Autor: Anselmo Ferreira Vasconcelos
Tem sido objeto de enorme preocupação nos meios espíritas a problemática derivada do uso excessivo da tecnologia. Confrades têm denominado tal doença – já que trata de um comportamento viciante – como uma espécie de síndrome (SIT) a qual leva os seus portadores a viver, em situações mais extremas, sob intensa solidão e isolamento por causa do obsessivo apego aos objetos ou ambientes tecnológicos. O problema é tão grave que há até centros de tratamento devotados à cura de pessoas com tais características comportamentais. Os diagnósticos, a propósito, indicam que muitas delas chegam ao extremo de estragar os seus relacionamentos afetivos, em algum momento, devido à dificuldade de se autocontrolarem no uso desses equipamentos.
De maneira semelhante, estudiosos e pesquisadores têm declarado que o uso excessivo de tecnologia acaba “esgotando o cérebro”, tal qual ocorre com a depressão ou o uso de anfetaminas. Por exemplo, a neurologista inglesa Susan Greenfield afirma que “… computadores, tablets, smartphones, enfim, todos os dispositivos interativos, quando usados excessiva e ininterruptamente, deixam a mente em um estado de confusão sobre o aqui e o agora muito semelhante aos efeitos do Alzheimer. As pessoas nesse estado perdem momentaneamente a noção clara do que seja passado, presente ou futuro”.
Ela pondera ainda que “… não existem evidências de que o cérebro sadio submetido de maneira intermitente a esses estímulos sofrerá transformações fisiológicas permanentes. No entanto, essa é uma hipótese a considerar seriamente a longo prazo”. Portanto, não há nenhuma dúvida que a marca do progresso humano é traduzida, entre outras coisas, pela interatividade e acessibilidade. Desse modo, softwares e hardwares dos mais variados tipos e designs têm ajudado as pessoas a estabelecer conexões e a realizar operações e atividades inimaginadas.
Em consequência, com muita facilidade pagamos nossas contas pela internet, compramos produtos e serviços que podem estar em qualquer local do planeta, lemos livros e artigos digitalizados, marcamos compromissos, travamos contatos com outras pessoas que podem estar fisicamente bem distantes de nós por meio de e-mails, chats e das facilidades do Skype, pesquisamos os mais variados assuntos e assim por diante. Tudo isso é simplesmente fascinante!
Poderíamos também acrescentar os onipresentes iPods colados aos corpos das pessoas. Afinal, na atualidade, é raro alguém não estar caminhando sem portar esse aparelho que virou praticamente uma mania mundial. Aliás, dá-se a impressão que para os seus usuários contumazes nada mais importa, a não ser curtir as músicas em alto volume, o que está levando, por sinal, muitas crianças e jovens a apresentar prematura perda auditiva, segundo revelam os especialistas.
Vale ressaltar igualmente que nas grandes cidades é comum observá-los sentados em bancos de ônibus e vagões de metrôs carregando os seus aparelhos quase sempre com o olhar alienado, bem como indiferentes a tudo e a todos, mas especialmente às mulheres e idosos necessitando de uma gentileza.
Mas há também em tudo o que descrevemos outra contrapartida muita séria a ser considerada. Como afirmou outrora o apóstolo Paulo de Tarso com muita propriedade: “Todas as coisas me são lícitas, mas nem todas as coisas convêm; todas as coisas me são lícitas, mas nem todas as coisas edificam” (I Coríntios, 10: 23). Desse modo, cabem as perguntas: o que há de edificante no cultivo de tais hábitos? No que eles ajudam o indivíduo a progredir ética e moralmente? A opção por uma vida reclusa ou alienada é algo salutar? Não há também aí um estilo de vida obsessivo? Passar a maior parte do dia “manietado” às teclas de um smartphone, notebook ou dispositivos como joystick e fones de ouvido ajudará em nossa marcha ascensional? Estamos atraindo para o nosso lado que tipos de entidades espirituais devido a tal desordem psicológica?
Uma coisa é certa: ao se deixar subjugar a esse ponto, o indivíduo está se distanciando voluntariamente de uma existência sadia e enriquecedora. Em outras palavras, está desperdiçando tempo precioso com coisas e atividades que não agregarão discernimento e lucidez ao seu ser. Com efeito, necessitamos nos empenhar em mergulhar com regularidade na intimidade de nossa alma. Precisamos de tempo para meditar, orar e avaliar a nossa conduta, caminhos percorridos, valores cultivados, atitudes tomadas, a fim de promover os ajustes e correções de rumo, quando necessários. É nestes momentos vitais que “falamos” com Deus. É ainda por meio desses exercícios salutares que normalmente encontramos a paz íntima e as respostas para as dúvidas e incertezas que nos assaltam. E se não alocarmos espaço em nossa agenda diária para tais práticas, certamente nos desviaremos dos rumos traçados com vistas às nossas conquistas interiores.
Mas ao atirar-se com sofreguidão às distrações produzidas pelos dispositivos eletrônicos citados, o indivíduo bloqueia parcial ou mesmo completamente as inspirações elevadas derivadas do plano maior da vida em seu próprio benefício. Em razão do comprometimento da sua capacidade de percepção extrassensorial, as sugestões saneadoras lhe chegam fragmentadas ou substancialmente estioladas na melhor das hipóteses.
Não deve ser por outro motivo que o Espírito Joanna de Ângelis, na obra Ilumina-te (psicografada por Divaldo P. Franco), nos traz interessantes advertências e recomendações a respeito. Afirma a referida benfeitora que “A parafernália da tecnologia da inutilidade encontra-se ao alcance fácil de todos, desviando os seus aficionados dos compromissos graves e das responsabilidades severas, que substituem pelo vazio existencial. Em consequência, falecem as suas resistências morais, quando testados na vivência dos postulados dignificadores e sacrificiais, indispensáveis à existência feliz”.
Usando a metáfora da natureza, ela conjectura que, a fim de nos abastecermos de energias revigorantes e benfazejas para a continuidade da luta libertadora, necessitamos “… de silêncio, de meditação, de algum tempo no deserto…”.
E ainda adverte: “Quando se consegue o hábito de pensar em silêncio, no deserto íntimo, permanece a alegria de viver, seja sob aplausos ou apupos, em estabilidade social ou em pendência de muitas realizações”. Desse modo, “Esse equilíbrio íntimo é a resposta da autoconquista, do descobrimento dos legítimos objetivos da jornada, sem as ilusões dos triunfos enganosos”. Por fim, ela acrescenta: “Esse silêncio, portanto, é tão importante para o Espírito quanto o é o pão para o corpo”.
Portanto, evitemos todos os excessos e obsessões, inclusive os de natureza tecnológica. Aprendamos a desfrutar dos avanços e recursos que a modernidade nos proporciona com equilíbrio e sensatez, de modo a não nos tornarmos deles escravos e assim comprometermos ainda mais a nossa saúde espiritual.
O consolador – Ano 7 – N 354