Entrevistador: Orson Peter Carrara
Na presente entrevista, a visão de um jovem espírita com relação aos desafios e perspectivas inerentes às atividades realizadas pelas casas espíritas
Victor Abranches (foto) nasceu em Juiz de Fora-MG e reside atualmente em São Carlos-SP, onde estuda Física na USP. Integrante do Grupo Espírita Paz e Harmonia, é dirigente de mocidade espírita e também palestrante. Filho de conhecido jornalista no Vale do Paraíba, que é também escritor e palestrante espírita, nosso entrevistado narra suas experiências.
Tendo nascido em família espírita, como você sente o Espiritismo dentro de você?
A maior influência espírita da minha família vem do meu pai, que sempre estudou e pesquisou muito sobre a doutrina, e esse hábito dele eu tive a felicidade de herdar, mesmo que em partes, pois não estudo tanto quanto ele, mas o suficiente para sempre termos conversas produtivas e edificantes. Outro fator que percebo que me influenciou muito foi ter assistido às suas palestras desde criança. Como ele sempre se preocupou em ser original e criativo, ao mesmo tempo coerente, claro e baseado fortemente na doutrina (no mínimo Kardec, Emmanuel e Joanna citados nas palestras), hoje sinto facilidade em também ser claro e sempre me preocupo com as fontes de onde buscar informações. A influência de minha mãe em mim foi mais emocional. Percebo muitas atitudes nas minhas relações com as pessoas que vêm dela, principalmente as boas atitudes, nem sempre “ligadas” especificamente à doutrina espírita, mas, com certeza, espiritualizadas. Dentro de mim, sinto o Espiritismo ainda tomando forma, e acredito que sempre será assim, pois toda vez que leio um texto do Evangelho, o entendimento é diferente, e em toda conversa com alguém há algo novo a ser aprendido. Sobre meu conhecimento da doutrina, apenas posso afirmar que eu leio e estudo razoavelmente, porque gosto muito, medito com alguma frequência, mas em matéria de sentir e viver, de fato, os ensinos morais, ainda sou um iniciante que sabe pouco.
Qual sua visão de mundo na idade em que se encontra, tendo em vista o conhecimento espírita que já detém?
Sempre tento manter em mente a lição do texto “Ponto de vista”, constante do item 5 do capítulo II de O Evangelho segundo o Espiritismo. No pouco que estudei do texto, entendi quanto é melhor encarar o mundo com fé na vida futura, espiritual, do que manter os pensamentos e preocupações apenas no aspecto terreno. O texto, assim como todo esse capítulo, é muito claro a respeito dessa visão de mundo, importante para não se desesperar com as dificuldades naturais da vida, nem se preocupar excessivamente com todos esses problemas que estamos vendo na política, na educação ou nos relacionamentos interpessoais. Não acho que minha idade tenha alguma influência nas minhas opiniões sobre o mundo, porque, primeiramente, ela segue basicamente esse texto, que é muito lógico; então, com a motivação certa, pessoas de qualquer idade seriam capazes de entender e apreciar o mundo com a fé na vida futura de que o texto trata. E, em segundo lugar, como ela é baseada no Espiritismo, sua essência nunca vai mudar com o passar do tempo: autoconhecimento, esforço pra superar as más tendências, disciplina em todo trabalho que for realizar, caridade (como entendia Jesus), entre outros. As únicas mudanças que o tempo traria seriam os “alvos” desses ensinos básicos do Espiritismo, por exemplo: qual má tendência a superar, qual trabalho a fazer que exigirá disciplina, a quem direcionar o ato de caridade, entre outros.
Como encara, como espírita, os desafios da juventude no mundo atual?
A juventude no mundo atual enfrenta muitos desafios, e desafios bastante diversos também. Vários desses se aplicam também à infância, à maturidade e à terceira idade, como por exemplo o autoaperfeiçoamento, eternamente importante. Mas vejo na atual juventude a missão de transformar o mundo em aspectos mais profundos, e ao mesmo tempo mais sutis, do que as mudanças que vêm ocorrendo devido às últimas gerações. Não estou dizendo que estas não causaram transformações importantes, mas é a essência da transformação em si que mudará. Desde o começo da revolução industrial, e um pouco antes disso, do início do emprego de metodologias científicas experimentais na produção de conhecimento, as maiores mudanças que aconteceram no mundo e na humanidade foram as racionais, materiais, tecnológicas. Não que não houvesse tido mudanças morais e comportamentais, digo em comparação com as primeiras. Acredito que a atual juventude irá trazer mais à tona a reforma de que o mundo em fase de transição precisa, que acontece nos sentimentos. Maior respeito pela diversidade, pela natureza, pela realização de um trabalho bem-feito, pelos sentimentos do próximo. São todos valores que têm crescido cada vez mais, e que representam a vivência da mensagem de Cristo. Além disso, a juventude atual tem uma outra grandiosa missão: a de preparar a próxima geração para dar continuidade à evolução da Humanidade e, consequentemente, do planeta. Todos sabemos, de fontes como Divaldo Pereira Franco e Yvonne do Amaral Pereira, que Espíritos de outros orbes, mais evoluídos que a Terra, têm vindo reencarnar por aqui para dar um impulso na transição para Regeneração. Portanto, cabe à atual juventude trabalhar o máximo possível agora para não só prepará-los para essa grande obra, como também adiantar o máximo possível esse progresso, pois, se esses espíritos tão bons podem fazer tanto pela evolução, que eles comecem a trabalhar num planeta no melhor estado possível. Nesse caso, não vai demorar muito para estarmos, de fato, vivendo num planeta mais agradável.
Sendo filho de um jornalista muito conhecido e também espírita atuante no país, qual a sensação, influência e reflexos em sua vida juvenil?
Toda criança, ou todo jovem, que é filho de uma personalidade mais conhecida precisa enfrentar um desafio relativamente perigoso, que é o orgulho. Sou muito grato a Deus por sempre ter tido boas amizades, nas quais eu e meus amigos nunca ligamos em nada para esse fato (meu pai ser famoso na região). De uma forma geral, quando as pessoas que conhecem meu pai vinham falar comigo, elas perguntavam se eu seguiria os passos dele. Então se era dentro do centro espírita, a pergunta era: “você um dia quer dar palestras como seu pai?”, mas fora do centro era: “você quer ser jornalista como seu pai?”. Acabei vivendo afirmativamente só a primeira pergunta. Acredito que, como todo jovem, tenho reflexos positivos e negativos absorvidos inconscientemente do relacionamento com meu pai. Os positivos, pra mim, são mais fáceis de serem percebidos. Penso sobre eles, e converso com as pessoas próximas sobre isso. Os ruins geralmente surgem nas conversas de terapia. A grande influência positiva dele sobre minha vida foi o gosto pelo estudo da doutrina.
Qual a influência, a seu ver mais positiva, que o conhecimento espírita exerceu sobre sua vida?
Como iniciei os estudos da doutrina na infância, tenho dificuldade em imaginar como seria minha vida hoje se não houvesse o conhecimento espírita. Se conseguisse, saberia dizer com melhor precisão qual o reflexo mais positivo do Espiritismo em mim. Mas ainda é possível responder à pergunta com base no pouco de autoconhecimento que já pratiquei, buscando talvez alguns dos reflexos mais significativos, ao invés de um único. Uma das maiores influências que a doutrina exerce em mim ocorre nas relações interpessoais, quando me esforço para não julgar alguém com base em fofocas ou histórias que são contadas sobre ela (algo que quase nunca acontece em nossa sociedade), e até mesmo tentar transpor a “primeira impressão” quando conheço alguém, seja ela positiva ou negativa. O Espiritismo me lembra que estamos reencarnados num planeta no estágio de Provas e Expiações, e que, portanto, todos, com Jesus sendo a única exceção indiscutível, temos problemas e vícios a serem superados ainda e em todos os aspectos do ser, físico, psicológico e emocional. A consequência lógica é que não faz sentido eu (ser imperfeito com muitos vícios) querer entender e julgar o que é melhor ou pior para outra pessoa (também imperfeita em seu próprio contexto, diferente do meu). O conhecimento espírita também repercutiu em mim na preocupação de tentar sempre melhorar. Tanto a mim mesmo, como o ambiente ao meu redor. É bastante clara a cobrança da consciência quando me sinto afastando do caminho reto da vivência do Evangelho no dia a dia, mesmo que nem sempre a reação, que ocorre na mudança das atitudes e pensamentos, surja de forma rápida e clara.
Que falta para o jovem aproximar-se mais do movimento espírita? Falta estímulo, falta espaço?
Existe uma diversidade infinita entre os jovens. Em pensamentos, sentimentos e, consequentemente, nas suas opiniões e visões de mundo. Posso responder pelo que eu considero mais importante e válido para essa questão, tentando ser o mais justo possível com o movimento espírita como um todo, baseado também nas conversas que já tive com amigos de várias cidades. Algumas dificuldades no desenvolvimento da juventude dentro da casa espírita são diferentes de centro para centro, mas os que eu considero principais costumam, sim, ser comuns para a maioria. Já tive colegas que comentaram sobre a falta de espaço para o trabalho, devido a pensamentos provenientes das direções das casas espíritas, tais como: “jovem ainda não sabe trabalhar” ou “jovens não têm disciplina/responsabilidade/seriedade, quem sabe daqui a alguns anos”. Mas felizmente essa não é uma característica tão geral no movimento espírita.
Na minha opinião a falta de estímulo é uma questão muito mais grave, e que está muito mais presente nos centros espíritas (que eu já pude observar), até porque essa situação engloba a anterior (num centro onde não há espaço, provavelmente não há estímulo).
Nem todos os centros possuem um grupo de jovens ativo nos trabalhos da casa (considerando também a influência no ambiente espiritual), e dentre os que têm, nem todos acompanham o desenvolvimento desses trabalhos, permitindo que os jovens fiquem, muitas vezes, estudando e interpretando a doutrina de formas individuais, podendo isso ser perigoso. Mas, ainda assim, dentro da questão da falta de estímulo, na minha visão, tem faltado a mais importante de todas as motivações para a permanência e dedicação do jovem no Espiritismo, que é o exemplo. Ter alguém (geralmente mais velho, mas não necessariamente) que, além de direcionar e administrar os estudos e trabalhos da casa que frequenta, vive sinceramente as lições da doutrina dentro e fora do centro espírita. Uma pessoa responsável que visivelmente se esforça para ser humilde (não busca vaidade, nem a ilusão do controle e do poder), que se esforça pra sempre manter boas relações com todos (independentemente de orientação sexual, classe social etc.), que busca não maldizer nem julgar, que é sincera com os próprios sentimentos e com os do próximo.
É bastante perceptível para o jovem alguém que se esforça para ser cada vez melhor, e esta, na minha visão, é a melhor motivação possível, principalmente para os que são novos no movimento, pois é a imagem viva e real daquilo que está nos livros e que se diz em palestras.
Que atividades atrairiam mais o jovem para o comprometimento com as tarefas do centro e do movimento espírita?
Acredito que uma das características mais marcantes da maioria dos jovens seja a grande quantidade de energia disponível a ser investida nas atividades. Trabalhos mais expansivos e visíveis, que tragam mais vida e alegria para o ambiente, talvez seja algo que atraia os jovens para o comprometimento. Trabalhos com arte, como música e teatro, instigam na mocidade uma vontade de se aprofundar nos conhecimentos e nos trabalhos. Talvez dar ao jovem a oportunidade de proferir palestras seja um excelente incentivo, ou deixá-lo responsável por um determinado grupo de estudo, trabalhando respectivamente as artes da oratória e da literatura. Há pessoas jovens que amam trabalhar com a evangelização de crianças, e outras que são bastante sensíveis para um atendimento fraterno, e até mesmo para um trabalho mediúnico. Independente da atividade a ser desenvolvida pela casa, é sempre bom oferecer a liberdade para que o jovem conheça e escolha o trabalho que gostaria de desenvolver. Por fazer algo que gosta, muito provavelmente se tornará mais comprometido com a tarefa.
Algo marcante que gostaria de destacar de sua experiência juvenil espírita?
Quando pensei no que responder a essa pergunta, inesperadamente acabei me perdendo entre várias lembranças. De quando fui à mocidade pelas primeiras vezes, os primeiros encontros de mocidades espíritas no carnaval, na Páscoa, finais de semana e feriados. Diria que é sempre marcante a presença dos amigos nesses encontros cheios de luz. Sempre há os abraços chorosos no final, as apresentações musicais, o sentimento de amizade em sua forma mais pura e o sentimento de trabalho realizado depois de tantas dificuldades superadas. Acredito que a mais forte experiência juvenil espírita para quem se permite mergulhar nas atividades e trabalhos seja a amizade.
Algo mais a acrescentar?
A juventude espírita, de uma forma geral, possui uma força de trabalho muito grande, bastando que seja bem direcionada. Que os jovens possam tomar consciência de toda a capacidade que possuem de mudar o mundo ao seu redor para melhor, mas que também todo o restante de trabalhadores das casas espíritas possa perceber essa força. Que todos nós possamos ter corações abertos e receptivos para o Cristo em nós, aprendendo a trabalhar em conjunto, independentemente de onde estivermos.
Suas palavras finais
Gostaria de agradecer pela entrevista, por ter-me dado a oportunidade de contar um pouco da minha história, das minhas opiniões, e que me fez refletir muito mais do que eu esperava sobre os reflexos do Espiritismo em mim. Espero poder alcançar corações que nem imaginava e poder ter gerado ao menos um pouco de reflexão pessoal em cada um.
O consolador – Ano 10 N 464 – Entrevista