Autor: Rodrigo Prado
“Que importa crer na existência dos Espíritos, se essa crença não faz que aquele que a tem se torne melhor; mais benigno e indulgente para com os seus semelhantes, mais humilde e paciente na adversidade? De que serve ao avarento ser espírita, se continua avarento; ao orgulhoso, se se conserva cheio de si; ao invejoso, se permanece dominado pela inveja?” – O Livro dos Médiuns – cap. XXIX – item 350
Seria mais um final de semana normal, se não fossem uma série de atentados que começaram a ocorrer na madrugada da sexta-feira para o sábado, dia 13/05/2006, na Capital paulista e depois se propagando por todo o Estado de São Paulo. Só vim tomar conhecimento dos acontecimentos no sábado após o almoço, mas nem dei muita importância – pois “estamos acostumados” a ver muitas mortes nos noticiários devido ao fato de aqueles acontecimentos parecerem apenas a velha e triste realidade de violência brasileira, se repetindo mais uma vez. A noite, logo após sairmos da mocidade, fomos em sete pessoas numa pizzaria, onde além de comermos, procuramos fazer um bate-papo, dar risadas, saber como cada um dos amigos estava, enfim, passar uma noite fria de maio, ao lado dos amigos, é sempre um bom programa.
No domingo, vida normal, mas um domingo especial, pois foi o dia reservado a elas, as nossas queridas MÃES, que muito mais que essa data, merecem toda uma vida de gratidão por tudo que nos fizeram de bom, pelos esforços em prol do nosso bem. Porém, no final da noite, estava lá, a primeira matéria do Fantástico, aliás essa foi o tema central do jornal na noite. Sim, a violência tomou proporções inimagináveis até então para todos, as notícias de mortes e atentados não paravam de chegar e eu, diante daquilo tudo, me sentia estranho, como se estivesse muito distante de mim os acontecimentos, sentimento esse compartilhado também pela minha mãe, que assistia junto ao tele-jornal. Pelas 22h30 fui dormir, pois no outro dia, segunda-feira, dia de trampo, e nada melhor que dormir cedo pra acordar mais disposto.
Logo cedo, de pé, tomei meu banho quentinho e o café da manhã, dei uma olhada na TV e o repórter dizia que na zona sul os ônibus tinham parado de rodar por conta dos atentados contra os coletivos que estavam sendo incendiados, daí pensei… ‘acho que o dia vai ser tumultuado’. Peguei minhas coisas e fui para o ponto de ônibus e, quando lá cheguei, daí sim fiquei espantado, aquele local que costuma ter uma meia dúzia de pessoas estava completamente vazio. Passado alguns minutos, tomei uma lotação, e também essa se encontrava vazia. Chegando ao metrô, este também vazio. Naquele momento começou a “cair a ficha”. Ali estava mais um resultado da violência, muitas pessoas não saíram de casa com medo dos “bandidos”, do que eles pudessem fazer com elas.
Chegando ao serviço, qual era o assunto? Não preciso nem dizer, todos os que lá estavam, digo todos porque muitos, ou não foram, ou não conseguiram chegar, só comentavam os atentados : que perto da casa de fulano, um PM foi morto; próximo da casa do sicrano, uma agência bancária foi incendiada, etc, etc, etc. Para colocar mais lenha na fogueira, a mídia bombardeava a todos com centenas de notícias, atentados a faculdades, escolas, estações do metrô, e, todos envolvidos com aquilo, nem percebiam, mas faziam com que aqueles fatos negativos só repercutissem ainda mais, ao ponto de na parte da tarde, muitos estarem completamente desesperados com tantos ataques, ou boatos de ataques, a tal ponto que várias empresas liberaram seus funcionários mais cedo, pois da forma como as coisas vinham ocorrendo, parecíamos estar em pleno a uma guerra civil. E realmente era quase isso o que parecia acontecer, pois as pessoas desesperadas tomavam as ruas em direção à suas casas. Conduções, as que ainda funcionavam, completamente lotadas; nas vias, carros e mais carros; a cidade bateu mais um recorde de trânsito, ultrapassou mais de 195 km de congestionamento às 15h da tarde. O velho dito “cada um por si e Deus por todos” era vivenciado naquele momento, onde respeitar o próximo pouco importava, pois o mais importante ali era salvar a sua “pele”, digo isso porque eu e alguns amigos do trabalho, andando na calçada, quase fomos atropelados por motoristas que, fugindo do trânsito, não exitavam em invadi-la.
Chegando em casa tomei um banho e fui assistir a uma palestra no centro, mas antes de ir, me disseram que ninguém devia sair de casa, pois na rua após às 20h iria ter um toque de recolher, e eu, nos meus 26 anos de idade, me questionei daquilo, pois pela primeira vez escutava algo assim nas redondezas. Mas, mais uma vez, aqui lo para mim parecia distante, e no momento venho à mente as histórias dos antigos cristãos, que sem medo, se reuniam nas catacumbas para falar do cristianismo e, mesmo sobre a ameaça real de morte, não exitavam e colocavam a fé acima de tudo, amando a Deus sob todas as coisas. E assim pensei, será que realmente tenho Fé, vou me render sobre uma “possível” ameaça que cheira mais a boato do que qualquer outra coisa? Fui para o centro e, ao começar a palestra, mais uma vez o vazio tomou conta, o salão acostumado com uma média de cento e cinqüenta pessoas, naquela noite, se chegou a cinqüenta pessoas foi muito. Sim, o medo tomou o espaço da fé raciocinada propagada pela doutrina, para muitos daqueles que ali não estavam, mas nem por isso a noite deixou de ser importante, pois para os demais que ali estiveram, a palestra veio muito a calhar, onde o amigo palestrante abordou o tema Medo, sentimento que assolava na sociedade diante dos acontecimentos.
Com o passar dos minutos, fui compreendendo e daí então “me toquei” que aquilo que eu estava sentindo, de que os acontecimentos estavam distantes de mim, de que não pareciam reais, era na verdade o resultado do sentimento de Fé que eu me encontrava envolvido. Fé de que nada adiantaria eu me alardear com tudo aquilo, pois nada iria me acontecer de “ruim” se eu não tivesse a necessidade de passar por aquilo naquele momento. Se eu tivesse que morrer, não necessariamente eu teria que tomar um tiro naquele momento, poderia estar em casa e sofrer um acidente doméstico, ou adoecer e vir a desencarnar.
Não quero dizer que não devemos nos precaver, aliás, isso é um dever, pois faz parte da Lei de Preservação, mas quando ultrapassamos o limite dessa lei, aí as coisas ficam negativas e podemos passar a viver sob o julgo do medo, esquecendo de raciocinarmos, pois se Deus é soberanamente justo e bom como podemos ler no Livro dos Espíritos – será que ele irá nos desamparar, deixar acontecer alguma coisa de ruim conosco? Como citado no início, de que vale ao espírita saber que a verdadeira fé é aquela que deve encarar a razão, se na hora “H”, ele não raciocina, e não tem fé em Deus?
A nós espíritas é dada a oportunidade de compreendermos os acontecimentos do mundo, mas muito mais do que isso, de colocarmos em prática os ensinamentos espíritas, visando melhorar a nossa vida, as das outras pessoas e a sociedade. Reflitamos se estamos contribuindo como realmente podemos contribuir. O mundo carece de bons exemplos, principalmente nesse momento de transição que vivenciamos, onde a cada instante, acontecimentos tempestuosos podem surgir enquanto finalmente a Terra não se regenerar por completo, e isso só irá realmente acontecer no dia em que o bem deixar de ser tímido e superar o “mal”.