Autor: Felipe Gallesco
As pálpebras abriram devagar. A primeira imagem foi do céu noturno, cheio de nuvens escuras e quase nenhuma estrela.
A cabeça confusa estava despertando de um sono profundo. Ao tomar consciência de si, inclinou-se devagar e olhou ao redor. Estava só, deitado no asfalto, ao lado de uma rodovia.
Ainda sem forças, acompanhou alguns carros que de tempos em tempos passavam, cortando o vento em altas velocidades e trazendo luz, com seus faróis.
Logo pensou: como vim parar aqui? Por que estou sem roupas? Como pedir ajuda?
Sentia medo e constrangimento. Conforme recobrava as energias, começou a recordar as últimas experiências vividas. Primeiro o café da manhã, o dia de trabalho, a direção voltando para casa… E depois, as memórias sumiam.
Não sabia dizer há quanto tempo estava ali e a forma de sentir o corpo estava diferente, mais leve. Com certa dificuldade conseguiu ficar em pé. Deu os primeiros passos e por pouco não caiu no chão.
Aproximou-se da pista, agitando os abraços sempre que um carro passava, porém foi ignorado em todas as tentativas.
Sentia desespero e começou a gritar:
– Alguém me ajude. Socorro! O que eu fiz para merecer isso?
Julgava ter sido dopado, abusado e depois abandonado. Ideia que teve por influência dos sites de notícias criminais que as vezes acessava.
Sem ter sucesso com os veículos, caminhou até uma árvore próxima e recolheu do chão as maiores folhas que conseguiu encontrar, que passou a segurar para cobrir partes do corpo. Não resolvia o problema da nudez, mas se sentia menos exposto.
Voltou a caminhar, pisando no chão duro, em sentido contrário aos carros. Imaginando que seguir por aquele trecho levaria para algum lugar e poderia ser visto.
No trajeto, experimentou diversos sentimentos que oscilavam entre desespero, medo, raiva, vergonha e solidão.
Não acreditava na existência de Deus ou continuidade da vida. Teve uma educação materialista com apego pelos prazeres, porém aquela situação gerava um grau de desconforto que nunca experimentara antes.
Já exausto, parou de caminhar e olhou para o céu, respirou fundo e disse baixinho:
– Deus, preciso de ajuda. Não consigo sozinho.
Com os olhos vidrados no céu, percebeu que nada mudou.
Sentiu-se desesperançado, abaixou a cabeça e voltou a caminhar.
Depois de percorrer certa distância, com o vento frio batendo no corpo, observou um homem ao longe.
Com esforço, correu para pedir ajuda e quando estava próximo, ouviu:
– Seu cabeça dura, não percebe que está lutando para permanecer numa condição que não te pertence mais?
Ficou assustado. Não esperava aquela recepção, por isso respondeu:
– Preciso de ajuda, não sei como vim parar aqui. Quero voltar para casa.
Ao ouvir essas palavras, o homem mostrou um pequeno sorriso e respondeu:
– Eu estava te observando desde antes de acordar. É para te levar para casa que eu vim, mas não é a casa que você está acostumado.
– Como não? Não tenho outra casa, respondeu.
O homem respirou fundo e explicou, fazendo pausas ao final de cada frase:
– Todo mundo tem seu lugar, e para onde você vai tem gente te esperando. Não pense que existe céu e inferno, não é isso. A faixa vibratória em que você vivia mudou. Você precisa se adaptar a esta nova realidade.
Ao ouvir, entendeu a referência com a morte. Primeiro pensou em negá-la, depois percebeu que justificava os carros passando sem parar e de estar naquela condição. Sentiu uma série de fortes emoções que se misturavam.
Caiu de joelhos e começou a chorar, por ter deixado a família e amigos, por sentir gratidão de ainda existir, de não ter conseguido chegar na velhice, dos bens materiais que deixou e dos sonhos de conquistas que não atingiu.
O homem observava toda aquela dor com paciência e compaixão. Ele mesmo passou por processo semelhante e, diversas vezes, já havia visto aquela cena.
Vários minutos se passaram e as lágrimas diminuíram. O recém-desencarnado não estava bem, mas tinha equilíbrio suficiente para ouvir e entender a fala que se seguiu.
– É normal a mudança causar desconforto e você não está sozinho. Os laços que você construiu continuam existindo e, todo o bem material, e isso inclui seu corpo, será devolvido para a matéria do planeta. A vida é maior e mais bonita do que você pode imaginar. Acompanhe-me, que vou te mostrar.
O orientador se virou e começou a andar, na expectativa de ser acompanhado.
Aquelas palavras tiveram um efeito tranquilizante no sofredor, que sentia que poderia confiar no estranho misterioso.
Num gesto de esperança, levantou-se do chão e seguiu o estranho, ainda que estivesse derramando lágrimas. Pensava sobre a nova condição e recordava do passado.
Ambos seguiram, caminhando juntos, por mais algumas horas até chegarem numa casa de orientação e acolhimento.
Um novo despertar havia começado.