Revista Espírita, dezembro de 1859
Um dos nossos assinantes, do departamento de Loiret, ótimo médium escrevente, escreveu o que se segue sobre vários fatos de aparição que lhe foram pessoais.
“Não querendo deixar no esquecimento nenhum dos fatos que vêm em apoio da Doutrina Espírita, venho comunicar-vos novos fenômenos, dos quais sou a testemunha e o médium, e que, como o reconhecereis, concordo perfeitamente com tudo o que publicastes em vossa Revista sobre os diversos estados dos Espíritos depois de sua separação do corpo.
“Há cerca de seis meses, ocupava-me de comunicações Espíritas com várias pessoas, quando me veio o pensamento de perguntar se, entre os assistentes, encontrava-se algum médium vidente. O Espírito respondeu afirmativamente e, designando-me, acrescentou: Tu já o és, mas num grau fraco, e somente durante teu sono; mais tarde teu temperamento se modificará de tal forma, que te tornarás um excelente médium vidente, mas pouco a pouco, e primeiro somente durante o sono.
“No curso deste ano, tivemos a dor de perder três de nossos parentes. Um deles, que era meu tio, apareceu-me, algum tempo depois de sua morte, durante meu sono; teve comigo uma longa conversa, e conduziu-me ao lugar que habita, e que me disse ser o último degrau conduzindo à morada da felicidade eterna. Tive a intenção de dar-vos a explicação do que admirei nessa morada incomparável, mas tendo consultado meu Espírito familiar a esse respeito, respondeu-me: A alegria e a felicidade que experimentastes poderiam influenciar o relato que farias das maravilhosas belezas que admiraste, e tua imaginação poderia criar coisas que não existem. Espera que teu Espírito esteja mais calmo. Detive-me, pois, para obedecer ao meu guia, e não me ocuparei senão de duas outras visões que são mais positivas. Reportar-vos-ei somente as últimas palavras de meu tio. Quando admirava aquilo que me era permitido ver, ele me disse: Vais agora retornar à Terra. Eu lhe supliquei conceder-me ainda alguns instantes.
– Não, disse, são cinco horas, e deves retomar o curso de tua existência. No mesmo instante despertei, e cinco horas soaram no meu relógio.
“Minha segunda visão foi a de um dos dois parentes falecidos este ano. Era um homem virtuoso, amável, bom pai de família, bom cristão, e, embora doente há muito tempo, morreu quase que subitamente, e talvez no momento em que menos nisso pensava. Seu rosto tinha uma expressão indefinível, sério, triste e feliz ao mesmo tempo. Ele me disse:
Expio minhas faltas; mas tenho uma consolação, continuo a viver no meio de minha mulher e de meus filhos, e lhes inspiro bons pensamentos; orai por mim.
“A terceira visão é mais característica, e me foi confirmada por um fato material; é a do terceiro parente. Era um excelente homem, mas vivo, violento, imperioso com os domésticos, e sobretudo dando outra medida aos bens deste mundo; demasiado cético, ocupava-se mais desta vida do que da futura. Algum tempo depois de sua morte, veio à noite e se pôs a sacudir minhas cortinas com impaciência, como para me despertar.
Como, disse-lhe, estás? – Sim; vim procurá-lo, porque és o único que pode responder-me.
Minha mulher e meus filhos partiram para Orléans; quis segui-los, mas ninguém quis me obedecer. Disse a Pierre para fazer meus pacotes, mas não me escutou; ninguém deu-me atenção. Se pudesses vir colocar os cavalos noutra viatura e fazer meus pacotes, me prestarias grande serviço, porque poderia ir reencontrar minha mulher em Orléans.
– Mas não pode fazê-lo tu mesmo? – Não, porque não sou nada elevado’, desde o sono que experimentei durante minha doença, mudei muito; não sei mais onde estou; tenho um pesadelo. – De onde vens? – De B… – É do castelo? – Não!
Respondeu-me com um grito de horror, e levando a mão sobre a fronte, é do cemitério!
– Depois de um gesto de desespero, acrescentou: Meu caro amigo, diga a todos os meus parentes para orarem por mim, porque sou muito infeliz! – A essas palavras foi-se, e o perdi de vista. Quando ele veio procurar-me e sacudir minhas cortinas com impaciência, sua figura exprimia uma horrível alucinação. Quando lhe perguntei o que fizera para agitar minhas cortinas, ele que nada podia levantar, respondeu-me bruscamente: Com o meu sopro!
“No dia seguinte soube que sua mulher e seus filhos, efetivamente, haviam partido para
Orléans.”
Esta última aparição é sobretudo notável naquilo que a ilusão, que leva certos Espíritos a se crerem ainda vivos, prolongou-se neste bem mais tempo do que em casos análogos. Muito comumente, ela não dura senão alguns dias, ao passo que aqui, depois de mais de três meses, ele não se acreditava ainda morto. De resto, a situação é perfeitamente idêntica à que observamos muitas vezes. Ele vê tudo como durante sua vida; quer falar, e fica surpreso por não ser escutado; ele vaga, ou crê vagar, em suas ocupações habituais.
A existência do perispírito está aqui demonstrada de um modo marcante, abstração feita da visão. Uma vez que se crê vivo, ele se vê, pois, um corpo semelhante ao que deixou; esse corpo age como o outro o faria; para ele nada parece mudado; somente ainda não estudou as propriedades de seu novo corpo; ele o crê denso e material como o primeiro, e se espanta por nada poder levantar. Encontra, todavia, na sua situação, alguma coisa estranha da qual não se dá conta: crê estar sob o império de um pesadelo; toma a morte por um sono; é um estado misto entre a vida corpórea e a vida Espírita, estado sempre penoso e cheio de ansiedade, e que tem de um e de outro. Como dissemos alhures, é a consequência, quase constante, de mortes instantâneas, tais como as que ocorrem por suicídio, apoplexia, suplício, combate, etc.
Sabemos que a separação do corpo e do perispírito se opera gradualmente, e não de modo brusco; começa antes da morte, quando esta chega pela extinção natural das forcas vitais, seja pela idade, seja pela doença, e sobretudo naqueles que, quando vivos, pressentem seu fim, e se identificam pelo pensamento com sua existência futura, de tal sorte que no instante do último suspiro ela está quase completa. Quando a morte surpreende, de improviso, um corpo cheio de vida, a separação não começa senão neste momento, e não acaba senão pouco a pouco. Enquanto existir um laço entre o corpo e o Espírito, este estará na perturbação, e se entra bruscamente no mundo dos Espíritos, sente um abalo que não lhe permite reconhecer desde logo sua situação, não mais que as propriedades de seu novo corpo; é preciso que ele tente de algum modo, e é isso que o faz crer-se ainda deste mundo.
Além das circunstâncias de morte violenta, há outras que tornam mais tenazes os laços do corpo e do Espírito, porque a ilusão, da qual falamos, se observa igualmente em certos casos de morte natural, e é quando o indivíduo viveu mais da vida material do que da vida moral.
Concebe-se que seu apego à matéria o retém ainda depois da morte, e prolonga assim a ideia de que nada tem a mudar para ele. Tal é o caso da pessoa que acabamos de falar.
Notemos a diferença que há entre a situação dessa pessoa e do segundo parente: um quer ainda comandar; crê ter necessidade de suas malas, de seus cavalos, de sua viatura, para ir reencontrar sua mulher; não sabe ainda que, como Espírito, pode fazê-lo instantaneamente, ou, melhor dizendo, seu perispírito é ainda tão material que ele o crê sujeito a todas as necessidades do corpo. O outro, que viveu a vida moral, que teve sentimentos religiosos, que se identificou com a vida futura, embora surpreendido com mais improviso que o primeiro, já está desligado; disse que vive no meio de sua família, mas sabe que é um Espírito; fala à sua mulher e aos seus filhos, mas sabe que é pelo pensamento; em uma palavra, não há mais ilusão, ao passo que o outro ainda está na perturbação e nas angústias. Ele tem de tal modo o sentimento da vida real, que viu sua mulher e seus filhos partirem, e que partiram com efeito no dia indicado, o que ignorava seu parente a quem apareceu. Por outro lado, notemos uma palavra muito característica de sua parte, e que pinta bem na sua posição. A esta pergunta: De onde vens? Respondeu primeiro pelo nome do lugar onde habitava; depois a esta É do castelo? Não! Disse com pavor, é do cemitério. Ora, isso prova uma coisa, é que, não estando completo o desligamento, uma espécie de atração existia, ainda, entre o Espírito e o corpo, o que fez dizer que veio do cemitério; mas nesse momento parece começar a compreender a verdade; a própria questão parece colocá-lo no caminho chamando sua atenção para os despejos, por isso pronunciou essa palavra com terror.
Os exemplos desta natureza são muito numerosos, e um dos mais tocantes é o do suicídio da Samaritana, que reportamos no nosso número de junho de 1858. Esse homem, evocado vários dias depois de sua morte, afirmava, também, estar ainda vivo, e dizia:
Entretanto, sinto os vermes me roerem, como fizemos observar na nossa relação, isso não era uma lembrança, uma vez que durante a vida não era roído pelos vermes; era, pois, o sentimento da atualidade, uma espécie de repercussão transmitida do corpo ao Espírito, pela comunicação fluídica que ainda existia entre eles. Esta comunicação não se traduz sempre do mesmo modo, mas é sempre mais ou menos penosa, e como um primeiro castigo para aquele que muito se identificou, durante sua vida, com a matéria.
Que diferença com a calma, a serenidade, a doce quietude daqueles que morrem sem remorso, com a consciência de haver bem empregado o tempo de sua estada neste mundo, daqueles que não se deixaram dominar por suas paixões! A passagem é curta e sem amargura, porque a morte é para eles o retomo do exílio para a sua verdadeira pátria. Está aí uma teoria, um sistema? Não, é o quadro que nos oferecem, todos os dias, nossas comunicações de além-túmulo, quadro cujos aspectos variam ao infinito, é onde cada um pode haurir um ensinamento útil, porque cada um nele encontra exemplos que pode aproveitar, se quer se dar ao trabalho de consultá-lo; é um espelho onde pode se reconhecer quem não está cego pelo orgulho.