataléptico particular, desde que medianimizados.
Vedes de quantas dificuldades está cercada a produção dos transportes de objetos. Daí podeis concluir muito logicamente que os fenômenos dessa natureza são excessivamente raros e com tanto mais razão quão pouco a eles se prestam os Espíritos, porque isto exige de sua parte um trabalho quase material, o que lhes é um aborrecimento e uma fadiga. Por outro lado, ainda acontece que muitas vezes, apesar da sua energia e da sua vontade, o estado do próprio médium lhes opõe uma barreira intransponível.
É, pois, evidente, e o vosso raciocínio o sanciona, nem eu o duvido, que os casos das batidas e do movimento e suspensão de objetos são fenômenos simples, que se operam pela concentração e dilatação de certos fluidos, e que podem ser provocados e obtidos pela vontade e pelo trabalho dos médiuns aptos para tanto, quando estes são secundados por Espíritos amigos e benevolentes, ao passo que os fenômenos de transporte de objetos são múltiplos; são complexos; exigem um concurso de circunstâncias especiais; não podem operar-se senão por um só Espírito e um só médium; e necessitam, além das condições de tangibilidade, de uma combinação muito particular para isolar e tornar invisível o objeto ou os objetos do transporte.
Vós todos, espíritas, compreendeis minhas explicações e vos dais conta perfeitamente dessa concentração de fluidos especiais para a locomoção e tactibilidade da matéria inerte. Acreditais nisso como acreditais nos fenômenos da eletricidade e do magnetismo, com os quais os fatos medianímicos têm muita analogia e são, por assim dizer, sua consagração e desenvolvimento. Quanto aos incrédulos, tenho mais o que fazer do que convencê-los e deles não me ocupo. Acreditarão um dia, pela força da evidência, pois é preciso que se inclinem ante o testemunho unânime dos fatos espíritas, como foram forçados a fazê-lo ante tantos outros que a princípio haviam repelido.
Em resumo: se os casos de tangibilidade são frequentes, os de transporte de objetos são muito raros, porque as condições são difíceis, e consequentemente nenhum médium pode dizer: “A tal hora, em tal momento, obterei um transporte de objeto”, porque muitas vezes o próprio Espírito é impedido no seu trabalho. Devo acrescentar que esses fenômenos são duplamente difíceis em público, porque se encontram, quase sempre, elementos energicamente refratários, que paralisam os esforços do Espírito e, com mais forte razão, a ação do médium. Ao contrário, tende a certeza de que esses fenômenos se produzem espontaneamente, na maioria dos casos à revelia dos médiuns e sem premeditação, quase sempre em particular e, enfim, muito raramente, quando estes estão prevenidos. Daí deveis concluir que há um legítimo motivo de suspeita todas as vezes que um médium se gaba de obtê-los à vontade, isto é, de comandar os Espíritos como se eles fossem seus criados, o que é simplesmente absurdo. Tende ainda como regra geral que os fenômenos espíritas não são fatos para exibição em espetáculos e para divertir curiosos. Se alguns Espíritos se prestam a tais coisas, isto não ocorre senão para fenômenos simples, e não para os que, como os de transporte de objetos e outros semelhantes, exigem condições excepcionais.
Lembrai-vos, espíritas, de que se é absurdo repelir sistematicamente todos os fenômenos de Além-Túmulo, também não é prudente aceitá-los todos cegamente. Quando se manifestar espontaneamente ou de maneira instantânea um fenômeno de tangibilidade, de aparição, de visibilidade ou de transporte de objetos, aceitai-o. Mas nunca seria demais repetir: nada aceiteis cegamente. Que cada fato seja submetido a um exame minucioso, severo e profundo, porque, crede, tão rico em fenômenos sublimes e grandiosos, o Espiritismo nada tem a ganhar com estas pequenas manifestações que podem ser imitadas por hábeis prestidigitadores.
Bem sei o que ides dizer: é que os fenômenos são úteis para convencer os incrédulos. Mas, tende certeza de que se não tivésseis tido outros meios de convicção, hoje não seríeis a centésima parte dos espíritas que sois. Falai ao coração. É por ele que fareis mais conversões sérias. Se para certas pessoas julgais útil agir pelos fatos materiais, pelo menos apresentai-os em condições tais que não possam dar lugar a uma falsa interpretação, e sobretudo não vos afasteis das condições normais desses fatos, porque estes, apresentados em más condições, oferecem argumentos aos incrédulos, em vez de convencê-los.
ERASTO