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Umbanda e Espiritismo

Autor: Leonardo Marmo Moreira

Uma velha questão dentro do movimento espírita brasileiro consiste na relação entre Umbanda e Espiritismo. Discussões acaloradas têm sido motivadas por essa relação, que tem se mostrado intensa, desde o século XIX, e a dúvida persiste: Que tipo de ligação a Umbanda mantém com o Espiritismo? A Umbanda faz parte do Espiritismo? Seria uma vertente? Ou não teria a mínima correlação?

Obviamente, a resolução destas dúvidas iniciais consiste em pré-requisito fundamental para se chegar a uma orientação segura para responder o segundo grupo de questões que esse assunto fomenta: Como lidar com a Umbanda? Que tipo de atitude o dirigente espírita deve apresentar quando influências umbandistas surgirem na Casa Espírita? E quando entidades típicas das reuniões mediúnicas umbandistas se manifestarem em uma casa espírita, que tipo de procedimento médiuns e doutrinadores devem apresentar?

Para responder a essas perguntas, que despertam bastante polêmica em nosso meio espírita, primeiramente nós necessitamos entender o que o Espiritismo é e o que o Espiritismo não é. Além disso, é fundamental refletir sobre o significado profundo do Espiritismo frente ao Evangelho de Jesus, tendo-se em vista os objetivos da Providência Divina para a comunidade do planeta Terra, bem como o papel do Espiritismo na busca por esses objetivos. 

O Espiritismo consiste em uma Doutrina de aspecto tríplice, isto é, científico, filosófico e religioso, que nasce da investigação de caráter profundamente racional dos fenômenos mediúnicos efetuada em meados do século XIX por seu Codificador, Allan Kardec. Esse estudo sistemático relevou aspectos profundos do sentido da vida, respondendo questões existenciais ancestrais, tais como “Quem sou eu?”, “De onde eu vim?”, “Para onde vou?”, “Qual a finalidade da vida na Terra?”, “O que é Vida Física?”, “O que é a Morte?”, entre outras.  

A sólida estrutura científico-filosófica da Codificação Kardeciana repercute diretamente na busca pela transformação ético-moral do ser humano, estabelecendo essa meta como finalidade precípua da vida. Assim sendo, todas as lutas do ser humano devem culminar nesse objetivo do Bem em todos os níveis, através tanto de ferramentas intelectuais, como, principalmente, de avanços morais. Esse ideal de evolução constante tem suas bases fundamentais no conhecimento da imortalidade da alma, da existência do mundo espiritual, da possibilidade de intercâmbio entre encarnados e desencarnados, da reencarnação e, finalmente, da evolução infinita a que todos os filhos de Deus estão destinados. 

Assim sendo, como entender o movimento umbandista dentro de um ponto de vista Kardecista?

(1) A Umbanda, na medida em que mantêm reuniões mediúnicas públicas e não privativas, rituais, imagens e uso de vários artifícios materiais para seu fim religioso, não pode, a priori, ser considerada parte integrante da Doutrina Espírita. 

(2) Por outro lado, na medida em que a Umbanda prega a reencarnação; crê na mediunidade, desenvolvendo reuniões mediúnicas; crê, divulga e estuda a evolução envolvendo diferentes reencarnações; crê na pluralidade dos mundos habitados; considera Jesus o nosso maior Mestre na Terra, estudando o Evangelho e, além de tudo isso, em grande número de seus núcleos, estuda e divulga a Codificação Kardequiana; pode ser considerada um dos movimentos religiosos mais afins do Espiritismo. Diríamos mesmo que, se o Movimento Umbandista, em princípio, não pode ser considerado como parte integrante da Doutrina Espírita, deve, com muito mérito, ser considerado um importante parceiro do Espiritismo na divulgação das Leis Universais de Deus. 

Obviamente, alguns confrades podem discordar destas colocações, dependendo muito da experiência que cada trabalhador espírita tem com o Movimento Umbandista. Esse tipo de discrepância deve ser considerado natural, primeiramente, levando-se em consideração a heterogeneidade dos caracteres pessoais de cada indivíduo e, em segundo lugar, os aspectos doutrinários que mais despertam o interesse de cada um. De fato, há adeptos de Espiritismo mais dedicados ao aspecto científico da doutrina, outros são mais interessados em questões filosóficas e outros profundamente conectados à proposta religiosa do Espiritismo. Desta forma, a compreensão e o reconhecimento psicossocial do papel da Umbanda na universalização de conceitos importantes para a Doutrina Espírita vão variar de indivíduo para indivíduo. De qualquer maneira, vale lembrar o Mestre Jesus quando elucidou os apóstolos dizendo: “Aqueles que não estão contra nós, estão por nós!”. 

Muitos autores espíritas asseveram, fundamentados nos textos básicos de Allan Kardec, que o Espiritismo poderá não ser propriamente a única religião do futuro, mas, certamente, o futuro das religiões, pois seus princípios fundamentais, os quais são elucidações das Leis Universais de Deus, serão lenta e gradualmente assimilados e praticados por um número cada vez maior de pessoas, independentemente do rótulo religioso ou filosófico que cada cidadão apresente. Considerando as multifacetadas características culturais de incontáveis grupos religiosos no Brasil e no Mundo, seria contraproducente o Espiritismo buscar um proselitismo radical, o que, por sinal, já foi desaconselhado por Kardec. Desta forma, assim como aprovamos quando membros da ciência ou de outras religiões defendem postulados em concordância com a Doutrina Espírita, apesar das naturais diferenças de opiniões, faz-se necessário reconhecer que a Umbanda tem atuado, pelo menos em grande número de seus núcleos, de forma digna do nosso maior respeito e admiração, levando a indivíduos que ainda necessitam de cultos com imagens e rituais, mensagens libertadoras como a compreensão da obsessão, da desobsessão e dos mecanismos de ação e reação inerentes à Reencarnação.

Obviamente, a qualidade das reuniões umbandistas, assim como acontece em nossos arraiais, depende diretamente da mentalidade e do comprometimento do respectivo grupo religioso. Neste contexto, devemos admitir que a dificuldade no Movimento Umbandista deva ser ainda maior do que a que nós encontramos no Movimento Espírita e que já não é pequena. Isso ocorre, pois a Doutrina Espírita tem na Codificação Kardequiana um guia sólido, uma referência definitiva, que subsequentemente ainda foi enriquecida por obras de inestimável valor como aquelas de Léon Denis, Gabriel Delanne, J. Herculano Pires, Hermínio Miranda, Martins Peralva, entre outros, além dos inesgotáveis conteúdos que chegaram pelas mãos de luz de Francisco Cândido Xavier, Yvonne Pereira, Divaldo Franco, entre outros. Neste contexto, como a Umbanda não apresenta uma obra síntese, está muito mais sujeita a diferentes interpretações de grupo para grupo. Por outro lado, é interessante constatar que a Codificação Kardequiana, sobretudo O Evangelho segundo o Espiritismo, tem sido estudada por muitas casas umbandistas. 

Assim sendo, nós espíritas devemos sempre zelar pela pureza e coerência doutrinária em nossas casas espíritas, respeitando qualquer tipo de entidade e submetendo todas as comunicações à luz da análise espírita, para que os grupos não se deixem levar por crendices e superstições, mas que também não caiam em preconceitos que não correspondem aos ideais que devem guiar a “Casa de Jesus”. Por outro lado, fora dos limites da atividade espírita, seria de bom alvitre uma maior compreensão de nós espíritas à missão da Umbanda para a instalação do Evangelho na Terra, uma vez que a diversidade cultural dos diferentes grupos humanos sempre será uma realidade, independentemente do tempo e do planeta em que habitemos.

O consolador – Ano 3 – N 141

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